Arquivo de janeiro, 2012

DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES DE GÊNERO

Publicado: janeiro 31, 2012 em Artigo


Paulo Cesar Santos Bezerra

1. Introdução

O tema das relações de gênero exige abordagens múltiplas para que se evitem reducionismos que resultem no esvaziamento de certos aspectos que são importantes vis-a vis.
Assim, como estratégia metodológica do presente trabalho, parte-se de grandes divisões dicotômicas do conhecimento que, embora superadas pelo discurso atual, servem de via de arrumação das idéias, a saber: conhecimento filosófico versus conhecimento científico; ciências naturais versus ciências sociais.
No âmbito filosófico, o tema requer reflexões sobre igualdade, diferença, equidade, justiça. No que tange às ciências, campos científicos aparentemente autônomos se entrelaçam na busca de um tratamento mais condizente com a amplitude que o tema requer, e exigem um tratamento que chamamos de intercientífico, do conhecimento interdisciplinar e mesmo transdisciplinar. Só por isso, já fica evidenciada a dificuldade de tratamento do tema, que requer do pensador, um conhecimento enciclopédico sobre filosofia e diversas ciências, e dentro destas últimas, um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar. É claro que no Direito, em que pesem os esforços dos pensadores mais contemporâneos, não há uma cultura de multisciplinaridade do conhecimento jurídico. Ao contrário, os operadores do direito parecem caminhar no sentido inverso, da especialização.
No campo cientifico, atentando-se para a divisão reducionista entre ciências naturais e ciências sociais, cada vez mais superada, o tema das relações de gênero exige incursões na Biologia, de um lado, e da Antropologia, Sociologia, Psicologia (Psicologia Social, Antropologia Social) e Direito, apenas para delimitar o campo de abordagem do presente trabalho, pois o tema exige incursões em outros campos do saber.
No que se refere ao Direito, as relações de g~enero exigem abordagens interdisciplinares, notadamente referentes ao Direito Civil (Família, Obrigações, Direitos Reais, Sucessões, Criança e Adolescente); Direito Penal 9Proteção da Mulher); Direito do Trabalho (trabalho da mulher) e, acima de tudo, e dirigindo todo o arcabouço jurídico em torno das relações de gênero, o Direito constitucional, principalmente no tocante aos direitos humanos e fundamentais.
Construir uma abordagem mais abrangente sobre o tema das relações de gênero, que evitem as visões reducionistas sobre ele, é o intento maior do presente trabalho.

2. Breves reflexões extra-jurídicas sobre o tema

Conforme apontado na introdução, as relações de gênero exigem reflexões extra-jurídicas imprescindíveis para a compreensão mais abrangente de tal matéria. Assim é que, conceitos como igualdade, diferença e identidade, dentre outros que escapam à limitação exigida por um trabalho como este, são necessários ao próprio tratamento jurídico, sob pena de se construir u conhecimento jurídico enviezado, dessas relações.
Os conceitos acima referidos, no âmbito da Filosofia e da História, têm sido assim construídos:
a)Igualdade: relação entre dois termos em que um pode substituir o outro, no mesmo contexto, sem mudar o valor do contexto. Essa a idéia de igualdade em Leibniz, avançando da idéia aristotélica que reduzia a igualdade apenas a relações de quantidade. Ou noção lógica ou matemática, significando a equivalência entre duas grandezas.
b)Diferença: relação de alteridade. Escolasticamente, distingue-se as coisas que são numericamente diferentes, das coisas especificamente diferentes, quer dizer, que diferem pela sua própria essência ou pela sua definição. Característica que distingue uma espécie das outras espécies do mesmo gênero.
c)Identidade: dentre outros sentidos, característica de dois objetos de pensamento, distintos no tempo e no espaço, mas que apresentariam as mesmas qualidades.

De plano, nota-se que essas idéias, embora colaborem para a construção jurídica das relações de gênero, não são suficientes.
No campo das ciências, atente-se, por mais imediato (embora mais insuficiente), para o tratamento dado pela Biologia, à questão de gênero. Para esta ciência, gênero é uma subdivisão de família, que por sua vez divide-se em espécies. Assim, o ser humano é um gênero da família ser vivo, que se divide em espécies: homem/mulher; masculino/feminino.
Atente-se, agora, para as ciências sociais, ainda no campo do extra-jurídico. Nesse diapasão, gênero é um conceito que se distingue do conceito biológico de sexo, representando os aspectos sociais das relações entre os sexos, que se constói e se expressa em muitas áreas da vida social, incluindo cultura, ideologia e práticas discursivas, sem, contudo, se limitar a isso. Gênero, assim, não é sexo. Sexo refere-se ao biológico, restrito ao que é homem e mulher, enquanto gênero está ligado à construção social do masculino e feminino, ou seja, como ser homem e como ser mulher. e gênero assumem formas diferentes, em diferentes sociedades, períodos históricos, grupos étnicos, classes sociais e gerações, tendo em comum a diferenciação entre homens e mulheres. Nesse passo, macho e fêmea são realidades naturais, enquanto que homem e mulher são conceituações culturais. O conceito de gênero presta-se, pois, para a distinção entre a dimensão ideológica e a social, existindo então, um sexo físico e um social, sendo o comportamento de uma pessoa de determinado sexo, produto das convenções sociais acerca do gênero, em um contexto social específico. E mais, essas idéias acerca do que se espera de homens e mulheres são produzidas relacionalmente, é dizer, quando se fala em identidade socialmente construída, o discurso sociológico/antropológico está enfatizando que a atribuição de papéis e identidades para ambos os sexos forma um sistema simbolicamente concatenado.
Assim, a categoria gênero é um produto da modernidade principalmente dos cientistas sociais, que se refere à construção social do sexo, no contesto da construção sociológica de papéis sociais, contribuindo assim para um novo discurso jurídico que surge, a saber o discurso jurídico das relações de gênero.

3. Do tratamento jurídico das relações de gênero

Da Antropologia, da Sociologia, da Psicologia, da Biologia, dentre outras ciências sociais ou naturais, surge um novo discurso que, aos poucos, vai adquirindo autonomia, a saber, o dos estudos do gênero.
O Direito, como ciência social, não pode escapar da influência desse novo discurso, absorvendo conceitos extra-jurídicos, na construção de novos conceitos jurídicos, como igualdade jurídica, direitos de igualdade, e direito à diferença, não-discriminação, discriminação positiva, ação afirmativa, dentre outros
De se destacar, de plano, a necessidade de se adotarem abordagens interdisciplinares e transdisciplinares e de passagem das análises pelo crivo do multiculturalismo.
Mas, no tocante ao Direito, o conceito que tem construído maiores reflexões dos operadores jurídicos (advogados, juízes, membros do Ministério Público, doutrinadores, legisladores, professores e estudantes de direito de todos os níveis) no que se refere às relações de gênero, é o conceito de isonomia
Comumente confundido com a igualdade, a isonomia é apenas um subproduto ou subprincípio da igualdade, para significar tratamento igualitário. Assim, deve haver tratamento igualitário entre as partes do processo, e todos são iguais perante a lei, por exemplo.
Além disso, o falar em igualdade e isonomia requer algum giz sobre a idéia de desigualdade (proibida ou permitida pelo direito) e de igualdade formal e material.
De fato, a distinção entre igualdade formal e material é importante por exemplo, para não gerar a confusão rotineiramente feita pelo hermeneuta e aplicador do direito sobre a extensão da expressão “todos são iguais perante a lei”, expressa no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Pois bem, uma coisa perante a lei, que quer dizer que todos são iguais em face da lei quando promulgada e publicada, portanto, quando está apta para produzir efeitos jurídicos. Essa é a igualdade formal. Outra coisa, é a igualdade na lei, ou seja na elaboração da lei. Essa é a igualdade material. Na lei são permitidos discrimens, desde que justificáveis. É por isso que na lei é permitido proibir mulheres grávidas de trabalharem em ambientes insalubres ou se estabelecerem prioridades nos atendimentos às gestantes, aos idosos e aos portadores de deficiências, só para ficarmos nesses exemplos. Tratam-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, no conhecido paradigma atristotélico de justiça.
Assim sendo, tanto a igualdade formal quanto a material (principalmente esta) são redutos de proteção do direito, e a desigualdade é, vezes, permitida e, vezes, proibidas pelo direito.

3.1 No direito infraconstitucional

O correto seria tratar a matéria, primeiramente, no direito constitucional, para depois debruçar-se sobre o tratamento infraconstitucional. A inversão da ordem aqui procedida resulta de dois motivos: a) o equívoco histórico de se eswtudar a Constituição a partir do direito infra-constitucional, que aqui se denuncia, para advogar o inverso, que se estude o direito a partir da Constituição, na perspectiva da “constitucionalização do direito”ou da “publicização do direito privado”. Assim, a ordem das matérias aqui abordadas obedece prin cipalmente ao segundo motivo: b) a linha de pesquisa aqui tomada para o tema, a saber, da análise das das relações de gênero, no contexto dos direitos humanos e fundamentais. Nesse sentido, os direitos humanos e fundamentais têm sede no direito constitucional, logo, por questão apenas de taxionomia jurídica e de alocação da matéria tratam-se as relações de gênero na seara dos direitos infraconstitucionais, para depois, enfrentá-las em nível de direito constitucional.
No que se refere às desigualdades, inúmeros são os exemplos de permissões no direito infraconstitucional, apontando-se apenas as matérias relativas às gerações de gênero.
No Direito Civil, só para citar dois exemplos, restritos ao Direito de Família, os arts. 1523, II e 1.536, I, que dizem, verbis.
Art. 1.523. Não devem casar-se:
… II- a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo, ou ter sido anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal (grifo nosso).
Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:
I – As mulheres casadas;
Também no direito processual civil encontram-se dispositivos que, a exemplo do art. 10, III, tratam desigualmente homens e mulheres.
Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro, para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários:
(…) III- fundadas em dívidas contraídas pelo marido , a bem de família, cuja execução tenha dee recair sobre o produto de trabalho da mulher ou o seus bens reservados.
Da mesma forma o Direito Penal permite à colação o exemplo da criação específica de um tipo penal, a saber o infanticídio, um crime que se aplica apenas se praticado pela mulher, mãe, e sob o efeito de estado puerperal.. Se praticado por terceiro, homem ou mulher, contra recém-nascidos, cai-se na vala comum do homicídio. Não deixa de ser um tratamento diferenciado entre agente homem e mulher.
Da mesma forma, a Lei de Execuções Penais, quando trata de ensino profissional do preso, reserva à mulher condenada, um ensino profissional adequado à sua condição. O mesmo diploma legal permite regime de prisão domiciliar, à condenada (mulher), com filho menor, ou deficiente físico ou memtal, e à gestante. Não permite ao homem com filho menor.
O direito processual penal prevê, no art. 249, que ä busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar prejuízo ou retardamento da diligência. Trata-se , aqui, da chamada discriminação positiva.
Em que pese o avanço da legislação em vigor, que dispensa citação, que revogou atos atentatórios à isonomia entre homens e mulheres, por imperiosas regras constitucionais, ainda se mantêm regras de diferenciação entre homens e mulheres, nas searas trabalhistas, previdenciárias, sempre de constitucionalidade passível de controle rigoroso.
Mas o próprio legislador constitucional cuidou de estabelecer diferenciação entre homens e mulheres, nas regras constantes nos arts. 7º , XVII, que fixa a licença maternidade diferente da licença paternidade (inciso XIX); e do inciso XX, referente à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; o art. 40, que estabelece requisitos de aposentadoria diferenciados para homens e mulheres; em caso de servidor público, oum o art. 202, sobre a diferenciação também nos tempos de aposentadoria em geral.
Como se vê, nos supracitados dispositivos constitucionais, o próprio texto da Constituição, instituidora da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, entendeu dispensar a eles tratamento desequiparados.
Tratando-se de dispositivos constitucionais, todo o cuidado deve ter o intérprete para haurir ded seus termos o máximo de eficácia. Registre-se que a Constituição, por ser carta de princípios, é necessariamente genérica, aversa a particularizações, donde decorre a conclusão inafastável de que o intérprete deve pesquisar a fundo quanis as conseqüências, na ordem de princípios, a serem atreladas ao tratamento constitucional da isonomia entre homem e mulher.

3.2 No direito constitucional

Sendo os homens desiguais por natureza, onde ficariam então a tentativa de tratamento isinõmico claramente posto no texto constitucional de 1988, e, de resto, em várias outras constituições estrangeiras e nas Convenções e Tratados internacionais, mormente nas Declarações de Direito? Seria a fixação de uma igualdade apenas formal? É claro que não. A despeito de formalmente reconhecida nos textos, busca-se a igualdade material, e não absoluta, pelo menos o mais abrangente possível. E isso só é possível na idéia de constituição material. Essa é uma distinção a partir do conteúdo da Constituição. Partindo do conceito político de Constituição, podem-se identificar matérias tipicamente constitucionais, ou normas materialmente constitucionais, como as que identificam a forma de Estado, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento dos poderes, o modelo econômico e os direitos, deveres e garantias fundamentais; já as formalmente constitucionais são colocadas no texto constitucional, sem fazer parte da estrutura mínima e essencial de qualquer Estado, e, por isso, são denominadas formalmente constitucionais.
Insatisfeito com a regra geral de que todos são iguais perante a lei, insculpida no art. 5º, caput , a Constituição se preocupou em condenar as distinções entre homens e mulheres, no inciso I do referido artigo, e de alardear a igualdade de todos para garantir a isonomia entre os sexos, pleonasticamente colocado no art. 226 § 5º; a prescrever igualdade de direitos e obrigações do homem e da mulher diante do casamento e dos filhos, reafirmando o objetivo de combate a discrimenes que sempre militaram em desfavor da mulher e, poucas vezes, em desfavor dos homens.
Reafirme-se, pois, que qualquer discrimen colocado na elaboração da lei, deve ser sempre justificável, ou juridicamente, sociológica, psicologicamente ou biologicamente. E essas discriminações positivas só têm sido possíveis através de mecanismos de correção das históricas injustiças perpetradas às mulheres.

3.2.1 Direitos humanos e fundamentais e as relações de gênero

Tudo o que foi dito acima preparou a entrada no tema essencial do presente trabalho, a saber, os direitos humanos e as relações de gênero.
Direitos Humanos e Direitos fundamentais não se confundem. Aqueles constituem o rol de direitos inerentes á pessoa humana, por essa condição em si, previstos e fixados nas Convenções e Tratados Internacionais e nas Declarações de Direitos do Homem e do Cidadão, da França de 1789, e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU- organização das Nações Unidas – de 1948. Já os direitos fundamentais constituem uma parte daqueles direitos humanos que foram positivados nas constituições dos diversos Estados. Ambos por´m (direitos humanos e fundamentais) fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.
A declaração francesa apesar de servir de argamassa na construção do chamado Estado Moderno, pouco avançou em termos de concretização da isonomia nas relações de gênero até a hecatombe que foi a Segunda Guerra Mundial, que marcou, com o seu término, a fixação das bases do chamado neoconstitucionalismo, fundado, principalmente, nos direitos humanos e fundamentais, o que causou uma mudança histórica também para as relações aqui tratadas.
Apesar dos avanços provocados pelas reflexões sobre o tema, ainda é possível constatar, nos anos 90, que não mudou muito até agora, que, “lãs mujeres son lasvictimas invisibles de los años 90. La mayoria de lãs victimas de la guerra; de los refugiados y desplazados, de los pobres, son lãs mujeres e los niños”. Portanto, depois de tanto tempo após a Declaração da Onu de 1948.
Apesar da proliferação de documentos e pactos internacionais, e por não adiantar muito o prever ou positivar nos textos, as normas de direitos e garantias fundamentais sem mecanismos de efetiva concretização desses direitos e garantias surge, em 1993 a Declaração e Programa de Ação da Conferência mundial de direitos humanos de Viena, que registrou o compromisso de todos os Estados de cumprir a obrigação de promover o respeito universal, assim como a observância e proteção de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais de todos, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e outros instrumentos relativos aos direitos humanos.
Essa conferência giza, com referência às relações de gênero, a necessidade de proteção da igualdade de condições e dos direitos humanos da mulher, e, de espantar, consta no registro da declaração que “ a Conferência Mundial dos Direitos Humanos pede encarecidamente que se conceda à mulher o pleno desfrute das condições de igualdade, de todos os direitos humanos, e que esta seja uma prioridade para os governos e para as Nações Unidas.
Tal documento, apesar de sua inspiração, leva a três grandes e inafastáveis questões: a) a necessidade, sempre renovada, de se fazerem Declarações e Programas de ações de proteção e efetividade dos direitos humanos; b) o caráter de documento que implora (pede encarecidamente) que se respeitem tais direitos; c) a ausência de mecanismos eficazes de coercibilidade e de punições pelo descumprimento de tais regras, que viram, assim, meros conselhos.
Ora, se os Estados livres e soberanos não podem fazer com que todos cumpram sua obrigação de proteção e garantia dos direitos humanos e fundamentais, o que dizer dos titulares desses mesmos direitos, a saber, os homens e mulheres em geral, os cidadãos de determinado país, em particular?
No Brasil, o descumprimento é tão flagrante que uma mulher guerreira de nome Maria da Penha, consegue, a duras penas, fazer ouvir sua voz lancinante e, tornando-se mesmo um ícone da luta pela igualdade da mulher, e publicar a lei n. 11.340, que, em seu art. 5º, “ para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano miral ou patrimonial”.
Desse documento legal duas coisas podem ser sublinhadas: a) a importância para a chamada à consideração, do conceito de gênero; b) o reducionismo da previsão de repressão á violência contra a mulher apenas no âmbito do lar ou da família e apenas as relacionadas ao gênero, excluindo-se as demais formas de violência, quando poder-se-ia aproveitar o ensejo para combater qualquer tipo de ato ou forma de violência conta a mulher. É muito pouco para ser tão intensamente festejado o diploma legal em comento. É preciso avançar e muito.

