FUNÇÃO PROMOCIONAL DO DIREITO E SANÇÃO PREMIAL NA PERSPECTIVA METODOLÓGICA DE DURKHEIM

Publicado: dezembro 31, 2013 em Artigo

Gisane Tourinho Dantas[i]

 

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A metodologia da pesquisa científica. 2.1 O método de pesquisa de Durkheim aplicado ao Direito. 2.2 Breve análise do método de pesquisa em Boaventura, Feyerabend, Popper e Descartes. 3 A sanção na Teoria geral do direito contemporâneo. 3.1 Conceito de sanção. 3.2 A sanção positiva e a sanção negativa. 4 A função promocional do direito e a sanção premial. 5 Função promocional do direito e sanção premial na perspectiva metodológica de Durkheim. 6 Conclusões. 7 Referências.

 

1 INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo ou hipermoderno, a metodologia na pesquisa do direito ganha contornos cada vez mais acentuados, considerando a profusão, divulgação e acesso facilitado ao conhecimento científico e a um vasto material sem conteúdo científico.

É nesse mundo contemporâneo, também, que o Estado assume novas funções, como a de promover políticas públicas, incentivando os administrados a praticarem determinados comportamentos. É que se compreende por função promocional do direito.

A metodologia sociológica de Durkheim pode ser aplicada ao Direito, na exata medida em que busca ser uma metodologia objetiva, de identificação e definição do objeto de estudo para melhor compreendê-lo e, principalmente, de compreender a função do fato social.

Nesse sentido, e trazendo essas ideias para o Direito, o presente estudo buscará definir o que seja sanção e função promocional do direito para, então, delimitar a importância do uso da técnica de sanção premial.

Buscar-se-á, ainda, identificar a compatibilidade da adoção da metodologia de Durkheim no estudo da função promocional do direito e da sanção premial, sem olvidar a complementação metodológica abordada por Boaventuara, Popper, Descartes e Feyerabend.

A técnica da sanção premial implica numa maior participação popular e no papel transformador da sociedade, na medida em que comportamentos socialmente desejados são incentivados, pelo Estado, a serem praticados pelos administrados, em troca de uma recompensa.

A consequência é que esses comportamentos podem acabar sendo incorporados pelo inconsciente popular, de modo a serem condutas esperadas, colocando em xeque comportamentos pretéritos, vistos, agora, como nocivos. É o progresso social em pleno vigor.

 

2 A METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

A pesquisa científica não se confunde com o conceito amplo, vulgar de pesquisa[ii], pois neste tipo de pesquisa há a busca de uma informação, sem preocupação com os métodos utilizados para a coleta dos dados e com a elaboração da conclusão. Já a pesquisa científica tem o objetivo de buscar o conhecimento, de forma séria, objetiva e racional e, para tanto, utiliza-se de uma metodologia de pesquisa.

Anna Florência alerta que há muita confusão sobre o que seja, de fato, pesquisa científica, entendendo alguns, equivocadamente, que uma simples compilação ou cópia de informações desordenadas ou de diversas opiniões sobre determinado tema seria um trabalho científico. Ela chama atenção para o fato de que o pior de tudo é que os dados e opiniões coletados não são devidamente referenciados[iii].

Por essa razão, ela criou uma apostila de metodologia científica para auxiliar os estudantes na pesquisa científica no Curso de Administração da PUC de Minas Gerais[iv].

Por essa razão, o correto emprego da metodologia na pesquisa científica é de fundamental importância para a qualidade do trabalho.

O item a seguir abordará a metodologia de pesquisa de Durkheim e sua aplicação no direito.

 

2.1 O método de pesquisa de Durkheim aplicado ao direito

Émile Durkheim[v] é considerado um dos pais da Sociologia moderna.  Na sua obra As regras do método sociológico, ele afirma que, antes de estudar o método dos fatos sociais, necessário se faz entender o que seja fato social:

[…] um fato social reconhece-se pelo poder de coerção que exerce ou o suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a persença desse poder se reconhece, por sua vez, pela existência de uma sanção determinada ou pela resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tende a violá-lo.No entanto, podemos defini-lo também pela difusão que tem no interior do grupo,  desde que, de acordo com as observações precedentes, se tenha o cuidado de acrescentar como segunda e essencial característica que ele existe independentemente das formas individuais que toma ao difundir-se.[vi]

A partir dessa premissa, Durkheim estabelece a primeira e a mais fundamental regra do método científico empregado para os fatos sociais: considerar o fato social como coisa[vii]. Sustenta que “a matéria principal da sua sociologia é o progresso da humanidade no tempo”[viii].