4. Considerações finais

Como não adianta apontar problemas sem sugerir ao menos algumas hipóteses de solução possíveis para esses mesmos problemas, atente-se, afinal, para a necessidade de: a) alteração do discurso jurídico a respeito das relações de g~enero, incluindo-se uma abordagem interdisciplinar; b) a busca de priorizar a igualdade material em detrimento da igualdade apenas formal, através de mecanismos de efetivação dos direitos; c) o reconhecimento da diferença como um direito: o direito à diferença; d) a instituição massiva de políticas de combate à discriminação negativa e o fomento da discriminação positiva pela via das ações afirmativas; e) a aplicação de métodos de vigilância, a exemplo do recurso de amparo dos espanhóis, que viabiliza o acesso direto de qualquer cidadão às Cortes Supremas dos Estados ( no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal), quando se tratar de violação de direitos humanos e fundamentais; f) ampla política de conscientização e de educação para os direitos humanos e fundamentais, inserindo-se nos conteúdos de todos os níveis, o tema da educação para os direitos e deveres.
Qualquer contribuição em termos de idéias, debates, congressos, sobre o tema das relações de gênero, será sempre altamente contributiva, desde que se avance de meros planos, idéias, projetos e discursos, jurídicos e extrajudíridos.

5. Referências

ABBAGNANNO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. Ilhéus-Ba: EDITUS, 2008
_____. Lições de teoria constitucional e de direito constitucional. Rio de janeiro: Renovar, 2009
BOLANDERAS, Margarita. Libertad y tolerância. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1993
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de janeiro: Renovar, 2001
JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Isonomia entre sexos no sistema jurídico nacional. São Paulo: RT, 1993
LOURO, G. Nas redes do conceito de gênero:. In: LOPES, MEYER E WALDROW (Orgs). Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 12-19
MINGOT, Tomás. La negación universal de los derechos humanos. In: La declaración universal de derechos humanos em su cincuenta aniversario: um estúdio interdisciplinar. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

CONTRA O MONISMO METODOLÓGICO KELSENIANO

Publicado: janeiro 25, 2012 em Artigo

José Reis Neto

1. INTRODUÇÃO
O método, apesar de ser elemento essencial na produção do conhecimento, não recebe a adequada atenção dos estudiosos do Direito, que, no mais das vezes, direcionam seus estudos a problemas de ordem prática (ADEODATO, 2007). Esta afirmação é referendada pela experiência pessoal do autor, que somente veio a enfrentar a questão após haver concluído toda a graduação.
Diante desta carência, a proposta do presente trabalho é realizar uma introdução ao problema do método, alertando para a importância do tema e fornecendo um panorama do estado atual da questão nos demais ramos do conhecimento, e de como algumas proposições de outras áreas podem ser úteis para o conhecimento jurídico.
Para desempenhar tal mister, parte-se da conceituação de método em geral, analisando posteriormente o método científico. Neste ponto, ressalta-se como o paradigma dominante de ciência vem monopolizando a produção do saber, e como este fenômeno produziu efeitos na ciência jurídica. A Teoria Pura do Direito é considerada como principal produto deste fenômeno.
Passe-se então para uma crítica a esta concepção estrita de conhecimento, propugnando uma abertura epistemológica e metodológica da ciência jurídica capaz de justificar a adoção do tudo vale de Paul Feyerabend (2007) ao Direito, com a finalidade de torná-lo mais adequado ao seu papel de realização de um projeto de sociedade (MACHADO, 1968).

2. O MÉTODO CIENTÍFICO
Conforme anota Leonidas Hegenberg ([19–], p. 115), método vem do grego méthodos, significando “caminho para chegar a um fim” , acrescentando o autor que esse caminho pode não haver sido “fixado de antemão de modo refletido e deliberado”.
A primeira conclusão óbvia a que leva a etimologia da palavra é que não será possível realizar nada – nem ciência nem a mais simples tarefa cotidiana – sem um método.
Igualmente óbvio é que o fim pretendido deve influenciar na escolha do caminho, e que muitas vezes a opção pelo caminho incorreto pode determinar o fracasso da jornada. A relação entre meios e fins é de co-determinação.
Nos meios científicos, método e metodologia são expressões de uso corrente, possuindo, a uma primeira vista, significação idêntica ao sentido ordinário visto acima. De fato, todas as considerações acima se aplicam ao método científico, o que justifica a posição central que a metodologia possui na epistemologia .
Uma análise mais acurada, contudo, demonstra que, ao longo da história, método científico é uma expressão que assimilou uma significação própria. A importância da história na significação de um conceito foi ressaltada por Hans-Georg Gadamer (2005), que cunhou a noção de “história efeitual”. De acordo com o referido pensador, a história incorpora elementos à forma como compreendemos, de modo que tais características incorporam-se ao conceito.
Pois bem, como o paradigma moderno – também denominado paradigma dominante (SANTOS, 2006) ou paradigma positivista – de ciência domina o imaginário científico já há muito tempo – apesar de estar recebendo críticas contundentes –, também seu método tornou-se hegemônico, de modo que as expressões “método científico” e “método moderno” tornaram-se equivalentes em muitos contextos.
A esta normalização do paradigma moderno (KUHN, 2007), soma-se o fato de ser este modelo totalitário, negando critério de cientificidade a outras formas de conhecimento (SANTOS, 2006), questões que serão aprofundadas na seqüência.
Essa situação produz, evidentemente, uma redução das possibilidades de produção de conhecimento (FEYERABEND, 2007). Havendo apenas uma técnica de investigação, tudo que estiver fora do alcance desta técnica específica deixará de ser percebido.
O problema adquire ainda mais relevância quando o conceito de ciência é definido em função do método, opção defendida pela imensa maioria dos adeptos do paradigma dominante.
A título de exemplo, Mario Bunge (1985, p. 19) afirma textualmente que conhecimento científico é aquele “obtenido mediante el método de la ciencia y [que] puede volver a someterse a prueba, enriquecerse y, llegado el caso, superarse mediante el mismo método”.
Karl Popper (2004, p. 16), de modo semelhante, afirma que “a assim chamada objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico”, conferindo desta forma ao método o papel de separar o que seria puro arbítrio e subjetividade do conhecimento científico .
Com isso, além da importância instrumental já destacada, o método em ciência exerce uma função de legitimação científica do conhecimento produzido, ao menos para a concepção científica majoritária.
Delineada a apropriação do método científico pelo paradigma dominante, cumpre examinar quais as características deste modelo, e quais os reflexos desta situação na metodologia científica em geral, e no Direito em particular.

3. ESBOÇO DO MÉTODO CIENTÍFICO NO PARADIGMA DOMINANTE
Muito já se falou aqui sobre “paradigma”, e é adequada sua identificação vulgar com a noção de “modelo”. Mas para uma maior precisão conceitual, adequando o conceito ao uso mais específico que dele se faz no nesse trabalho, adotar-se-á a definição cunhada por Thomas S. Kuhn (2007, p. 13), segundo a qual “paradigmas” são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
O conceito de “paradigma” liga-se intrinsecamente ao de “ciência normal”, entendida esta como “a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações cientificas passadas” (KUHN, 2007, p. 29), ou seja, assentada num determinado modelo, o qual pretende aperfeiçoar e aprofundar (KUHN, 2007).
Nesse passo, cumpre trazer a advertência feita por Paul Feyerabend (2007) de que não existe um paradigma único de ciência, mas vários modelos diferentes arbitrariamente considerados como um único. A despeito de ser verdadeira esta afirmação, existem algumas características mais ou menos comuns às ciências produzidas em consonância com o modelo científico moderno/dominante, que será considerado uniforme para fins didáticos.
Feita esta ressalva, passar-se-á ao delineamento do modelo dominante, utilizando-se para esse mister principalmente as lições de Boaventura de Souza Santos (2006).
Sustenta o sociólogo português que o modelo epistemológico ainda majoritário é oriundo da Era Moderna, sofrendo poucas modificações ao longo da história . Trata-se de um “modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas” (SANTOS, 2006, p. 21).
Entre os referidos princípios epistemológicos está a primazia das explicações causais (SANTOS, 2006, p. 09), que aspiram “à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vistas a prever o comportamento futuro dos fenómenos”, supostamente invariável no tempo e no espaço (SANTOS, 2006, p. 29). Com isso, objetiva-se o controle sobre a natureza (SANTOS, 2006, p. 25), em lugar da compreensão dos fenômenos.
Para a produção deste conhecimento, o método defendido é a “observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenómenos naturais” (SANTOS, 2006, p. 25).
A matemática ocupa, neste contexto, posição central, de onde derivam duas conseqüências principais: a) “conhecer significa quantificar” (SANTOS, 2006, p. 27), preterindo-se as qualidades intrínsecas dos objetos em favor dos padrões de aferição; b) “o método científico resulta na redução da complexidade” (SANTOS, 2006, p. 28) do objeto de estudo, ou seja, de sua divisão em partes menores.
Também se deve destacar a importância das dicotomias nesta lógica de redução de complexidade, isolando-se os diversos elementos integrantes de uma realidade ou fenômeno em compartimentos estanques (conhecimento científico X senso comum; natureza X pessoa humana; etc.) (SANTOS, 2006).
Há apenas duas formas de produção de conhecimento em consonância com estes postulados: “as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo o modelo mecanicista das ciências naturais” (SANTOS, 2006, p. 33), conclusão que relega as ciências sociais a uma posição marginal.

3.1. RAZÕES PARA O PREDOMÍNIO DESTE MODELO
O predomínio desta concepção de ciência não possui razões transcendentais ou uma justificação lógica insofismável. Decorre, em verdade, de ser ele o que melhor atende aos ideais das classes que ocupam a centralidade do processo de globalização cultural, ou seja, os Estados capitalistas ocidentais desenvolvidos, sendo impostos por eles aos demais países (FEYERABEND, 2007) .
Afinal, com a consolidação do Estado burguês, uma visão utilitarista e acrítica das ciências era desejada pela classe dominante, e acabou por se tornar o ideal científico deste modelo de organização social (SANTOS, 2006). O objetivo que se tem com as ciências é de controle da natureza (SANTOS, 2006), e o paradigma dominante tem sido o mais eficiente para tanto, inclusive no que tange à produção de armas (FEYERABEND, 2007).
O predomínio desta forma de produção de saberes também se justifica por haver a ciência moderna se tornado o que Thomas Kuhn (2007, p. 29) chama de “ciência normal”, ou seja, é o modelo que, em regra, os novos cientistas aprendem, muitas vezes sem maiores questionamentos de ordem epistemológica. A produção científica restringe-se ao desenvolvimento das questões já levantadas pelos precursores, contribuindo para uma estabilização (KUHN, 2007).

4. A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DOMINANTE NO DIREITO. A TEORIA “PURA” DE KELSEN
Conforme exposto acima, o paradigma de ciência dominante no Estado burguês é totalitário, e recusa o status de cientificidade aos conhecimentos que não se enquadrarem como lógica matemática ou ciência empírica.
Confrontadas com este problema, as ciências sociais em geral dividiram-se, entre as que preferiram buscar um estatuto epistemológico próprio e outros que tentaram adequar-se a este modelo (SANTOS, 2006).
Dentre os cientistas sociais que optaram por enquadrar-se ao estatuto epistemológico e metodológico dominante, a imensa maioria entendeu que as ciências sociais deveriam adotar uma postura empírica (SANTOS, 2006, p. 33), inserindo-se nesta escola Émile Durkheim (2007), “considerado um dos pais da sociologia moderna” (WIKIPEDIA, 2007).
Na Ciência do Direito, no entanto, os que aderiram aos postulados do paradigma científico dominante preferiram realizar uma ciência mais próxima da lógica e da matemática, ficando conhecidos pela alcunha genérica de positivistas.
Conforme anota António Menezes Cordeiro (2002), diante da elaboração do Código Civil alemão e da pressão do modelo positivista naturalista de ciência – que chamamos paradigma dominante –, o Direito tentou transformar-se numa “especulação idealista transcendental”, de matriz kantiana, preocupado com o desenvolvimento de formas idealmente aplicáveis a qualquer conteúdo.
O retrocitado autor salienta que:
O formalismo e o positivismo, apresentados, respectivamente, como o predomínio de estruturas gnoseológicas de tipo neo-kantiano e como a recusa, na Ciência do Direito, de considerações não estritamente jurídico-positivas, constituem o grande lastro metodológico do século vinte.[…]
Este lastro, a sua apreciação crítica e as subseqüentes tentativas de superação condicionam todo o pensamento jurídico deste final de século. (2002, p. XV-XVI).
De todos os juristas que enveredaram por este caminho, o que angariou mais respeito e exerce maior influência sobre o pensamento jurídico brasileiro é Hans Kelsen, autor da Teoria Pura do Direito.
Kelsen reconhece sua filiação positivista, assumindo que seu objetivo era criar uma teoria “purificada de toda ideologia política e de todos os elementos de ciência natural”, de modo a atingir o “ideal de toda ciência: objetividade e exatidão” (2006, p. XI). O autor também corrobora a afirmação que abre este parágrafo ao pugnar por “uma ciência objetiva que se limita a descrever o seu objeto” (p. XVIII) (modelo representacional de verdade).
Não fossem suficientes os argumentos anteriores, Hans Kelsen afirmou, no prefácio à primeira edição de sua teoria pura, que as ciências sociais encontravam-se em estágio pouco evoluído se comparadas às ciências naturais (2006, p. XIV), afirmação que justifica sua opção epistemológica pela utilização do paradigma moderno de ciência, fundando-se na utilização de modelos lógicos.
Para alcançar seus objetivos, a teoria pura do direito defende “princípios de pureza metodológica do conhecimento jurídico-científico” (KELSEN, 2006, p. XVII), como não poderia deixar de ser. É nessa esteira que inicia sua obra com uma redução de complexidade: “a Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo” (KELSEN, 2006, p. 1).
A identificação do direito à norma , com a conseqüente exclusão de todos os demais elementos porventura identificados com o fenômeno jurídico (valores, fatos sociais etc.) é o que garante a pureza para Hans Kelsen, configurando, nas palavras daquele autor, o “princípio metodológico fundamental” (2006, p. 01) de sua teoria.
Não se imagine, com isso, que o jusfilósofo vienense ignorava a conexão da Ciência do Direito com outros ramos do saber, como psicologia, ética e teoria política. Algo tão evidente não escaparia a alguém com a capacidade intelectual de Kelsen, e esta afirmação é por ele feita expressamente (2006, p. 01-02).
Mas o paradigma de ciência moderna, ao qual este jusfilósofo adere, parte da rígida compartimentalização de saberes, e a assimilação de elementos “estranhos” ao direito (ou seja, tudo aquilo que não for norma) redundaria num “sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto” (KELSEN, 2006, p. 01).
O método utilizado é lógico-formal normativo – não causal, já que não se trabalha com “o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais” (KELSEN, 2006, p. 84) –. Os textos legais devem ser examinados para deles serem retiradas as normas, descritas sob “uma fórmula geral […]: sob determinados pressupostos, fixados, pela ordem jurídica, deve efetivar-se um ato de coerção, pela mesma ordem jurídica estabelecida” (KELSEN, 2006, p. 86). Ou, por outras palavras, a proposição jurídica deve adequar-se à forma “quando A é, B deve ser” (KELSEN, 2006, p. 87).
A atividade do cientista do Direito, sob a perspectiva kelseniana, significa extrair dos textos as normas. E organizar as diversas normas que compõem um ordenamento jurídico de modo a formar um sistema jurídico , em que as normas se inter-relacionam por derivação e fundamentação (KELSEN, 2006).
A decisão jurídica e a aplicação do direito são trabalhadas apenas no último capítulo da Teoria Pura do Direito, oportunidade em que Hans Kelsen permanece fiel aos seus princípios metodológicos: a norma aplicável deve ser a norma válida – fundamentada em norma hierarquicamente superior até a norma hipótetica fundamental –, independentemente do seu conteúdo.
Mas o ordenamento jurídico sempre deixa – de forma intencional ou não – uma margem de indeterminação (KELSEN, 2006, p. 388) a ser preenchida pelo executor, podendo, inclusive, oferecer mais de uma solução. A solução apresentada para esta questão segue a lógica positivista: o Direito chega até a descrição das soluções possíveis, sendo a opção por uma delas um ato de puro arbítrio, a ser examinado por outros ramos do saber (KELSEN, 2006).
Percebe-se que o grande defeito da Teoria Pura do Direito é transformar a Ciência do Direito numa disciplina lógica-formal, excluindo sua natureza de Ciência Social, e mais ainda sua qualidade de Ciência Social Aplicada . O uso do direito deixa de ocupar os juristas, passando à responsabilidade de políticos, sociólogos, psicólogos e outros cientistas. Àqueles resta apenas a sistematização.
Mas, então, porque prevalece este paradigma até o presente momento, ao menos numa perspectiva teórica? A resposta parece evidente, e já foi enunciada: a Teoria Pura permite que o Direito seja considerado uma ciência, de acordo com a concepção ainda dominante que se possui deste conceito. Claro, uma ciência de abrangência restrita, e talvez exatamente por isso uma ciência.

5. CRÍTICA À UTILIZAÇÃO DO PARADIGMA DOMINANTE NO DIREITO
Espera-se que neste ponto já esteja assentada a noção de insuficiência da Teoria Pura do Direito para a prática jurídica, defeito reconhecido pelo fundador desta escola (KELSEN, 2006) – que não via nisso um defeito –, bem como a principal função desta teoria: legitimar o conhecimento jurídico como científico, dentro da concepção fechada do paradigma moderno.
Neste tópico, espera-se demonstrar que este sacrifício, mais que excessivo, é injustificado.
Afinal, o modelo da ciência moderna é o único capaz de produzir um conhecimento absolutamente verdadeiro? A resposta negativa se impõe, porque: a) existem conhecimentos não-científicos; b) existem conhecimentos científicos produzidos fora do paradigma moderno (conquanto os adeptos do modelo dominante possam negar-lhes cientificidade); c) o método moderno não consegue produzir verdades absolutas.
Como já anotado (tópico III), o paradigma moderno trabalha com dicotomias e separações de saberes (SANTOS, 2006). Assim é que pugna por duas formas de conhecimento: conhecimento científico e conhecimento ordinário, que denominaremos senso comum .
Este último é posto numa posição de inferioridade (GADAMER, 2005) , mesmo quando é suficiente às necessidades humanas (FEYERABEND, 2007). Afinal, o modelo de saber implica a descrição do funcionamento por meio de leis, para fins de domínio sobre o objeto estudado (SANTOS, 2006).
Além disso, Paul Feyerabend (2007, p. 13) lembra que:
[…] não há apenas uma entidade chamada ‘ciência’, com princípios claramente definidos, mas […] a ciência compreende grande variedade de abordagens […] e que mesmo uma ciência particular como a física não passa de uma coleção dispersa de assuntos, […] cada um deles contendo tendência contrárias […].
Sobre a impossibilidade de produção de uma verdade absoluta por meio do método empírico, pode-se citar a crítica de Karl Popper, lembrada por Leônidas Hegenberg ([19–], p. 125-126). Segundo este, do ponto de vista lógico, por mais vezes que se verifique o fato não é possível atingir uma generalização, servindo a observação experimental apenas para falsear uma conclusão equivocada.
Boaventura de Souza Santos também expõe as fragilidades do paradigma dominante, sendo salutar, neste ponto, a menção ao pensamento de Gödel, que provou que “mesmo seguindo à risca as regras da lógica matemática, é possível formular proposições indecidíveis, proposições que não podem demonstrar nem refutar” (SANTOS, 2006, p. 45).
6. PROPOSTAS PARA UM NOVO PARADIGMA METODOLÓGICO: O TUDO VALE
Retomando as idéias expostas no princípio deste trabalho, o método é um caminho para se chegar a um fim. Portanto, antes de definir como chegar, é preciso escolher o destino.
Boaventura de Souza Santos (2006, p. 60) afirma que o objetivo de toda ciência deve ser a produção de “um conhecimento prudente para uma vida decente”, ou seja, “não pode ser apenas uma paradigma científico […], tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente).”
Se esta proposta pode causar celeuma entre lógicos e cientistas naturais, em Direito pode-se adotar este parâmetro de modo muito mais tranqüilo. De fato, entendendo-se que o paradigma científico da modernidade não pode monopolizar a produção do conhecimento, a Ciência do Direito deve abandonar as pretensões de pureza e objetividade, para abarcar de maneira mais ampla possível todos os elementos relativos à elaboração e implementação de um projeto de sociedade , este sim seu objetivo.
Evidentemente, isto implica um intercâmbio com diversos ramos do saber, o que deve ser incentivado. Boaventura de Souza Santos adverte acerca do artificialismo das sucessivas divisões operadas pelos positivistas, propondo que o conhecimento se estruture em torno de problemas, utilizando-se todos os conhecimentos disponíveis no enfrentamento destas questões (SANTOS, 2006).
No entanto, não há um único método que permita a consecução de todos os objetivos que possui o Direito. A solução para este problema é simples, quando se abandona os postulados epistemológicos/ideológicos positivistas de pureza: tudo vale nesta matéria (FEYERABEND, 2007).
De fato, a única justificativa para a unicidade das técnicas aplicáveis é de ordem ideológica, ou seja, decorrem da adoção de um paradigma restritivo em matéria de possibilidades científicas.
Dizer, contudo, que qualquer método é válido não significa falta de seriedade na condução da produção do conhecimento. Escolhido como mais eficiente o método estatístico, por exemplo, o tratamento do levantamento e análise de dados deve possuir todo o rigor possível.
Além da função instrumental, sem dúvida melhor atendida pela pluralidade metodológica, não se pode olvidar que o método também possui uma importante função na aceitação que os resultados de um estudo receberão.
Se os métodos escolhidos forem aceitos como adequados, não haverá problemas. Na hipótese contrária, a legitimação do conhecimento produzido poderá se dar pelos resultados, em lugar de fundar-se no procedimento.
Esta concepção pluralista permite, ainda, a reunião de diversas teorias do direito, inclusive a Teoria Pura, que oferece importantes critérios para a sistematização das normas, circunstância que favorece a solução de problemas. Da mesma forma a Tópica Jurídica pode ser utilizada, para oferecer soluções para as lacunas que não podem ser enquadradas no sistema (CORDEIRO, 2002, p. LI), e assim com todas as outras concepções epistemológicas que se mostrem úteis ao enfrentamento de um problema posto à apreciação.

7. CONCLUSÕES
À guisa de conclusão, pode-se lembrar que toda atividade exige um método, que deve ser escolhida em função do objetivo do cientista e exercerá influência sobre as conclusões a que se chegará. O método científico possui, ainda, a função de possibilitar a aceitação de resultados pela comunidade científica.
Se é certo que a importância do método exige que todo cientista lhe dedique atenção, também é que não há nenhum método capaz de produzir um conhecimento absoluto. As teorias da ciência que dizem o contrário baseiam-se em elementos ideológicos.
O Direito possui um objeto muito maior que a simples sistematização de normas: incluem-se no seu âmbito de abrangência a elaboração e execução de projetos de mundo (MACHADO, 1948).
Para isso, todos os instrumentos disponíveis devem ser utilizados, e o conhecimento que não puder ser legitimado pelo procedimento pode muito bem ser admitido e aplicado em virtude dos resultados que proporcionam.

8. REFERÊNCIAS
ADEODATO, João Maurício. Bases para uma metodologia da pesquisa em direito. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2007.
BUNGE, Mario. La investigación científica: su estrategia y su filosofía. Tradução Manuel Sacristán. Barcelona: Ariel Methodos, 1985.
CENTRO ESPÍRITA ISMAEL. Dicionário de filosofia. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2007.
CORDEIRO, António Menezes. Introdução à edição portuguesa. In: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FEYERABEND, Paul K. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. São Paulo: UNESP, 2007.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Flávio Paulo Meurer. 7. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2005.
HEGENBERG, Leônidas. Método científico. In: ______. Etapas da investigação científica. [S.I.: s.n.], [19–].
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 1. reimp. da 9. ed. de 2006. São Paulo: Perspectiva, 2007.
MACHADO NETO, Antônio Luís. La teoría egológica. In: ______. Fundamentación egológica de la teoría general del derecho. [S.I.: s.n.], [entre 1965 e 1977].
MACHADO, J. Baptista. Prefácio do tradutor. In: ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968.
OSUNA FERNÁNDEZ-LARGO, Antonio. Hermenéutica jurídica: en torno a la hermenéutica jurídica de Hans-Georg Gadamer. Valladolid: Secretariado de publicaciones – Universidad D. L., 1992.
POPPER, Karl. Lógica das ciências sociais. Tradução Estevão de Rezende Martins. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.
ROBLES, Gregório. El derecho como texto. [S.I.:s.n.], [19–].
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
WIKIPEDIA. Émile Durkheim (verbete). Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2007.

DR. HOUSE E A METODOLOGIA DA PESQUISA

Publicado: janeiro 17, 2012 em Artigo


REBECCA CERQUEIRA ROCHA
THAIS MARQUES DE MENDONÇA
THIAGO ANTON ALBAN

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é realizar uma análise do seriado de televisão intitulado “House”, também conhecido como “Dr. House”, por meio de uma abordagem calcada na Metodologia da Pesquisa.
Primeiramente, é importante salientar que não foram analisados todos os episódios do mencionado seriado, mas apenas uma pequena amostragem, consistente em alguns episódios da 1ª Temporada . Esta opção se deu em virtude do tempo que foi disponibilizado para a pesquisa, da complexidade da obra a ser redigida (artigo científico) e da relevância dos episódios para o que se propôs analisar.
Contudo, a redução do objeto de análise a alguns episódios não compromete a ideia a ser desenvolvida, pois, em House, nota-se que há uma lógica que se repete em praticamente todos os episódios, a qual será analisada com mais detalhes em um momento posterior. Dessa forma, o corte havido não prejudica a conclusão, posto que a amostragem selecionada é suficiente para fundamentar a conclusão deste trabalho.
A metodologia adotada foi a seguinte: primeiramente, assistiu-se a cada um dos episódios aqui tratados. A seguir, buscou-se associar cada um dos episódios com alguns dos principais autores relacionados com a área da Metodologia da Pesquisa, de maneira que eles fossem relidos à luz de um olhar científico, e não de um olhar com fins de entretenimento. Por fim, buscou-se demonstrar essa relação no presente trabalho escrito.
Em um primeiro momento, falar-se-á, em breve síntese, sobre a série “House”, de maneira a situar o leitor sobre o objeto estudado. Em seguida, será desenvolvido o objetivo deste trabalho, relacionando-se a série “House” com alguns autores da área da Metodologia da Pesquisa. Por fim, será oferecida uma breve conclusão.

2 SOBRE O SERIADO “HOUSE”

“House”, ou “Dr. House”, é um seriado de televisão, de autoria de David Shore e Paul Attanasio, produzido nos Estados Unidos da América. O seriado é categorizado como “drama médico”, a exemplo de “ER ” e de “Grey´s Anatomy”.
O seriado gira em torno do irreverente médico Gregory House, interpretado pelo ator Hugh Laurie, famoso por conseguir diagnosticar com precisão casos clínicos que nenhum outro médico conseguiu identificar. A irreverência se dá em virtude do temperamento do protagonista, que não se relaciona bem com as pessoas, tratando-as comumente de forma ríspida – muito embora adote um tipo de rispidez que beira o cômico, e não o agressivo. Apesar disso, pessoas de todo o país viajam em busca de uma chance de consultar-se com o médico, cuja fama lhe rende um emprego no hospital sem que precise trabalhar tanto como os demais médicos, reservando-se a atuar apenas nos casos que lhe interessam.
House lidera uma equipe composta por três outros médicos relativamente jovens (Eric Foreman, Robert Chase e Allison Cameron), além de contar com o apoio de alguns outros que também o auxiliam na trama, muito embora não de maneira constante (James Wilson e Lisa Cuddy). O cenário é o hospital fictício “Princeton Plainsboro Teaching Hospital”, situado no estado de Nova Jersey. Posteriormente, surgem as figuras dos médicos Chris Taub, Lawrence Kutner e Remy Hadley.
O seriado relata o dia-a-dia do protagonista e de sua equipe na tentativa de diagnosticar situações clínicas de pacientes que aparecem no hospital. Cada episódio traz uma doença ou uma situação médica diferente, não existindo dependência entre eles (o seriado não adota uma narrativa cronológica). A missão de House e de sua equipe é descobrir o mal que inflige o paciente e prescrever o tratamento adequado.

3 “HOUSE” – UMA ANÁLISE METODOLÓGICA

O seriado “House” pode ser analisado sob uma perspectiva calcada na Metodologia da Pesquisa. Neste capítulo, procurar-se-á demonstrar o porquê.
Como dito no capítulo anterior, o seriado gira em torno do dia-a-dia do médico Gregory House e de sua equipe na tentativa de diagnosticar casos clínicos que ainda não foram solucionados. Quando todos os outros médicos falham, entra em cena House e sua expertise, o qual, ao final dos episódios, sempre consegue solucionar o caso, ainda que, em algumas raras situações, ocorra a morte de pacientes que padecem do mesmo caso clínico retratado no episódio antes que ele consiga solucionar a tempo a questão.