A metodologia científica de Durkheim para os fatos sociais é objetiva, utiliza um dos preceitos de Descartes que é o de afastar todas as prenoções, e Émile Durkheim explica que a primeira etapa a ser cumprida pelo sociólogo é a de definir aquilo de que trata, para que se saiba e para que ele saiba bem o que está em causa.

A pesquisa científica deve ser objetiva, racional, livre de qualquer prenoção e, o mais importante, deve ter seu âmbito de pesquisa delimitado.  Todas essas regras são plenamente aplicáveis à pesquisa no direito.

Durkheim acredita que o crime é necessário para a vida social e útil para a evolução normal da moral e do direito, e afirma que a “função de um fato social deve ser sempre procurada na relação existente entre ele e um determinado fim social”.[ix]

Outro ponto importante da metodologia sociológica de Durkheim e que pode ser aplicada ao direito é a busca da função do fato social. Segundo ele, “a função de  um fato social deve ser sempre procurada na relação existente entre ele e um determinado fim social”[x]Ademais, como já visto, sua teoria do fato social tem como premissa fundante o poder de coerção, também existente no direito, como se verá oportunamente.

No sub-tópico abaixo, serão analisados outros métodos científicos que se complementam à metodologia de Durkheim para a pesquisa científica no direito.

 

2.2 Breve análise do método de pesquisa em boaventura, Feyerabend, Popper e Descartes

No mundo contemporâneo ou hipermoderno[xi], a metodologia na pesquisa do direito ganha contornos cada vez mais acentuados, considerando a profusão, divulgação e acesso facilitado ao conhecimento científico e a um vasto material sem conteúdo científico.

Para essa nova dinâmica, Boaventura de Sousa Santos alerta para o fato de que se vive uma crise de paradigma da ciência moderna, e que neste período de transição, em busca da consolidação de um novo paradigma cientifico, é preciso recorrer à simplicidade das perguntas, “perguntas que, como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade”, e que a ciência pós-moderna reconhece a necessidade de deixar-se penetrar por outras formas de conhecimento, admitindo-se, assim, uma pluralidade metodológica [xii].

Em relação, ainda, à pluralidade metodológica, explicitam-se também as advertências de Paul Feyerabend[xiii], que entende que não há um único método eficaz, de modo que admite que todas as metodologias possuem seus próprios limites, sendo que a forma mais adequada de buscar o conhecimento cientifico  na contemporaneidade – que não é mais a “busca da verdade”-, seria a pluralidade metodológica (anarquia metodológica), em virtude de ser compatível com uma perspectiva humanista.

Popper[xiv] alerta que o caráter, a qualidade do problema, a audácia e a originalidade da solução sugerida, determinam o valor ou a ausência do valor de uma pesquisa científica, de modo que elaborar-se-á de forma mais clara e precisa do problema da pesquisa. Portanto, buscar-se-á atenção na presente pesquisa para que a elaboração do problema seja simples e precisa e que a construção dos argumentos da hipótese seja clara.

Não sendo, contudo, um contraponto aos demais métodos acima analisados, o método dedutivo de abordagem proposto por René Descartes[xv], nas suas obras O Discurso do Método e Regras para Direção do Espírito, preconiza que a pesquisa terá início com a divisão do problema científico em unidades de questionamento simples, estruturando-se a solução de cada uma delas, até chegar às questões mais complexas, e, antes da conclusão final deverá ser realizadas enumerações e uma revisão geral do quanto analisado.

Compreendidas outras metodologias complementares àquela proposta por Durkheim, o tópico a seguir abordará a sanção na teoria geral do direito contemporâneo para, em seguida, verificar a aplicabilidade da metodologia de Durkheim na função promocional do direito.

 

3 A sanção na Teoria geral do direito contemporâneo

Na teoria geral do direito contemporâneo, a sanção negativa abre espaço, também, para a sanção positiva, como se verá a seguir. Contudo, antes, convém conceituar sanção.

 

3.1 Conceito de sanção

É de bom alvitre tratar das premissas postas por Kelsen na sua obra Teoria Pura do Direito. O princípio metodológico fundamental da teoria pura do direito é o de garantir o conhecimento direcionado apenas ao objeto do Direito. Ela é uma teoria do direito positivo, mas que também possibilita, segundo Kelsen, uma teoria da interpretação[xvi].