3.1 A metodologia objetiva de “House”

A primeira mensagem que o seriado parece querer passar é a do estereótipo do médico distante do paciente, frio, axiologicamente neutro, que trata as pessoas apenas como objetos de estudo e de diagnóstico. Nessa senda, os primeiros episódios da série buscam reforçar bem essa ideia, apresentando um Dr. House extremamente objetivo, calculista e desinteressado na vida de seus pacientes.
A postura inicial de House é, portanto, aquela retratada pela metodologia médica naturalística, ou seja, a postura do médico que deve se distanciar do paciente (objeto de estudo) por receio de que um eventual contato mais íntimo com a realidade e as circunstâncias pessoais deste possa vir a influenciar o seu trabalho e o seu diagnóstico.
Nessa senda, o seriado parece defender a ideia de que a função do médico é a de simplesmente curar o paciente, e não de tecer relações com ele, o que aproxima a obra dos autores René Descartes, Francis Bacon, Mario Bunge, Émile Durkheim e, de certa forma, Paul Ricoeur.
Tal assertiva se torna ainda mais nítida quando o próprio Dr. House afirma, já no primeiro episódio da trama, ao ser indagado por um colega que ingressara recentemente na profissão com a seguinte pergunta: “Não é para tratar dos pacientes que nos formamos médicos?”, responde da seguinte maneira: “Não, é para tratar de doenças que nos formamos médicos… o lado humano está superestimado”; ou, no segundo episódio, quando chega a afirmar que “90% das vezes não há razão para se falar com o paciente”; ou, ainda, no terceiro episódio, quando, ao ser indagado pela família de um paciente do qual estava tratando (mas que ainda não tinha conhecido pessoalmente) sobre como era possível tratar de alguém sem nem ao menos conhecê-lo, responde: “É fácil, se não se dá a mínima para o paciente… mas isso é uma coisa boa, porque emoções fazem você agir irracionalmente… é por isso que temos essa boa divisão de trabalho: vocês seguram a mão dele, eu o curo”.
A relação com o pensamento de René Descartes pode ser explicada porque este autor defende, em suas obras “Discurso do Método” e “Regras para a Direção do Espírito”, que a ciência deve seguir os métodos naturalísticos, ou seja, que a abordagem científica deve partir da abordagem calcada nas ciências da natureza, como a física, matemática, química etc. para que o investigador consiga analisar o seu objeto da maneira mais “natural” possível, sem qualquer tipo de influência pessoal ou desvio intelectual. Dessa forma, apenas a análise objetiva, “desinteressada”, é permitida – se assim não for, o que se faz não é ciência, mas um tipo de investigação inferior, que não merece o status científico, este somente atribuído aos meios de investigação calcados na naturalística.
Segundo o autor:
[…] em lugar dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas, é possível encontrar-se uma outra prática mediante a qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão claramente como conhecemos os vários ofícios de nossos artífices, poderíamos utilizá-los da mesma forma em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como senhores e possuidores da natureza (DESCARTES, s/d, p.35).
A relação com o pensamento de Francis Bacon decorre do fato de que este autor buscou defender uma nova maneira de observar os fenômenos naturais, não mais com base no raciocínio silogístico (dedutivo), mas, sim, com base no raciocínio indutivo , que é exatamente o método adotado por House na tentativa de diagnosticar os casos clínicos apresentados a ele.
Com base na observação e na experimentação direcionadas ao paciente, House dá um passo de cada vez até chegar ao diagnóstico final, passando por vários diagnósticos temporários os quais busca confirmar. Ocorre que, por muitas vezes, o diagnóstico temporário de House é falho. Em diversas ocasiões, ele possui algumas opções de medicamentos a administrar, cada qual aplicável a uma hipótese de doença. House, então, escolhe qual das diversas possibilidades de tratamento irá aplicar ao paciente , e, ao ver que de nada adiantou o tratamento escolhido, retira-o de sua lista e resolve adotar outro, o que caracteriza o raciocínio indutivo, baseado na experimentação empírica.
Para tanto, House busca adotar sempre uma relação distante do paciente, o que pode ser associado, também, com a noção de ídolos desenvolvida por Francis Bacon, na medida em que o autor defende que o investigador deve estar atento às falsas noções que permeiam o objeto para que não cometa erros em sua abordagem. Na medida em que House, ainda que acredite piamente que o diagnóstico seja “x”, resolve, para ter certeza, ministrar outros tratamentos possíveis, ele revela a sua preocupação em não ser levado pela falsa concepção de que estaria certo, quando, em verdade, estava equivocado, o que se aproxima da concepção de ídolos de Francis Bacon, sobretudo os ídolos das tribos, que remetem às deficiências do próprio espírito humano e da falsa noção do verdadeiro baseada em considerações pessoais.
Nas palavras do autor:
O intelecto humano, quando assente em uma convicção (ou por já bem aceita e acreditada ou porque o agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo (BACON, s/d, p.16).
A relação com a obra de Mario Bunge também decorre da ideia retro mencionada, pois este autor defende que cada tipo de problema requer técnicas e métodos específicos para que seja solucionado; ou seja, dentro do método científico geral, existiriam diversos outros métodos específicos, dirigidos cada qual a um problema em específico. Dessa forma, o fato de Dr. House possuir uma série de tratamentos e medicamentos diferentes a administrar nos seus pacientes, a depender do diagnóstico, aproxima-se da noção de Mario Bunge no que diz respeito à multiplicidade metodológica. Nas palavras do autor:
Un método es un procedimiento para tratar un conjunto de problemas. Cada clase de problemas requiere un conjunto de métodos o técnicas especiales. Los problemas del conocimiento, a diferencia de los del lenguaje o los de la acción, requieren la invención o la aplicación de procedimientos especiales adecuados para los varios estadios del tratamiento de los problemas, desde el mero enunciado de éstos hasta el control de las soluciones propuestas. Ejemplos de tales métodos especiales (o técnicas especiales) de la ciencia son la triangulación (para la medición de grandes distancias) o el registro y análisis de radiaciones cerebrales (para la objetivación de estados del cerebro) (BUNGE, 1989, p.5-6)
A atitude de House também pode ser relacionada com a obra de Émile Durkheim, uma vez que este autor, integrante do chamado positivismo sociológico, defende o afastamento do sujeito de seu objeto, ou seja, defende que o investigador não trave qualquer tipo de relação com o objeto, negando veementemente a importância da pré-compreensão, por entender que é possível haver a neutralidade axiológica.
Dessa forma, ao pregar que a abordagem científica deve ser geral, neutra e objetiva, o pensamento de Émile Durkheim aproxima-se da atitude de House no momento em que este também prega um afastamento dos pacientes, em prol de um diagnóstico objetivo, não influenciado por suas valorações pessoais. Nas palavras do sociólogo:
[…] os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas […]É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. Se essa exterioridade for apenas aparente, a ilusão se dissipará à medida que a ciência avançar e veremos, por assim dizer, o de fora entrar no de dentro. Mas a solução não pode ser preconcebida e, mesmo que eles não tivessem afinal todos os caracteres intrínsecos da coisa, deve-se primeiro tratá-los como se os tivessem. Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção” (DURKHEIM, 2006, p.9).
A relação com a obra de Paul Ricoeur (1978) pode ser feita porque o autor chama a atenção para o fato de que o estruturalismo pode vir a passar ideias equivocadas sobre o significado de uma palavra, com base em ideais dominantes e em pretensas verdades sociais que podem não se verificar exatamente na prática (ou seja, com base em uma equivocada cultura popular sobre um determinado assunto).
Nessa senda, o seriado parece querer emitir a mensagem de que o termo “médico” é sinônimo de frieza, ou seja, é sinônimo de um profissional que trata os pacientes “secamente”, em prol da objetividade científica. Ocorre que essa noção do médico pode estar equivocada – a sua estrutura simbólica, portanto, merece ser revista, pois hoje a profissão médica está sendo reavaliada para que o profissional se aproxime do paciente, em um processo gradual de humanização. Veja-se, por exemplo, o projeto de substituição dos hospitais psiquiátricos, os ditos manicômios, por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os quais têm a proposta de desenvolver um trabalho mais socializador com o paciente, submetendo-o aos poucos ao convívio social, e não o trancando em salas fechadas.
Dessa forma, como, em House, existe este processo de humanização, que será tratado a seguir, a obra de Paul Ricoeur é relevante para que se possa fundamentar a desconstrução da noção do médico como um profissional tão “frio” como os hospitais nos quais trabalha, rumo a uma releitura da profissão, em moldes semelhantes (mutatis mutandis) àquilo que Jacques Derrida (1995) sugere com a sua filosofia desconstrutiva .

3.2 A importância do subjetivo

Como visto, o seriado parte do pressuposto de que a Medicina é composta por profissionais “frios” e objetivos, que não desejam travar qualquer tipo de relação com o paciente que não a relação médica.
Todavia, muito embora o seriado busque demonstrar a ideia de que a Medicina é uma ciência objetiva, na qual o médico deve tratar de doenças (e não de pacientes, na visão de House) de maneira impessoal e axiologicamente neutra, o que pode ser observado no desenrolar da trama de cada episódio do seriado é que há um crescente processo de humanização e de socialização do médico com o paciente e com a família deste para que seja possível a ele desvendar o caso clínico.
Como dito anteriormente, Dr. House, excêntrico e famoso profissional, tem algumas regalias no hospital onde trabalha. Uma dessas regalias é a de não ter que atender ninguém nos consultórios, como clínico, reservando-se para trabalhar apenas nos casos que sejam de seu interesse .
Contudo, em algumas situações ele é “forçado” a trabalhar nos consultórios por sua superiora, a diretora do hospital Lisa Cuddy (que posteriormente virá a se tornar a sua namorada), sobretudo para pagar débitos pendentes. Nessas ocasiões, em que há uma quebra com a narrativa principal do episódio, Dr. House aparece diagnosticando alguns casos de pouca importância.
Em todos esses casos secundários, House adota a postura de médico “frio” e objetivo, pois, segundo ele, não se deve nunca acreditar no que os pacientes dizem, pois eles sempre mentem. Assim, ele procura sempre diagnosticar com base em percepções visuais (manchas na pele, jeito de andar do paciente, estado dos cabelos etc.), além das abordagens tradicionais (tomada de pressão e batimentos cardíacos, análise da retina etc.).
Dessa forma, ao duvidar sempre do sujeito “paciente”, desvalorizando o que este tem a dizer e pautando-se apenas na observação empírica objetiva, a postura científica de House como um médico “positivista”, por assim dizer, é reforçada nos casos secundários, nos quais é evidenciada a capacidade do médico de formular diagnósticos com um simples olhar, gastando-se apenas segundos de seu tempo para descobrir doenças que médicos ditos “normais” levariam algumas semanas para descobrir.
Contudo, nos casos principais, que se desenvolvem por todo o episódio , e não em apenas alguns minutos, como ocorre com os casos secundários, há uma quebra com a figura do médico objetivo e calculista.
Em cada episódio do seriado há um caso principal e alguns casos secundários, geralmente em número de dois ou três. Na trama principal, alguém tenta convencer House de que o caso merece a sua atenção especial, o que muitas vezes é resistido pelo médico em um primeiro momento. Depois de manifestado o seu interesse, em virtude de alguma circunstância peculiar, House surge com algumas hipóteses de doenças que supostamente o paciente poderia ter. Munido dessas hipóteses (ainda não confirmadas), o protagonista reúne a sua equipe em uma sala com um quadro-negro, no qual lista todas elas e acrescenta as ideias de seus colegas.
Nesse momento, pode ser feita uma relação com a obra de Carlos Cossio, mutatis mutantis (da área jurídica para a área médica), posto que, segundo o autor, o juiz recorre a diversos métodos de interpretação para alcançar o significado da lei que irá aplicar. Assim, na medida em que o autor afirma (COSSIO, 1954, p.1) que, na situação de cada método de interpretação diferente resultar em uma significação diferente da norma, deve-se tentar eleger um critério capaz de fundamentar a escolha de um método apenas, e não dos outros, há uma relação com o que ocorre no quadro-negro de House, posto que, neste momento, existem múltiplos métodos diversos (múltiplos tratamentos possíveis), aplicáveis a variadas hipóteses de doenças (hipóteses normativas), dentro dos quais deve ser escolhido um para sanar o problema, em detrimento dos outros.
Ademais, também pode ser feita uma relação com a ideia de redução eidética (ou fenomenológica) de Edmund Husserl, ainda que grosso modo, posto que, neste momento inicial, no qual o médico e sua equipe apenas colocam no quadro-negro as doenças possíveis aplicáveis ao caso do paciente, sem que sequer tenham ainda visto o paciente, mas apenas o seu prontuário preliminar, está-se excluindo qualquer influência externa à análise do caso, por meio da ideia grega da epoché de que fala Husserl. Assim, nesse momento, tem-se apenas a ideia de doença, ideia essa que é suspensa no tempo e no espaço (na sala reservada de House), livre de qualquer tipo de “perturbações do mundo real”, pois ainda não se sabe de qual doença se trata, de que tipo, qual o tratamento, por que o paciente está doente, e, até mesmo, quem é o paciente, e nem isso é indagado por ninguém.
Nas palavras do filósofo:
Se observamos as normas prescritas pelas reduções fenomenológicas, se colocamos todas as transcendências fora de circuito, exatamente como elas requerem, se, portanto, tomamos os vividos puramente em sua essência própria, então se abre para nós, segundo tudo o que foi apresentado, um campo de conhecimentos eidéticos (HUSSERL, 2006, p.143) (grifos acrescentados).
Prossegue-se. A partir da lista posta no quadro-negro, Dr. House e seus colegas vão tentar eliminar, uma a uma, as alternativas de doenças ali elencadas, para que reste apenas uma única resposta possível , o que também reforça a ideia metodológica objetiva, calcada no paradigma racional da unicausalidade e do terceiro excluído.
Nesse aspecto, há uma aproximação com a obra de Karl Popper, pois, ao buscar eliminar, uma a uma, as hipóteses que coloca no quadro-negro, House busca, em verdade, testar cada uma delas, com o intuito de, falseando as demais, ou seja, refutando as que não conseguem responder ao problema posto “qual o diagnóstico do paciente?”, reste apenas uma capaz de solucionar adequadamente o impasse, naquele momento, visto que essa solução também será passível de falseamento, pois, para Popper, todas as respostas são temporárias – a ciência está em constante desenvolvimento e progresso, e a ignorância e o falseamento, longe de serem um aspecto negativo, são os motores para tanto:
Sexta tese: a) O método das ciências sociais, como aquele das ciências naturais, consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas; os problemas com os quais iniciam-se nossas investigações e aqueles que surgem durante a investigação […] b) Se a solução tentada está aberta a críticas pertinentes, então tentamos refutá-la; pois toda crítica consiste em tentativas de refutação. c) Se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos outra tentativa. d) Se ela resiste à crítica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos, acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além. e) Portanto, o método da ciência consiste em tentativas experimentais para resolver nossos problemas por conjecturas que são controladas por severa crítica. É um desenvolvimento crítico consciente do método de “ensaio e erro” (POPPER, 2004, p.16).
Todavia, House e sua equipe quase sempre estão equivocados sobre o diagnóstico que acreditavam ser o único possível no início de cada episódio. Isso ocorre porque eles chegam a esse diagnóstico apenas observando o comportamento clínico do paciente, sem perguntar muita coisa sobre a sua vida pessoal (lembre-se: segundo House, os pacientes sempre mentem); ou seja, chegam ao diagnóstico assumindo a postura dos médicos “positivistas”, que rejeitam a manifestação do sujeito e encaram o seu objeto (paciente) de forma distante.
Ocorre que, para solucionar os casos corretamente, no desenrolar de cada episódio House e sua equipe terminam por sentir a necessidade de descobrir mais sobre a vida pessoal do paciente. É comum, por exemplo, que eles pratiquem muitos ilícitos, a exemplo de invadir a casa do paciente sem autorização, de maneira a descobrir o que ele andou comendo, ou as condições do quarto onde dorme, para saber mais detalhes sobre o sujeito examinando. Além disso, a equipe também acaba questionando ao próprio paciente e/ou a seus familiares circunstâncias pessoais e íntimas do enfermo.
Nesse momento, há uma conexão com o pensamento de Paul Feyerabend, posto que este autor, ao expor o seu anarquismo metodológico, defende que a busca pelo conhecimento deve se aproximar mais do lúdico do que do cartesiano, ou seja, deve-se deixar que o ser humano experimente e aprenda sem qualquer tipo de tolhimento ou objetivação, a exemplo do que ocorre com a criança, que aprende brincando, de forma aleatória e desordenada (FEYERABEND, 1977, p.32). É por isso, por exemplo, que ele irá afirmar que “o único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale” (FEYERABEND, 1977, p.27).
Pode-se fazer, também, uma associação com o pensamento kantiano, na medida em que Immanuel Kant defende que a investigação científica deve ser não apenas teórica, ou apenas empírica, mas basear-se nas duas formas de abordagem (teórica e empírica), ao que se chama de apriorismo. Nessa senda, o autor propõe a união entre a razão especulativa e a razão prática, como pode ser observado da leitura da seguinte passagem de sua obra:
O primado na união da razão pura especulativa com a razão pura prática em um conhecimento correspondente à última, sempre na suposição de que a referida união não seja contingente e arbitrária, mas fundamentada a priori sobre a mesma razão e, portanto, necessária (KANT, 1959, p.95).
Veja-se, portanto, que a narrativa do seriado parece abandonar, aos poucos, a figura do médico “frio” e objetivo, em prol de um médico que passa a se interessar pelo paciente para que consiga diagnosticar, com precisão, a sua situação clínica. Alguns exemplos podem ajudar a esclarecer essa constatação.
No 2º episódio da 1ª temporada, intitulado “Paternity”, Dr. House e sua equipe tentam de tudo para diagnosticar um jovem rapaz de dezesseis anos que se encontra internado no hospital. Depois que todas as tentativas falham, somente então o protagonista resolve entrevistar a família do garoto. Para a sua surpresa, House descobre que o paciente foi adotado e que a mãe biológica não tinha sido vacinada, o que fez com que ela passasse um vírus dormente para o paciente quando ele estava em seu útero, vírus esse que somente “acordou” dezesseis anos depois. O curioso é que, no início do episódio, House não via a menor necessidade de entrevistar ninguém, nem mesmo o paciente. Caso continuasse com essa postura, ou seja, caso continuasse a negar uma aproximação com o examinando, ele jamais teria feito o diagnóstico correto.
No 5º episódio da 1ª temporada, intitulado “Damned if you do”, House e sua equipe tentam de todas as maneiras possíveis diagnosticar uma freira que chega ao hospital com sérios problemas de alergia. Cada tentativa de medicá-la resulta em graves consequências diversas: choques anafiláticos, paradas cardíacas etc., em virtude da reação do organismo da freira ao errôneo medicamento que lhe fora ministrado.
Indignado, House, então, vai averiguar a história pessoal da freira e descobre que ela levava uma vida não tão religiosa na juventude, usando drogas e praticando o sexo desprotegido, tendo, inclusive, realizado um aborto, o que a levou a se utilizar de um método contraceptivo comum à sua época: a cruz de cobre, método que foi retirado do mercado nos anos 80. Somente então Dr. House descobre o que acontecia com a freira: ela era alérgica ao cobre contido na cruz – com o tempo, a liberação lenta e constante da substância em seu organismo lhe causou complicações tardias.
Veja-se, aqui, uma associação com a filosofia de Martin Heidegger (2010, p.237), pois somente quando Dr. House entra em uma situação de angústia, ou seja, somente quando ele se vê desolado, sem qualquer pista sobre o motivo das reações alérgicas da paciente, quando todos os medicamentos e possibilidades de tratamento não lograram êxito, é que ele tem uma “luz” e resolve verificar a história de vida dela, descobrindo, depois, o motivo da alergia (a cruz de cobre em seu organismo).
No 10º episódio da 1ª temporada, intitulado “Histories”, a equipe analisa um caso de uma moradora de rua que aparece no hospital. Contudo, a equipe encontra uma forte objeção do Dr. Foreman para que a mulher seja tratada, o qual acredita se tratar de uma charlatã que apenas quer usufruir dos aposentos e da comida do hospital, por se tratar de uma pessoa miserável.
House, acreditando que a mulher realmente sofre de uma doença (o que procede), trava uma briga com o Dr. Foreman, afirmando que ele não deve trazer para a Medicina as suas experiências pessoais passadas, o que deixa subentendido ao telespectador que Dr. Foreman conviveu com a miséria em sua vida e que conheceu de perto algumas artimanhas dos moradores de rua. Ocorre que existe, aqui, um detalhe muito importante: Dr. Foreman é o único médico negro da equipe.
Em razão disso, pode-se invocar a obra de Stephen Jay Gould (1999), na medida em que, no momento acima retratado, o seriado parece estigmatizar e estereotipar o negro como sendo alguém miserável ou que já fora miserável, como se a pobreza fosse uma questão de cor de pele, e não de contexto social. Além disso, o próprio Dr. Foreman, ao se deixar levar por seus preconceitos contra moradores de rua e concluir que a paciente não padecia de nenhuma doença, sendo que ela realmente falava a verdade, também pode ser relacionado com a obra de Gould, na medida em que o autor alerta para o fato de que o pesquisador muitas vezes é influenciado por seus preconceitos quando procede com a investigação científica, a exemplo do que ocorreu com Cesare Lombroso, atitude essa que deve ser combatida.
O 11º episódio, por sua vez (também da 1ª temporada), intitulado “Detox”, irá retratar a tentativa dos colegas de House para livrá-lo de seu vício: o medicamento conhecido como Vicodin, o qual constantemente toma para aliviar as dores em sua perna (House é manco de uma perna, razão pela qual usa uma bengala). Nesse episódio, o autor inicialmente resiste à ideia de ter que largar o medicamento; contudo, aos poucos, ele vai refletindo sobre a sua situação e aceita se submeter a um tratamento, inclusive à base de sessões de massoterapia.
Veja-se, portanto, que os exemplos retro mencionados demonstram que, em House, há uma quebra gradual com o paradigma objetivo da Medicina “positivista”, ou seja, da ideia de que os cientistas naturais (médicos) devem sempre adotar uma postura distante dos pacientes e tratá-los como simples objetos, para que, ao final de cada episódio, seja demonstrado que o contato íntimo com o paciente, com sua condição histórico-sociocultural, com os detalhes pessoais de sua vida e de sua família, são indispensáveis para que o objeto (agora, sujeito) seja analisado de maneira correta e eficaz, ou seja, que o diagnóstico seja acertado.
No 2º e no 5º episódios relatados, por exemplo, House e sua equipe somente foram capazes de desvendar os casos clínicos depois que investigaram a fundo a vida do paciente: no primeiro caso, foi imprescindível o relato dos pais do adolescente enfermo sobre o fato de que este, na verdade, era adotado, bem como que a mãe biológica não fora vacinada, para que fosse possível obter o diagnóstico correto; no segundo caso, somente depois de ser averiguada a história pessoal da freira é que House foi capaz de concluir que ela tinha alergia ao cobre da cruz contraceptiva que ingerira quando era jovem – o que método médico objetivo algum conseguiu detectar .
Veja-se, portanto, que é somente quando o médico se interessa a fundo pelo objeto (agora, sujeito) de investigação, ou seja, o paciente, é que ele é capaz de resolver adequadamente o caso clínico. Dessa forma, pode-se relacionar esse ato com a noção de interesse desenvolvida por Maurice Merleau-Ponty, na medida em que este autor defende que a atenção interessada do pesquisador é crucial para que a abordagem científica ocorra de maneira mais eficaz, “assim como um projetor ilumina objetos preexistentes na sombra” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.53).
Dessa forma, pode-se perceber que, em House, ao longo de cada episódio analisado há uma ruptura com o paradigma objetivo cartesiano, representado na figura do médico “frio” e metódico, que ignora a subjetividade de seus pacientes, em direção a um paradigma que valoriza a presença do ser e do subjetivo, ou seja, da tradição e da historicidade do paciente, para que seja possível diagnosticar a sua condição clínica corretamente e aplicar o tratamento adequado a ele.
Percebe-se, também, uma relação com o pensamento de Jean-Paul Sartre, na medida em que o autor propõe um método de abordagem que leva em consideração o passado, ou seja, as circunstâncias que envolvem o fenômeno analisado, em toda a sua tradição histórica (regressividade), para que seja possível se pensar em um projeto futuro de abordagem (progressividade), ao que chama e método progressivo-regressivo. Nas palavras do autor:
Definiremos o método de aproximação existencialista como um método regressivo-progressivo e analítico-sintético; é ao mesmo tempo um vaivém enriquecedor entre o objeto (que contém toda a época como significações hierarquizadas) e a época (que contém o objeto na sua totalização); com efeito, quando o objeto é reencontrado em sua profundidade e em sua singularidade, em lugar de permanecer exterior à totalização (como era até aí, o que os marxistas tomavam como sua integração na história), ele entra imediatamente em contradição com ela: numa palavra, a simples justaposição inerte da época e do objeto ocasiona bruscamente um conflito vivo (SARTRE, 1979, p.176)
Ademais, também é possível associar esse aspecto de House com a filosofia de Gilles Deleuze (2006), na medida em que o autor preza pela realidade, pelo pragmatismo, e não pela simples dedução lógica. Ou seja, para Deleuze, o fenômeno concreto, historicamente situado, deve ser sempre levado em consideração, posto que é nele que se encontram as circunstâncias da experimentação, é nele que ocorrem os acontecimentos. Assim, na medida em que há uma valorização do paciente e toda a sua subjetividade histórica, pode-se fazer uma relação da obra analisada com a filosofia de Deleuze.
Note-se, por fim, uma aproximação do seriado com as obras de Boaventura de Sousa Santos e de Thomas Kuhn. Em relação ao primeiro, a aproximação ocorre porque Boaventura entende que o modelo racional objetivo, que prega o distanciamento entre sujeito investigante e objeto investigado, está em declínio , o que também é demonstrado no seriado – há uma desvalorização gradual do método objetivo racional, utilizado pela ciência médica naturalista, em direção a um método que leva em conta as circunstâncias pessoais do paciente, mais subjetivo.
Já no que diz respeito a Thomas Kuhn, a associação também é nítida, pois essa mudança entre um paradigma (objetivo) para outro (subjetivo) pode ser relacionada com a ideia de revolução científica desenvolvida pelo filósofo, ou seja, com a ideia de que a ciência tende a estar em constante transformação. Nessa senda, os paradigmas então vigentes que não mais conseguem fornecer uma resposta adequada aos problemas investigados cedem lugar a novos paradigmas, mais adequados à realidade em questão. Isso se torna nítido quando o autor afirma que “a transição para um novo paradigma é uma revo¬lução científica” (KUHN, 2006, p.122).
Veja-se, portanto, a importância do aspecto subjetivo para que o tratamento adequado ao paciente seja ministrado. Sem a realização de uma investigação de todas as circunstâncias que envolvem o sujeito analisado (e não mais objeto), em cada caso clínico (caso concreto) que aparece no hospital, Gregory House e sua equipe médica não conseguiriam obter o diagnóstico correto, e estariam fadados ao fracasso.

4 CONCLUSÃO

Foi analisada, neste trabalho, a obra intitulada “House”, ou “Dr. House”. Como visto, trata-se de um seriado do gênero “drama médico”, cuja narrativa gira em torno do dia-a-dia do protagonista e de sua equipe, que tentam diagnosticar casos clínicos de alta complexidade.
Tentou-se fazer uma associação entre o seriado e o pensamento de alguns autores relacionados com a Metodologia da Pesquisa. Nessa senda, procurou-se demonstrar que o protagonista adota uma postura metodológica objetiva no trato com os pacientes do hospital onde trabalha, sob a alegação de que o aspecto subjetivo não é útil à ciência.
Contudo, esse afastamento entre sujeito investigador (médico) e objeto investigado (paciente) revelou-se não ser capaz de conferir uma resposta adequada, posto que, no decorrer dos episódios do seriado, fica demonstrado que é necessário haver uma aproximação com o paciente, mediante uma análise de seu histórico pessoal e familiar, de seus hábitos e de sua condição enquanto ser humano, dentre outras circunstâncias, para que o diagnóstico possa ser corretamente feito.
Nesse momento, então, há uma ruptura com o paradigma objetivo adotado por Dr. House e sua equipe médica. O objeto “paciente” deixa de se tornar um objeto e torna-se um sujeito situado no mundo, rejeitando-se a sua abordagem investigativa como algo “oco” ou desprovido de valoração, para encará-lo como uma pessoa real e historicamente situada, devendo-se levar em conta os seus aspectos subjetivos que até então eram desprezados pela abordagem metodológica puramente objetiva, cartesiana, naturalística.
Veja-se, então, que o seriado analisado parecer ser um bom exemplo a ser trabalhado no que diz respeito à Metodologia da Pesquisa, posto que retrata um (lúdico) processo de revolução científica em seus episódios, no momento em que pode ser notada a quebra de um paradigma calcado no esquema de abordagem sujeito-objeto, em direção a outro, calcado no esquema sujeito-sujeito.
Tal processo demonstra, ainda, de forma simbólica, a virada ontológica (ou giro linguístico), mediante a qual a metodologia científica, abandonando o esquema sujeito-objeto, passa a trabalhar com o esquema sujeito-sujeito, ao valorizar a importância do ser humano e de sua situação histórica concreta na investigação científica. Com a virada ontológica, o ser humano não é mais visto como um objeto distante e axiologicamente neutro, mas, sim, como um ser histórico, complexo e com toda uma tradição sociocultural, cuja importância pode ser percebida no momento em que os médicos somente conseguem diagnosticar os casos clínicos ao levar em conta a vida pessoal do paciente.
Ao analisar “House”, portanto, esta obra buscou relatar esse processo de ruptura paradigmática que pode ser percebido por meio de uma releitura crítica dos episódios, ao passo que buscou associar a narrativa do seriado com alguns dos principais expoentes que já escreveram no âmbito da Metodologia da Pesquisa, para embasar o raciocínio.
Se o que acontece em “House” também ocorre na vida real, no dia-a-dia dos hospitais, é uma pergunta que não poderá ser respondida neste momento. Espera-se que sim, para o bem da ciência… e, principalmente, dos pacientes.


REFERÊNCIAS

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HEIDEGGER, Martin. O que é metafísica? Versão eletrônica. Disponível em: http://www.4shared.com/account/document/J9xUo5js/heidegger_-_o_que__metafsica.html?sId=ndwQmQKN0qSz782F. Acesso em 02.12.2010.

HUSSERL, Edmund. Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. Aparecida: Ideias & Letras, 2006.

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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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POPPER, Karl. Lógica das ciências sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estud. av. [online]. v. 2, n.2, 1988.

SARTRE, Jean-Paul. Questão de método. 4. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1979.

A METODOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS

Publicado: janeiro 10, 2012 em Artigo

Elma Marília Vieira de Carvalho

1. INTRODUÇÃO
Metodologia é à busca de critérios objetivos para uma tomada de decisão, conforme lecionam muitos autores. No âmbito jurídico, ao analisar uma decisão judicial independente de sua natureza, muitos operadores do direito contemplam os mais diferentes métodos utilizados para alcançar tais critérios.
O emprego de metodologias se justifica pela necessidade de uma segurança jurídica, estabelecida pelo sistema constitucional pátrio. As decisões judiciais devem contemplar a justiça e a equidade, que os valores subjetivos lhe retirariam, conforme prega os dogmas científicos.
Diante disso, parti-se para a apreciação dessas decisões, fazendo-se necessário relacioná-las com os mais diversos filósofos e suas respectivas metodologias.
Assim, o presente trabalho versará sobre o Instituto da Improcedência Prima facie no âmbito do Direito Processual Civil, relacionando-o com o método indutivo de Francis Bacon, e com a sentença judicial na esfera do Direito Penal e o método cartesiano de René Descartes.
Com essa relação, pode-se perceber que a influência desses métodos ainda encontra-se muito presentes no Ordenamento jurídico, desempenhando um papel importante no cotidiano das situações jurídicas, seja para garantir a segurança das relações sociais, seja para manutenção do status quo.
Nesse contexto, serão abordadas as características de cada método e sua interligação com a decisão estudada, com o propósito de levar o leitor a tecer suas próprias opiniões sobre o tema do apresentado.

2. O MÉTODO INDUTIVO E O INSTITUTO DA IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE
O Código de Processo Civil em seu art. 285-A , acrescentado pela Lei nº 11.277/2006, dispõe, que quando a matéria em debate for apenas de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
O dispositivo visa evitar o abarrotamento do Poder Judiciário devido à existência de demandas repetitivas, desde que preenchidos os requisitos do referido artigo, combatendo assim o problema da falta de celeridade processual do judiciário brasileiro.
A regra do art. 285-A é modalidade de imediato julgamento do mérito, pois se encontra a possibilidade para o Juiz enfrentar o assunto em litígio de plano, desde que atendidos os requisitos legais . O instituto não faz com que o Juiz, fique preso a suas decisões proferidas anteriormente, pois havendo mudança de entendimento sobre o fato litigioso levado à sua apreciação, poderá deixar de aplicar o instituto em tela.
Destarte, diante da dicção do artigo 285-A, vislumbra-se que foi criada uma nova modalidade de julgamento antecipado do mérito, na improcedência prima facie, diferenciando-se das outras modalidades, pois neste caso o Juiz não possui a obrigação de apreciar o mérito, o que é apenas uma faculdade posta à sua disposição.
Extrai-se do artigo 285-A que para que se haja aplicação do instituto em tela devem ter sido proferidas sentenças sobre o mesmo tema, em casos idênticos. Bastando, para se configurar a semelhança, apenas a similaridade entre o pedido e a causa de pedir da demanda proposta, bem como as razões de improcedência declinados pelo Juízo, admitindo-se, logicamente, a diversidade de partes. Destarte, não há no dispositivo uma regra explícita de quantas sentenças servirão de paradigma, apenas que deve ser proferida pelo mesmo juízo em casos idênticos.
Relacionando este instituto com o método indutivo de Francis Bacon o qual afirmava que o verdadeiro saber é o saber pelas causas tem-se que o intento de Bacon é de que sua doutrina se apresente nos espíritos idôneos e capazes para que estes possam conhecer a natureza e alcançar a verdade.
Restando assim, um único método para alcançar essa finalidade que leva os homens aos próprios fatos particulares e às suas séries e ordens, a fim de que eles se sintam obrigados a renunciar às suas noções, ou seja, ao método até aquele momento utilizado e aos resultados obtidos com este método.
Afirma que os ídolos e as noções falsas ocupam o intelecto humano e obstruem o acesso à verdade. A melhor demonstração, neste contexto é a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento.
O método indutivo, assim, se firma na premissa de que apenas por meio das experiências é que se pode contemplar a verdadeira ciência .
Nesse contexto, percebe-se que tanto o método indutivo, como o instituto da improcedência prima facie, buscam por meio da experiência alcançar a verdade dos fatos da natureza. Mas, a dificuldade encontra-se nos ídolos , que as pessoas criam por conta de suas vivências, de suas experiências pessoais, por exemplo, que trazem falsas noções que ocupam o intelecto humano e obstruem o acesso à verdade.
Há uma noção errada de realidade e verdade, o que vicia a pesquisa que deve ser sempre sistemática, por meio da padronização da observação e experimentação.
Nas ciências sociais, como o direito, dificilmente tem-se uma decisão sem a contaminação de crenças pessoais, até porque a constituição dessas ciências, bem como seu eventual progresso caminha junto com as diversidades e dificuldades do senso comum .
O instituto da improcedência prima facie, por conta dessa base experimental, que facilita apenas o trabalho dos magistrados, pode ser facilmente rechaçado em decorrência dos vícios que maculam a experiência, que nem precisa ser tanta, sendo exigido no mínimo dois casos semelhantes para fundamentar a decisão jurisdicional, como se infere da leitura do art. 285- A.

3. O MÉTODO CARTESIANO E SUA INFLUÊNCIA NAS SENTENÇAS JUDICIAIS
No âmbito do método cartesiano, tem-se que o pensamento crítico era o principal instrumento na busca da verdade. O autor relacionava o pensar, ou a razão, a algo que extrapola a matéria, denominada por ele como o espírito, ausente dos animais. O recorrente duvidar demonstra a existência de um duvidador, de alguém que questiona porque pensa. A capacidade de pensar passa a ser considerada por Descartes como elemento existencial, daí a frase “penso logo existo” . Complementa o autor ao afirmar que “nenhum objeto existe fora do espírito que o percebe” .
Para Descartes deve-se duvidar de tudo e de todos como princípio construtivo de uma verdade efetiva. Não obstante a reputação atribuída pela sociedade a um determinado estudioso — ou à sua teoria —, sempre duvidava, mantendo-se atento ao menor sinal de falsidade ou falha.
Em meio a suas meditações, algumas inquietações se tornaram de suma importância, como a busca pela verdade. Transformando-se em um objetivo de vida . Para tanto, passou a traçar métodos e premissas a serem seguidos como forma de otimização dos seus estudos. Duas máximas éticas foram utilizadas por este estudioso como filosofia de vida: seguir os seus pensamentos onde quer que lhe conduzissem e obedecer as leis do seu País, aderindo à religião dos seus pais e aos costumes dos homens mais judiciosos.
Descartes cria, com a finalidade de impetrar seus objetivos, preceitos que buscam uma verdade livre de influências exteriores.
O propósito de Descartes foi de procurar reformar seus próprios pensamentos e edificá-los numa base própria. Por esse meio acreditava poder conduzir sua vida muito melhor do que quando estava limitado aos velhos fundamentos e princípios sem que nunca pudesse verificar sua veracidade.
Este método não rejeitava completamente algumas das opiniões insinuadas no passado, especificamente da lógica, da geometria e da álgebra . Verificou que a lógica quanto aos seus silogismos e a maior parte de suas instruções serviam para explicar coisas que já se sabem. A geometria por sua vez está tão ligada à consideração de figuras que não exercitavam o entendimento sem fatigar a imaginação. A álgebra era sujeita a regras que a transformavam em uma arte confusa e obscura.
Foram essas três ciências que contribuíram para o projeto de Descartes, pois sentiu a necessidade de procurar um método que compreendesse as vantagens dessas três ciências, mas que fosse isento de defeitos.
O ideário cartesiano de identificar a verdade incontestável, mediante um conjunto de procedimentos, influenciou, como se pode notar a elaboração das primeiras codificações oitocentistas que buscavam afastar a insegurança das relações sociais através de um “sistema de direito”.
Limitando, nesse contexto o direito à lei para assegurar a estabilidade, a linearidade e a segurança jurídica. Essa unidade legislativa ocasionou a criação de códigos fechados, plenos, totais, harmônicos e auto-referentes, cuja interpretação deveria se pautar sempre em critérios objetivos e formais, próprios do pensamento de Descartes.
O Ordenamento positivo pátrio não conseguiu se distanciar do método cartesiano em muitos de seus institutos, a saber, as sentenças judiciais em seus diversos ramos, não fogem aos critérios objetivos e formais cartesianos.
A sentença judicial, tomando como exemplo a penal, segue um rito muito próprio estabelecido pelo Código Penal brasileiro , onde se compõe de três fases para aplicação da pena, quais sejam: pena base, pena provisória e pena definitiva.
Cada fase de aplicação da pena tem sua importância , tendo sido valorada, pelo legislador a medida de sua influência frente ao crime e a reprovação social.
Na primeira fase, encontra-se a análise das circunstâncias judiciais, previstas no art. 59, caput, do Código Penal, sendo avaliada primeiramente a culpabilidade, os antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, os motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima.
Como se pode perceber trata-se da avaliação de aspectos objetivos referentes aos sujeitos do crime, no qual o julgador tem que se manifestar sobre todas as circunstâncias, motivando cada uma delas distintamente.
Na segunda fase, após a aplicação da pena base, são ponderadas as circunstâncias atenuantes e agravantes. As primeiras estão previstas no arts. 61 e 62, e as segundas no art. 65 ambos do CP.
Após esta fase, passa-se a pena provisória, que é a última fase, analisando-se todas as causas de aumento e diminuição da pena previstas ou na parte geral ou na especial do CP, abrangendo o cálculo da pena definitiva da forma que disciplina o art. 68 do CP.
Pode-se verificar a essência do método cartesiano nas proposições acima elencadas. Buscando-se sempre formas objetivas de respaldar a decisão proferida, sendo inadmissível o afastamento da regra legal imposta.
Como se pode verificar, se o julgador deixar de apreciar, por exemplo, uma das circunstâncias judiciais do art. 59, ele viola tanto o princípio da individualização das penas como o da necessidade de fundamentação de todas as decisões, previstos na Constituição Federal pátria .
Embora o campo dos princípios, bem como das cláusulas gerais tenham ganhado relevo no Ordenamento Jurídico brasileiro na última década, ainda predomina o resquício do apego à legalidade estrita, ao direito positivo, principalmente no âmbito público.
Assim, se infere a partir da leitura da obra Discurso do método de Descartes, que ainda hoje, o direito, tenta se resumir a lei para assegurar a estabilidade, a linearidade e a segurança jurídica.
Sem se atentar ao fato de que as ciências sociais não podem ser estudadas sob o mesmo prisma das ciências naturais, como bem verifica Boaventura de Sousa Santos ao tratar do paradigma emergente afirmando que o comportamento humano não pode ser descrito e nem explicado com base em características exteriores e objetivas.
É preciso notar que as ciências sociais possuem suas próprias peculiaridades, que não devem ser esquecidas em busca de uma equivalência com as ciências naturais. Até porque na contemporaneidade emerge a superação da dicotomia ciências naturais/ ciências sociais, sendo a tendência do novo paradigma emergente a revalorização dos estudos humanísticos, como adverte Boaventura .

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Julgar representa uma tarefa bastante difícil em qualquer esfera da vida humana, pois,
pressupõe sem dúvidas a aferição de um juízo de valor sobre determinado assunto. Na esfera jurídica se torna ainda mais complexa essa tarefa, uma vez que uma decisão judicial muitas vezes gera uma transformação, jurídica ou factual, na vida dos sujeitos da relação processual.
É por isso, que busca-se o emprego das mais diversas metodologias para respaldar a decisão ora proferida. Criando argumentos objetivos, dando um ar de cientificidade para as questões jurídicas.
Essa procura, que tem sua origem na ciência moderna, apresenta uma tentativa de abordar as ciências sociais a partir de parâmetros das ciências naturais.
Percebe-se nas teorias abordadas, que aspectos absolutamente subjetivos e dinâmicos são abordados a partir de critérios objetivos, fundados no rigor científico, que ao quantificar os fenômenos, os desqualificam.
Afirma Carlos Cossio, em sua obra La valoracion jurídica y la ciência del derecho, que o pensamento científico do jurista reclama uma atitude neutra sobre todo o resultado pré-estabelecido e aspira unicamente à verdade jurídica .
O Ordenamento positivo por meio da instituição de métodos científicos no âmbito jurídico visa dar efetividade aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da justiça, principalmente. Assim, garantem-se, ao menos teoricamente, decisões íntegras, atribuindo segurança jurídica a população.
Partindo dessa premissa, é cediço que não há possibilidade de uma neutralidade por parte do julgador. Deste modo, verifica-se que as decisões judiciais, como qualquer decisão humana, muitas vezes fazem o percurso contrário do estabelecido na pesquisa científica, ou seja, primeiro decide-se, depois emprega-se o método para justificá-la.
Carlos Cossio defende à idéia de que o jurista não é um mero espectador do Direito, visto que ele repensa o direito, em cada uma de suas interpretações ou decisões, assim, o legislador cria a norma geral, e o juiz de direito legislado a recria. Seus valores pessoais influenciam e são influenciados ao longo de sua vivência. Portanto, a idéia de que a justiça não deve ser idealizada, deve sim, ser realizada em cada uma de suas ações.
Nesse mesmo sentido, Maurice Merleau- Ponty entende que a forma como se percebe o mundo e seus fenômenos também está vinculada à cultura e a sociedade. Desta forma, a percepção jamais poderia ser neutra, imparcial, ou pura. Ela adquire influências, contaminações culturais e sociais. Nem a ciência estaria livre para entender o corpo de modo neutro.
Não se pode pensar o homem de forma isolada, e sim de uma forma plural, interdisciplinar. À filosofia compete refletir sobre os fundamentos metafísicos da ciência, da origem e das conseqüências das idéias que podem expressar uma visão de mundo. Seu propósito é compreender o homem e o mundo sem a imposição de regras ou princípios dogmáticos .
Diante dessa situação, pode-se fazer um paralelo com os ídolos trazidos por Bacon, aos quais segundo o autor deve-se desvencilhar para que se possa chegar a resultados experimentais sem vícios, todavia, na prática certos dogmas científicos ou religiosos não são tão facilmente superados, pois se encontram impregnados em cada ato humano.
Sendo assim, mesmo com a existência de todos os métodos, elencados no Ordenamento positivo implícita ou explicitamente, para que se encontre uma decisão justa, em verdade apenas são justificativas para validar um (pré) conceito pessoal tão enraizado que dificilmente alguém consiga se afastar dele.

5. REFERÊNCIAS
BACON, Francis. Novo Organum. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
______. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
BRASIL. Código Penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL. Constituição Federal Brasileira. São Paulo: Forense, 2008.
COSSIO, Carlos. La valoracion jurídica y la ciência del derecho. Buenos Aires: Arayú, 1954.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6.ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2002.
DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martin Claret, 2003.
______. Regras para Interpretação do Espírito. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. Rio de Janeiro: Malheiros, 2005.
FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
MERLEAU- PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.


Edivaldo M. Boaventura

1. A INICIAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa na graduação tem sido por mim discutida em vários fóruns, como forma de compartilhar conhecimentos acerca da pesquisa e ética no ensino superior, em especial, no ensino de graduação, razão pela qual resolvi fixar, neste artigo, certos tópicos da minha experiência docente na área. Ministrando Metodologia da Pesquisa, no bacharelado em Direito da Universidade Salvador (UNIFACS), na licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em programas de Mestrado e Doutorado, direciono a disciplina para a elaboração do projeto de pesquisa. Dessa forma, participo tanto da elaboração como da discussão e aprovação dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) naqueles níveis de estudo (BOAVENTURA, 2004).
A participação em semanas científicas comprova que estamos no caminho certo da apresentação de trabalhos de investigação científica em nível de graduação. Iniciação científica que suscita a continuidade no escalão imediato da pós-graduação, para a qual o aluno deve chegar predisposto e iniciado na investigação científica, dominando entre outras habilidades as principais disposições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A iniciação científica, além de permitir o desenvolvimento de habilidades específicas para o discente, “tem o propósito de despertar nele a necessidade de melhor capacitar-se para o desenvolvimento da pesquisa durante o exercício da futura profissão”, pondera Almedes Ferreira da Silva, gerente de pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em 2004.
Objetivando enfatizar a produção científica, o artigo está estruturado em duas partes. Na primeira, questiono a situação da aprendizagem da metodologia em um contexto de ensino de disciplinas de conteúdo com aulas magistrais e informativas. Para tanto, o aluno tem que enfrentar o desafio dissertativo da redação científica para a elaboração do projeto, enquanto nas demais disciplinas ele responde às provas escritas. O trabalho conjunto de professores e alunos, preferencialmente desenvolvido em seminários, segue as etapas do processo investigativo, com atenção às normas da ABNT, aos meios eletrônicos disponíveis na internet para o devido acesso e à ética na pesquisa. Na segunda parte, eminentemente de aplicação, relato a contribuição da metodologia para o projeto de dissertação de alunas e alunos.
Ao começar a discutir o tema, recordo o princípio da indissociabilidade ensino-pesquisa, formulado por Wilhelm von Humboldt, ao criar a Universidade de Berlin, em 1810, que se transformou em marco universal da história da universidade. Tal princípio, que não atua unicamente na pós-graduação, mestrado e doutorado, mas fertiliza todo o trabalho acadêmico, foi introduzido na vida universitária brasileira, pelo conselheiro Newton Sucupira, quando da reestruturação e reforma de 1968.
Pondera Pedro Demo (1996, p.12) que é absolutamente fundamental “tornar a pesquisa o ambiente didático cotidiano, no professor e no aluno, desde logo, para desfazer a expectativa arcaica de que pesquisa é coisa especial.” Por isso, o professor não se sente pesquisador. Considera pesquisa uma atividade divina, complicada, reservada somente a certos seres iluminados. O professor “foi treinado dentro do método da aula copiada, e só sabe dar aula copiada. Quanto ao aluno, a idéia de o fazer pesquisar pareceria um espanto, uma fantasia, uma megalomania, uma extravagância” Não se deve esquecer que pesquisa é uma busca, mas uma busca aprofundada, que segue processos sistematizados no alcance de um problema não resolvido ou resolvível.
A pesquisa é um dos maiores diferenciais da educação superior e, para alcançar este parâmetro, tenha-se em mente que, como professores, ingressamos na faculdade para ensinar e iniciar os alunos muito naturalmente no processo da investigação científica. É uma decorrência lógica e quase obrigatória daqueles professores que realizaram o doutorado o que os qualifica para o ensino e, mais ainda, para a investigação.

1.1. QUESTIONAMENTOS SOBRE A METODOLOGIA DA PESQUISA NO CONTEXTO DAS DISCIPLINAS DE CONTEÚDO
Com um currículo marcado por conteúdos e ministrado por preleções informativas, a opção é pelo “questionamento reconstrutivo, alimentado pela pesquisa como princípio científico e educativo” (DEMO, 1996, p. 10). Assim, cabe indagar dos professores e coordenadores de curso várias questões concernentes à metodologia da pesquisa no contexto das disciplinas de conteúdo.
a) Como se efetiva o ensino e a prática da iniciação científica no curso de graduação?
b) Quais são os objetivos do ensino com a pesquisa, na graduação?
c) Se estamos na universidade para aprender, ensinar e iniciar na investigação, o currículo dos cursos de graduação possibilita a aprendizagem da pesquisa? Pondere-se a natureza de uma disciplina essencialmente metodológica, centrada na escolha de um tema-problema, com hipóteses, objetivos e variáveis, em um universo de ensino predominantemente de conteúdos transmitidos por preleções e testados em provas escritas.
d) Os professores com mestrados e doutorados estão predispostos a ensinar pesquisando e, principalmente, a orientar alunos nos seus projetos de pesquisa? São projetos importantes que devem conduzi-los à monografia conclusiva e a prosseguirem em estudos mais avançados.
e) Professores que não têm Mestrado e Doutorado, mas experientes no magistério, como orientam os alunos nas monografias?
f) Como instrumentalizar o aluno de graduação com métodos e técnicas para a aprendizagem da investigação científica? Há pesquisa do aluno e há pesquisa do professor ou de ambos; conseqüentemente, existem artigos a serem publicados separados ou conjuntamente. A iniciação científica é um objetivo do ensino de graduação, manifestando uma das funções da Universidade, a pesquisa.
g) Até que ponto o aluno conhece a literatura sobre a investigação científica existente na biblioteca da sua faculdade? É preciso começar as disciplinas pela visita orientada em colaboração com a bibliotecária, identificando as principais fontes escritas e eletrônicas. (RENFORD, 1979)
h) No particular, como tem sido a abordagem das diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)? Normas que fornecem precisão e clareza aos trabalhos acadêmicos dos alunos. Exigem-se citações precisas, referências corretas e numerações das notações conforme os padrões estabelecidos pela comunidade científica? O domínio das normas da ABNT é da competência do ensino da graduação. O aluno deveria entrar para a pós-graduação sabendo citar e referenciar corretamente.
i) A iniciação científica que empreendemos como professores atende à ética? Identificar às fontes consultadas é um dos problemas da ética na pesquisa (PASSOS, 1994).
j) Qual tem sido o estímulo às alunas e aos alunos para utilizar a internet na busca de fontes atualizadas? Os professores podem acompanhar a inventiva dos jovens no aprendizado interativo pelos computadores?

1.2. CONTEÚDOS VERSUS METODOLOGIAS CRIATIVAS
Antes de serem discutidos os elementos da proposta de pesquisa, constata-se quanto é carregado o currículo da graduação. Como sabemos, a ênfase da nossa educação concentra-se nos conteúdos. De modo geral, conhecimento é muito mais conteúdo do que a aprendizagem de comportamentos e criação de atitudes. A iniciação científica tem como um dos dificultadores a ênfase no exagerado ensino dos conteúdos programáticos em contraste com a pesquisa que é essencialmente metodológica e atitudinal. O nosso currículo continua enciclopédico. Há cursos jurídicos com oito disciplinas anuais. Pouca ênfase no desenvolvimento de aquisição de novos comportamentos, atitudes e habilitações empíricas, questionamentos e problematizações.
O decadente vestibular reforça a tradição conteudística, quando se torna necessário criar no aluno uma atitude metodológica que o conduza à criação do conhecimento. Estamos mudando, mas é insuficiente a atenção dada à elaboração de projetos, à formulação de temas e à sua problematização, enquanto a pesquisa atual fixa-se na resolução de problemas como quer Larry Laudan (1977). Acredita ele, comenta Ricardo Feijó (2003, p. 81) “que se pensarmos a ciência enquanto busca de clarificação e de resolução de problemas teremos uma perspectiva renovada da história da ciência.”

1.3. A HABILITAÇÃO PARA A REDAÇÃO CIENTÍFICA
Uma dificuldade que encontramos na elaboração de projetos e relatórios de pesquisa é a redação (BARRASS, 1979). Pesquisar e redigir com precisão é um desiderato de quem se inicia na investigação científica. O professor–orientador torna-se, mais das vezes, um revisor de texto.
A universidade ainda não desenvolve nos alunos a eficiente expressão escrita e verbal. O ingresso na Universidade coincide com o desenvolvimento pleno da capacidade de síntese do aluno e é justamente quando param os cursos de redação. Precisamos tanto do Português Oral, como do Português Instrumental e do Português Redacional para chegar ao Português Científico que possibilite a elaboração de resumos, resenhas, paráfrases e relatórios que exigem capacidade de síntese. As disciplinas que tratam da comunicação dispõem sobre a aprendizagem da língua (GARCIA, 2000; MEDEIROS, 2002). Para o desempenho pessoal e profissional é indispensável a habilitação em linguagem falada e escrita. Falar bem com lógica e clareza, saber perguntar e questionar, na vida acadêmica, devem compor as competências para o exercício profissional.
Na universidade, temos que ensinar a falar em seminário ou painel. A comunicação da fala com desembaraço, tanto quanto a escrita correta devem ser objetivos do currículo de educação superior. Muito especialmente não sabemos falar ao telefone, quando discamos um número errado recebemos de volta uma “patada”. E a nossa mãe que já se encontra do outro lado da existência recebe a ofensa. Não sabemos agradecer a uma chamada telefônica. No final de uma conversa telefônica, é simpático dizer “obrigado(a) por sua chamada.” É preciso agradecer a todos que colaboraram com a investigação, professores, servidores, bibliotecários e colegas. Mas a nossa cultura autoritária não privilegia o agradecimento e a desculpa, tem o caráter impositivo de uma obrigação.
Do ponto de vista redacional, é preciso desenvolver a capacidade dissertativa e argumentativa, em especial, na revisão da literatura ínsita a toda proposta de investigação. Pois bem, quando os alunos têm que escrever o projeto e o relatório da pesquisa, multiplicam-se as dificuldades com a redação. É preciso redobrada paciência do professor-orientador em procurar a expressão exata com o orientando.
Além disso, a atividade científica implica em resumir e parafrasear, isto é, escrever com as nossas próprias palavras o que lemos e entendemos para a fundamentação teórica ou revisão da literatura da monografia. O texto científico deve ser plano, limpo, claro, objetivo e bem normalizado (MARINHO, 2003). Entenda-se por “normalização como o conjunto de procedimentos padronizados que se aplicam à elaboração de documentos técnicos e científicos, de modo a induzir e retratar a organização do seu conteúdo”. (LUBISCO e VIEIRA, 2003, p.15; MEDEIROS, 2002)
Uma das dificuldades, portanto, com a investigação científica é redigir com clareza monografias, dissertações, propostas e relatórios de pesquisa. Quando escrevi o meu livro sobre metodologia da pesquisa, anotei:
Na minha experiência docente na pós-graduação, particularmente na produção de papers, examinam-se inúmeras monografias, dissertações e teses e se sente a pertinência da expressão escrita clara, correta e precisa. Assim, a redação da monografia de final de curso deve ser uma comunicação impessoal, tanto quanto possível redigida na terceira pessoa do singular. Além de ser um exercício metodológico, a monografia acarreta um problema redacional que o aluno deve saber encaminhar a fim de explanar convenientemente suas idéias. (BOAVENTURA, 2004, p. 21)
Para pesquisar devemos redigir o referencial teórico e metodológico e dissertar com atenção à ética, que equivale aos valores morais introduzidos. Ética na citação, ética na referência às fontes, ética na internet, enfim, honestidade intelectual é uma exigência moral em toda a escrita. Texto claro e fidedigno dá credibilidade ao autor.
A propósito, Elizete Passos (1994, 106) insiste:
Os valores morais não possuem nenhum mistério. Uma ação é boa ou má porque se convencionou socialmente o que é bom e o que é mau, assim como a religião determinou o que é um comportamento pecaminoso ou virtuoso e o direito o que é legal e o ilegal. Convenções que dependem das transformações e variações histórico-sociais.
Enfim, na aprendizagem formal da investigação científica, temos que estudar a metodologia e, ao mesmo tempo, reforçar a nossa capacidade de redação exercitando a honestidade intelectual.

1.4. O ESTÍMULO AO ALUNO PARA ELABORAR E APRESENTAR PROJETOS E A FIGURA DO ORIENTADOR
A aprendizagem com a pesquisa inclui além do esforço do professor, buscas freqüentes à biblioteca e na internet. O objetivo não é formar o pesquisador completo que egressa da graduação, mas de iniciar o aluno nas “necessidades de disposições” a serem desenvolvidas em etapas sucessivas dos estudos avançados. É de todo aconselhável nos cursos de graduação a disciplina Metodologia do Trabalho Científico (SEVERINO, 2000), ou mesmo a Metodologia da Pesquisa, mas a sua prática só se efetiva com o professor-orientador, figura que surgiu nos mestrados e doutorados e se integra, progressivamente, na graduação.
Em princípio, todo professor é também um pesquisador e orientador. E a orientação é um procedimento não somente didático, mas também moral, que vai exigir do docente acompanhamento constante, um comportamento totalmente diferente do fiscalizador de provas, ressaltando-se o papel moral e ético do orientador. Este pode ser concebido como um misto de professor, amigo, guia, introdutor da aluna e do aluno na comunidade científica, pela participação em semanas, seminários, congressos, elaboração conjunta de artigos, apresentações às agências financiadoras.
O orientador é alguém comprometido, acadêmica e afetivamente, com o estudante, a quem não só aconselha, como também defende se for necessário. Tenho muito em mente a lembrança do meu adviser, Patrick D. Lynch, e do co-adviser, Joseph Alessandro, em Penn State. É preciso orientar querendo que o estudante realize o melhor trabalho possível, que o apresente em encontros formais com pauta escrita e em reuniões informais com grupos de outras alunas e alunos (get together).
No seu ensaio sobre a ética na pesquisa, observa Passos (1994, p.110) que: “O processo de conhecimento não é isento de valoração. Como toda atividade humana ele está aberto a influências externas, podendo se degenerar ou se conduzir para responder às necessidades humanas.” Explicite-se que o tema escolhido para o projeto deve ter relevância social em um país com marcantes desigualdades sociais, econômicas e regionais.
Não obstante a formação pós-graduada, o professor conta com experiência de vida, de magistério, de profissão; portanto, poderá e deverá orientar, explicitamente, o aluno na investigação acadêmica. A monografia, como a dissertação e a tese exigem orientação, afirmação que se complementa com o que expõe Pedro Demo (1996, p. 38):
É condição fatal da educação pela pesquisa que o professor seja pesquisador. Mas que isto, seja definido principalmente pela pesquisa. Não precisa ser um “profissional da pesquisa”, como seria o doutor que apenas ou sobretudo produz pesquisa específica. Mas precisa ser, como profissional da educação, um pesquisador. Tratando-se do ambiente escolar, prevalece a pesquisa como princípio educativo, ou o questionamento reconstrutivo voltado para a educação do aluno. Todavia, este reconhecimento não pode frutificar num recuo, como se reconstruir conhecimento pudesse ser banalizado
É oportuna a lição de Pedro Demo (1996, p. 12-13) quando destaca a pesquisa como atitude cotidiana e pesquisa como resultado específico. No primeiro caso, “está na vida e lhe constitui a forma de passar por ela criticamente, tanto no sentido de cultivar a consciência crítica, quanto no de saber intervir na realidade de modo alternativo”. Como resultado específico, “pesquisa significa um produto concreto e localizado […]”.

1.5. NÚCLEOS E FINANCIADORAS DE PESQUISAS
Além da vinculação professor-aluno, o jovem aluno pesquisador insere-se nos núcleos fomentadores de linhas de investigação com colegas e professores. A pesquisa, melhor dito, a iniciação científica deverá ser apoiada em pequenos grupos, com se fossem incubadoras, liderados por professores e que queiram desenvolver a investigação como atividade acadêmica. O mais indicado é que tais núcleos componham ou se liguem às estruturas formais, como pró-reitorias de pesquisa e as coordenações que articulam esses núcleos e grupos.
Na universidade moderna, comprometida com a investigação científica, a pesquisa encontra-se programada. O exemplo da nossa alma mater, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), é ilustrativo. Antes da reforma universitária de 1968, havia grupos interessados na investigação mas não formavam consenso. Somente por volta do início dos anos sessenta constituiu-se uma Comissão de Pesquisa, que coordenava os projetos apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que mantém hoje o Programa Brasileiro de Iniciação Científica (PIBIC). Existem outras agências de fomento, como a Financiadora de Projetos (FINEP), a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Mais recentemente, seguindo o exemplo pioneiro do Estado de São Paulo, instituíram-se as fundações estaduais de fomento à pesquisa. Dentre as diversas modalidades de bolsas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) estabelece as de iniciação científica para alunos regularmente matriculados em instituições de ensino superior mediante projeto sob a supervisão de um orientador. É recomendado que os alunos tentem o financiamento dos seus projetos pois é uma maneira de inserção na comunidade acadêmica. Seguindo normas, preenchendo formulários e cumprindo exigências e prazos os estudantes ficam mais habilitados para a investigação. O manual de projetos industriais do professor Melnick, da Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), afirma que “um projeto é um risco calculado”. Não esquecer que um bom projeto sempre encontra um financiador.
Dentre as estruturas acadêmicas e administrativas, no interior das organizações de ensino superior, destacam-se os conselhos superiores de ensino, pesquisa e extensão, coordenadores das atividades científicas,. A atividade investigativa associada ou não à pós-graduação cresce e realiza eventos de disseminação, em seminários ou semanas científicas por faculdade, por universidade ou por entidade representativa de área, a exemplo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), com apresentação de comunicações e com possibilidades de publicações e prêmios. Estamos seguindo o Publish or perish, publica ou desaparece, publica-se ou morre-se para a vida universitária.

1.6. O PROCESSO INVESTIGATIVO
Uma exigência que desejo explicitar é o conhecimento das etapas do processo investigativo O mais indicado é a elaboração por fases, etapa por etapa, (step by step); particularmente, aprendi muito na minha querida The Pennsylvania State University (Penn State), ao elaborar o proposal para a minha tese de doutorado com a doutora Helen Snyder (LEEDY, 1974). É preciso prever os elementos constitutivos da proposta de pesquisa, que deverá conter, essencialmente, três elementos: tema-problema, fundamentação teórica e metodologia. (ARY, JACOBS e RAZAVIEH, 1979)
De início, a escolha do tema. Podemos buscá-lo na nossa experiência profissional, acadêmica ou mesmo estagiária, em alguma teoria ou na revisão da literatura. Começando pela escolha do tema e definição do problema, com justificativa, isto é, por que optamos por determinado tema; seus objetivos, questões orientadoras ou hipóteses. Problematizar o tema tem sido um desafio para o aluno de graduação e, às vezes, para o estudante de mestrado.
Com o tema-problema definido, o passo seguinte muito naturalmente é a busca da sua fundamentação, na literatura concernente ao problema, que inclui estudos e pesquisas anteriores realizados e publicados e que possibilitem a elaboração de resumos. A procura de artigos pelos sites tem sido freqüente pelos alunos. A internet facilita muito a investigação quando consciente e eticamente utilizada.
Por último e em terceiro lugar, como operacionalizar o problema? É a opção metodológica, a eleição do método em conformidade com o problema da pesquisa. É a metodologia que introduz o problema. É preciso preparar tanto o referencial teórico como o metodológico. Como bem conceitua Roberto Yin (2005) “O projeto é a seqüência lógica que conecta os dados empíricos às questões de pesquisa iniciais do estudo, em última análise às suas relações”.
A metodologia intermedeia a problemática com a parte empírica a ser operacionalizada. O certo é que, um bom projeto, com tema e problema definidos, explícita revisão de literatura e clara opção metodológica, além de constituir o início da pesquisa, representa mais de um terço da dissertação monográfica. Os programas brasileiros de pós-graduação têm intensificado a cultura do projeto de pesquisa com desenvoltura (RUDIO p.1998).
Tudo isso nos conduz ao processo investigativo que sintetizo nos seguintes passos e pressupostos (assumptions).
• A pesquisa nasce da formulação do problema.
• Quanto mais discutida a problemática da pesquisa mais clara se torna o seu processo investigativo.
• É a teoria que guia a pesquisa, fundamentando-se na revisão da literatura concernente. Entenda-se por teoria o conhecimento sistematizado e atualizado em determinado área do saber, conforme explica Fábio Appolinário (2004, p.182-183):
conjunto articulado de afirmações ou explicações acerca de um aspecto específico do universo ou do funcionamento da realidade.Ordenamento sistemático de idéias e proposições sobre os fenômenos em determinada área de conhecimento.
• Os objetivos apontam o norte da investigação científica, como alcançá-los? Os objetivos são a rota da investigação. Questione-se: Aonde chegarei com o meu procedimento investigativo?.
• A metodologia da pesquisa permite a construção do conhecimento com o esforço pessoal do aluno, orientado pelo professor.
• Ao grande, famoso e enfático discurso sobre a ciência, é preferível a aprendizagem contínua, modesta, simples, permanente e paciente com alunos, ajudando-os a definir hipóteses, questões, escalas, justificativas e objetivos. A investigação científica é processual, aprende-se por etapas – tema-problema, fundamentação teórica, opção metodológica – redigindo e discutindo com professores e colegas, se possível em grupos, em núcleos temáticos, em seminários para discussão dos projetos de monografias, dissertações e teses.
• O problema desdobra-se em questões que possibilitam a elaboração dos instrumentos: questionário, entrevista, formulário, observação, análise da documentação, análise de conteúdo, análise do discurso, grupo focal, coorte e muito outros ou nas pesquisas quantitativas quando trabalhamos com hipóteses.
• A metodologia depende do problema. O problema é o ponto fulcral em torno do qual gira todo o projeto. Um problema científico só pode ser encaminhado metodologicamente. Um problema de pesquisa não é um problema de engenharia, ensina Kerlinger (1980).
• É o problema que condiciona a metodologia a ser empregada com as suas categorias (LEEDY, 1974).
• As metodologias trabalhadas enriqueceram-se de categorias que permitem a sua utilização. A metodologia histórica, por exemplo, trabalha as fontes primárias e secundárias. Já o levantamento utiliza a coleta de dados pela estatística descritiva. A pesquisa experimental usa bem as variáveis. O estudo de caso, a unidade de análise (YIN, 2002).
• As metodologias mais utilizadas são: a histórica, estudo de caso, delimitação do universo a ser pesquisado; levantamento (survey) com amostragem (BABBIE, 1999), experimental, ex-post facto, bibliográfica, documental e outras.
• O projeto pronto deve ser apresentado e discutido em seminário (BOAVENTURA, 2004).
• Para projetar uma investigação ou escrever um artigo ou projeto é preciso redigir. É o desafio do português escrito para encontrar a expressão científica exata.
Estas observações podem ser sintetizadas na ilustração a seguir:

1.7. A MONOGRAFIA COMO TRABALHO CONCLUSIVO DE GRADUAÇÃO
O projeto de pesquisa para a elaboração da monografia é uma centelha de criação. Inova. Quebra a rotina das provas repetidas. É uma tentativa de construção do conhecimento. Nessas inovações, um realce especial deve ser dado à elaboração de textos científicos como resumos utilizando a paráfrase, isto é, “expressar o significado de alguma coisa, usando diferentes palavras, expressamente para alcançar mais clareza” (OXFORD, 2001, p. 1035). “Interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que a sua letra; metáfrase” (HOUAISS, 2001), expressando com as nossas próprias palavras, mas usando sempre a citação. De simples repetidores, os alunos passam a criadores de conhecimento.
Efetiva-se um dos resultados da aprendizagem com a elaboração da monografia. A formação científica, lembra Severino (2000), começando na graduação, com a metodologia do trabalho acadêmico, faz com que o aluno aprenda a lógica da exposição escrita e oral. (SOLOMON, 1999)
A inclusão da monografia não foi pacífica e continua polêmica em certas instituições de ensino superior (IES). Aceita por muitos e contestada por outros, a monografia deve ser encarada tal como um instrumento de qualificação teórica e metodológica na formação científica do graduando.
Com a monografia, incrementa-se a formação científica na graduação pelo exercício redacional da expressão escrita. Não são muitas as oportunidades de dissertar e expor em vernáculo, com lógica e método na universidade brasileira. Mas, como ordenar as idéias na nossa exposição? (BOAVENTURA, 2003).
Também, com a metodologia científica de análise, o aluno adquire maior qualificação na aprendizagem pelo aprofundamento do tópico monográfico.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) pela NBR 14.724: 2002, assim definiu o trabalho de conclusão de curso (TCC):
Trabalhos acadêmicos – similares (trabalho de conclusão de curso – TCC, trabalho de graduação interdisciplinar – TGI, trabalho de conclusão de curso de especialização e/ou aperfeiçoamento e outros): Documento que representa o resultado de estudo, devendo expressar conhecimento do assunto escolhido, que deve ser obrigatoriamente emanado da disciplina, módulo, estudo independente, curso, programa e outros ministrados. Deve ser feito sob a coordenação de um orientador.
Essa mesma norma orienta a formatação e organização do trabalho acadêmico, constituindo a sua estrutura os elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais.
A monografia como trabalho conclusivo da graduação é um texto eminentemente dissertativo e argumentativo que “consiste no emprego de provas, justificativas, arrazoados, a fim de apoiar uma opinião ou tese ou rechaçar uma e outra”, afirma Maria de Lourdes Siqueira (1999). Assim, tanto a monografia de graduação, do curso de especialização ou de aperfeiçoamento, como também a dissertação de mestrado e a tese de doutorado, são ensaios dissertativos os quais envolvem a explanação de idéias com argumentação, porque o pesquisador, na demonstração dos resultados encontrados, discute dados, informações, provas e evidências.
Do ponto de vista teórico, a Metodologia da Pesquisa ensina os pressupostos teóricos e os instrumentos científicos. A discussão dos conceitos básicos é significativa para o seu emprego na monografia como, por exemplo, problema, relação, hipótese, variável e outros constructos (KERLINGER, 1980). Do mesmo modo, as possibilidades de uso de instrumentos como questionário, entrevista, formulário, observação participante, análise de conteúdo e do discurso e outras técnicas e processos investigativos.
Em resumo, a Metodologia da Pesquisa, objetivando a elaboração da proposta, do relatório de pesquisa, do artigo, enfim, do ensaio metodológico, procede à abertura cartesiana do aluno para o problema do método, para a sua formação científica. É significativa a contribuição da escola francesa pela clareza na exposição, dividindo em partes o assunto a ser exposto, racionalmente, pela concepção do plano. Do mesmo modo, é considerável a abordagem do projeto pelo viés indutivo anglo-saxônico.

1.8. LITERATURA INSTRUMENTAL, ABNT E INTERNET
Para a pesquisa objetiva, fornecem-se os instrumentos capazes de conduzir os estudantes ao rigor científico requerido pela Academia, na produção da monografia. Deve-se seguir, na busca de precisão e clareza, as disposições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para referências, citações e estrutura do trabalho acadêmico. Atenção, portanto, para a NBR 6023:2002 – Referências; NBR 10520:2002 – Citações; NBR 14.724:2002 – Trabalhos Acadêmicos; e, NBR 6024 – Numeração Progressiva das seções de um documento escrito. Há muitas outras normas sobre artigo em periódico, sumário, resumo ou como datar.
Além dos manuais de pesquisa, há a literatura instrumental que, “voltada para subsidiar a pesquisa acadêmica, porém, traz-lhe novos elementos: estruturação das normas segundo a lógica de sua aplicação […]” conforme o “Manual de estilo acadêmico” de Nídia L. Lubisco e Sônia C. Vieira (2003), o qual adotamos na UFBA e na UNIFACS. A literatura instrumental ajuda bastante o aluno e o pesquisador na estruturação dos seus trabalhos acadêmicos desde o formato da capa e folha de rosto até o uso de referências (BASTOS, PAIXÃO, FERNANDES, DELUIZ, 2003; CAMPBELL and BALLOU, 1978).
Nesta mesma linha de raciocínio, é oportuna a palavra de Naomar de Almeida Filho (2003):
Dentre os atributos da comunicação acadêmica de alta qualidade encontram-se a clareza e a precisão, garantias de que a compreensão instantânea ou imediata será facilitada no processo de difusão dos saberes e técnicas. Normas e parâmetros rigorosos de notação, referenciamento e citação permitem o cumprimento destas funções cruciais da comunicação científica e tecnológica (e mais até, incluindo a comunicação artística e cultural). Ademais, no caso específico dos sistemas de citação e referência bibliográfica, a padronização de regras facilita a identificação de autores e de obras, viabilizando a localização das fontes primárias.
Além das normas da ABNT, a aprendizagem faz apelo à internet indo além do conhecido e do transmitido. A visão de Don Tapscott, “aponta que as experiências vivenciadas pela geração Net envolvidas com a mídia digital convergem-se para um novo paradigma no aprendizado” (BLATTMANN e FRAGOSO, 2003, p.31).

1.9. A ÉTICA NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E OS CONSELHOS DE ÉTICA
E que tudo se faça com ética, com honestidade nas transcrições. Os valores morais conduzem ao reconhecimento das autorias com citações e referências. É preciso evitar sempre as diversas modalidades da pirataria acadêmica, encomendas de papers, trabalhos escritos por terceiros, plágios e outros procedimentos não aceitáveis.
Toda faculdade ou toda universidade devia ter o seu conselho de ética, não para censurar, mas para apreciar a elaboração científica de professores e alunos, principalmente, quando se trata de experimentos com crianças e adolescentes, nas escolas, e com doentes e enfermos nos hospitais universitários. É um princípio de que não se deve fazer pesquisas envolvendo seres humanos sem a apreciação pelo conselho de ética da respectiva entidade que a promove (BRASIL, Ministério da Saúde, 1996). A dignidade da pessoa humana e a sua privacidade assim o exigem.
Conforme expõe Elizete Passos (1994, p. 108-109), que tem trabalhado a ética não só nas escolas, como também nas empresas, portanto, nas organizações,
[…] em alguns momentos a ética torna-se tão imperativa e coercitiva, chegando a identificar-se com o direito. Contudo, esse não é o seu caminho. Sua proposta original visa levar os indivíduos a optarem por uma determinada forma de agir, de maneira natural e sem coação. Colocar em prática essa visão ou invertê-la depende do “ethos” de cada sociedade. Numa sociedade marcada pela existência de classes antagônicas, certamente, a orientação doutrinária em vigor conduzirá muito mais a valores coercitivos do que numa sociedade onde essa dicotomia não exista.
Apesar de todo o esforço desprendido pelas sociedades no sentido de impor uma única orientação moral, capaz de escamotear os conflitos, apresentando as instituições como organizadas e harmônicas, nem sempre é possível, uma vez que as classes subalternas elaboram uma cultura própria, de tendências mais democráticas e independentes, o que nos leva a inferir acerca dos valores como entidades diferentes dos simples objetos comuns, uma vez que não são irracionais e mecânicos e sim produtos da práxis social.[…]

Desse modo, mesmo sabendo que a prática moral decorre de uma atitude de escolha individual, em virtude da sua liberdade interior, ela se baseia em valores que o indivíduo adquire nas relações sociais, pois o ser humano vive numa atmosfera moral onde em toda parte respira as influências da moral estabelecida, a qual objetiva o controle ou igualização dos comportamentos sociais, a fim de evitar as tensões decorrentes dos choques entre os interesses individuais e as necessidades sociais. Disso infere-se que a prática moral não se dá por acaso. Ela, como toda atividade humana, dá-se articulada com o projeto global da sociedade, o qual pressupõe uma certa concepção do homem, da vida e da cultura.(PASSOS, 2004).

2. A CONTRIBUIÇÃO DA METODOLOGIA DA PESQUISA
Buscando a aplicação da metodologia trabalhada em sala de aula, no primeiro semestre de 2005, pelas alunas que terminaram a disciplina Metodologia da Pesquisa, no Mestrado em Direito, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no final do período, solicitei-lhes que relatassem, na sua experiência como estudantes, sobre a contribuição da disciplina para o projeto de dissertação com o qual ingressaram no Mestrado. Esta solicitação deu origem aos depoimentos a seguir registrados.

2.1 SÍLVIA LORENA VILAS BOAS SOUZA:
• Quanto à metodologia
A metodologia empregada, da mesma forma, é de fundamental relevância, já que ela operacionaliza o problema. É o instrumento, o processo investigativo, ou seja, é a parte empírica da pesquisa.
• Quanto às Normas da ABNT:
Compreendi a importância da utilização das normas da ABNT. Estas normas, propiciam uma leitura ordenada, estética e atraente do projeto de dissertação. Não são normas que devem ser relegadas a um segundo plano, muito pelo contrário! Tenho certeza de que, neste momento, caminho na direção certa. Meu projeto já está refletindo este progresso.
• Quanto aos enfoques da investigação científica:
As aulas enriqueceram meus conhecimentos sobre os filósofos e as doutrinas científicas. Conheci, de modo profundo, as posições de Descartes, Popper, Kuhn, Laudan, Habermas e Weber, para citar alguns. Isso tudo foi muito positivo, já que a “minha pequena bagagem intelectual” está mais pesada. Aprendi com o mestre que quando não se assiste a qualquer das aulas do mestrado, a perda já é enorme. Uma aula perdida é uma lástima. Realmente, não dá para recuperar.

2.2. FLÁVIA MARIMPIETRI:
• Quanto à disciplina:
Ao ingressar no mestrado, não sabia nem ao menos definir com clareza meu tema-problema, não fazia idéia de como definir objetivos, tampouco tinha noção sobre metodologia e normas da ABNT. Em relação a esta última foi a partir de então que tirei lições valiosas como emprego correto dos algarismos arábicos para títulos e subtítulos, padrões para espaçamento e recuo dos parágrafos, local das citações em função do tamanho das mesmas, como usar corretamente abreviaturas, siglas e imagens.
• Quanto ao tema-problema
Foi esta disciplina que me ajudou a definir algo que me angustiava demais por sua enorme importância — meu tema e meu problema.
A compreensão do tema e do problema como cernes de toda a pesquisa e a importância do entendimento claro de sua formulação para a condução do tipo de metodologia, forma da pesquisa e orientação dos resultados, foi algo absolutamente novo e gratificante para mim.
• Justificativa e relevância do problema
Quando da elaboração da justificativa e relevância do tema a tarefa não se apresentou tão difícil, pois acostumados a defender pontos de vista e de demonstrar a relevância dos mesmos para o convencimento do juiz, não houve muitas dúvidas e questões. Os profissionais do direito estão acostumados a convencer e justificar as teses que defendem nas audiências.
Contudo, os profissionais desta área, assim como eu, mesmo habituados a escrever muito quando Ihes fornecem qualquer tema, têm enorme dificuldade de definir seus próprios temas. A questão torna-se ainda pior, quando da elaboração dos objetivos (geral e específico), onde escrevemos laudas e laudas sobre algo que deveria ser simples e conciso. A clareza e a definição dos meus objetivos foi outro enorme ganho que obtive com a matéria.
• Revisão de literatura
Aprendi ainda, o significado de uma revisão de literatura e como organizá-Ia a fim de compor opiniões de vários autores sobre meu tema para que seja possível estabelecer um referencial teórico que sirva de marco para a discussão.Compreender o conceito de revisão de literatura e assimilá-Io no sentido da exposição de autores e opiniões anteriormente elaboradas sobre o tema, tornou mais fácil a compilação dos diversos entendimentos já consagrados na doutrina e jurisprudência, para então poder concordar ou discordar, bem como, formar minha própria opinião.
• Pesquisa como solução de problema
Outra contribuição foi a percepção sobre o que realmente significa a metodologia para minha pesquisa, que me fez conhecer os diversos métodos da mesma. Partindo daí, pude definir o método bibliográfico e documental como o melhor para a minha dissertação. Entender a resolução do problema como metodológica e não prática, também ajudou muito a condução da forma da pesquisa. Compreender o problema científico como questão a ser solucionada no sentido de afirmação ou negação através de processos de investigação, discussão e solução ajudou-me a sistematizar as questões do meu tema e a forma de conduzir as investigações para a solução.
Assim pude entender que o meu problema de pesquisa reside em saber através do estudo e pesquisa científica, se determinadas ações consumeiristas (revisional e indenizatória por dano moral) podem ser qualificadas como abuso de direito processual, bem como, investigar a existência jurídica deste último instituto e determinar suas conseqüências. Conclui que para tal intento, as melhores metodologias seriam a bibliográfica e documental, pois além de serem as mais adequadas à pesquisa jurídica, podem me fornecer importantes elementos para minha pesquisa a exemplo de opiniões de autores consagrados, a manifestação da jurisprudência e a forma como o problema vem sendo tratado até hoje pela doutrina em geral.
• Ordenar as informações
Através da disciplina aprendi ainda a ordenar as informações que possuía sobre o tema, através de fichamento de todo o material lido para uma melhor organização e consecução de uma boa fundamentação teórica, vez que, teses e opiniões possuem pouca validade sem uma coerente e abundante fundamentação teórica. É preciso também ler com profundidade e preocupar-se mais com a qualidade da leitura em função da sua fonte, autor e coerência da sua exposição, do que com a quantidade de obras lidas.

2.3. ELKE BRAID PETERSEN:
Ao longo do curso, aprimorei aspectos do meu anteprojeto como a definição clara do tema, com a sua problematização, a delimitação de objetivos, geral e específicos, aprendendo, inclusive, a diferença entre conceitos fundamentais para a metodologia.
Depois, corrigi o anteprojeto na parte das referências, fazendo-as corretamente, de acordo com as normas atuais da ABNT, passando, em seguida, para o aprendizado do que vem a ser uma revisão de literatura e como esta deve ser feita da maneira mais organizada, a fim de que nenhum conhecimento adquirido, principalmente o advindo das fontes bibliográficas, perca-se com o passar do tempo.
Superada esta fase, passamos, em sala, ao estudo das diversas metodologias científicas, tanto as atinentes à construção do conhecimento das ciências naturais quanto às aplicadas às ciências sociais, onde cada aluno pôde expor uma corrente metodológica, fazendo-se extrair, desses seminários, contribuições para o projeto individual.
Por fim, conclui o meu aprendizado na disciplina aludida, ajustando a metodologia a ser utilizada especificamente no meu projeto de dissertação, reconhecendo que a mesma é de fundamental importância para se fazer uma boa pesquisa de um problema resolvível, e mais ainda, que é imprescindível para a solução do mesmo, já que serve a metodologia de baliza para a conclusão de cada etapa do trabalho, uma vez que oferece um esquema lógico para o pesquisador ir concretizando, uma a uma, as partes componentes de uma dissertação.

3. CONCLUINDO TÓPICOS DE UMA EXPERIÊNCIA
Este relato de uma experiência de ensino que se encontra em curso é dirigido aos colegas professores, às alunas, aos alunos, aos servidores que trabalham na graduação, suscitando e formatando propostas para a monografia conclusiva do curso. As alunas e os alunos que têm seguido essas indicações conseguem elaborar seus trabalhos acadêmicos. No nível da graduação, tenho insistido no uso intensivo e correto das normas da ABNT porque elas ajudam a estabelecer clareza e precisão. Com esses estudantes prefiro discutir questões de pesquisa do que fazer um ontológico discurso sobre a ciência, embora tenha sempre como uma constante o estudo dos fundamentos teóricos e metodológicos em Descartes, Bacon, Popper, Khun, Laudan, Weber e Harbemas, quando ministro metodologia da pesquisa para os programas de Doutorado (FEIJÓ, 2003).
Em uma comunidade, temas e problemas podem ser investigados pelos alunos, como a média e pequena empresa comercial, o impacto no meio ambiente da fruticultura, o consumo de bovinos e caprinos na dieta sertaneja, as informalidades das empresas formais, a memória institucional das universidades e muitos outros problemas. Com esses temas, ensina-se, não passivamente, repetindo o que se encontra nos livros, mas questionando e problematizando, que é uma atitude mais efetiva de desenvolver o raciocínio.
A iniciação científica efetiva-se, via de regra, com professores e em núcleos temáticos pela discussão com alunos, professores e convidados; pela exposição em painéis e seminários dos projetos de pesquisa em semanas científicas e seminários; pela apresentação de comunicações, artigos e informes em reuniões científicas nacionais e internacionais; enfim, pela publicação de artigos conjuntos ou não de alunos e professores. Para tanto, são imprescindíveis diretrizes e programações de pesquisa como nascente produção científica, como são as monografias conclusivas da graduação e as dissertações de mestrado.

4. REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, Naomar. Apresentação. In: LUBISCO, Nídia M. L.; VIEIRA, Sônia C. Manual de estilo acadêmico: monografias, dissertações e teses. Salvador: EDUFBA, 2003. p. 7.
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