Kelsen entende que o Direito é um sistema de normas que regulam a conduta humana. Um ato externo será jurídico quando ele receber significação jurídica por meio de uma norma, atribuindo ao ato caráter lícito ou ilícito, e não em razão da facticidade do ato. Portanto, essa norma funciona como meio de interpretação e, o interessante é que essa norma (que atribui ao ato o seu caráter jurídico) é ela própria também produzida por um ato jurídico.[xvii]

Norma, segundo, Kelsen é “algo que deve ser ou acontecer”, ou seja, “o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada”, e o ato de vontade de que a norma constitui o sentido é um ser[xviii].

Quando uma conduta prescreve determinada conduta como devida, a conduta fática/real pode corresponder à norma ou contrariá-la, e o juízo acerca da conduta real pode corresponder a bom ou mal (valor em sentido objetivo). É a valoração jurídica.[xix]

Toda ordem social, e o Direito como uma dessas ordens, é coativa e, portanto, provida de sanção. Kelsen afirma que as sanções estabelecidas numa ordem social possuem caráter socialmente imanentes e caráter transcendente.

Sanção transcendente é aquela que, de acordo com a crença das pessoas sujeitas ao ordenamento, provém de um plano supra-humano, enquanto que a sanção imanente é aquela realizada dentro do seio da sociedade e executadas pelo próprio homem, e que pode significar na aprovação ou desaprovação da conduta, ou, até, mesmo em determinados atos específicos, impostos pelo ordenamento (sanção socialmente organizada). O Direito se enquadra nesta última situação.[xx]

O Direito, enquanto ordem coativa que é, possui normas que “estatuem atos de coação atribuíveis à comunidade jurídica”[xxi]. Contudo, a coação não é, inevitavelmente, física, salvo quando houver alguma resistência. A coação psíquica, que reside na motivação, é exercida em todas as ordens sociais, inclusive no Direito.

Uma ordem coercitiva como o Direito somente será considerada válida, para Kelsen, quando for globalmente eficaz. Ele sustenta:

[…] a norma fundamental que representa o fundamento de validade de uma ordem jurídica refere-se apenas a uma Constituição que é a base de uma ordem de coerção eficaz. Somente quando a conduta real (efetiva) dos indivíduos corresponda, globalmente considerada, ao subjetivo dos atos dirigidos a essa conduta é que este sentido subjetivo é reconhecido como sendo também o seu sentido objetivo, e esses atos são considerados ou interpretados como atos jurídicos.[xxii]

A definição do Direito, pressuposta na norma fundamental, implica que somente se considera como prescrita uma conduta, quando a conduta oposta seja posta como norma de pressuposto de um ato coercitivo, dirigido contra os indivíduos, de modo que o ato de coação não necessita ser prescrito com esse sentido, pois sua decretação e execução podem ser apenas autorizadas[xxiii].

Entender o Direito como ordem coercitiva corresponde, para Kelsen, às normas a que se ligam uma sanção à não-aplicação ou não-execução. Ademais, corresponde, ainda, às normas que atribuem competência ou poder para a prática de uma conduta e, também, às normas que permitem a prática de certas condutas, na medida em que são normas não-autônomas e estão ligadas essencialmente a normas estatuidoras de atos de coerção[xxiv]. Kelsen alerta que a única hipótese de norma destituída de sanção seria aquela correspondente a uma obrigação natural.

O Direito, portanto, nas palavras de Hans Kelsen, “não tem caráter exclusivamente prescritivo ou imperativista”. Segundo ele, as “modernas ordens jurídicas, também, contêm, por vezes, normas através das quais são previstas recompensas para determinados serviços, como títulos e condecorações”. Entretanto, ressalta que essa não é característica comum a todas as ordens jurídicas em tampouco sua função essencial[xxv].

Cossio aduz que a própria estrutura da norma jurídica destrói a ideia de que ela seja uma ordem, um comando. E exemplifica:

Pero más importante […] es compreender que la própria estructura de la norma jurídica destruye sin réplica la idea de que ella sea una orden o mando; pues si admitimos que la ley manda no matar, hay que admitir también que ella faculta matar e ir a la cárcel, siendo imposible de concebir que ella ordene lo contrario de aquello que autoriza por outro lado.[xxvi]

Miguel Reale[xxvii] afirma que a possibilidade de violação do Direito é inerente a ele mesmo, como fator de exercício da liberdade.

Para ele, a sanção e coação são duas noções distintas, mas que têm correlação, assim, como o gênero está para a espécie. Sanção é “toda consequência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório”, e explica que, quando a medida se reveste de força física, denomina-se coação, de modo que a coação é uma sanção de ordem física.[xxviii]

Sustenta, ainda, que as sanções são medidas que visam assegurar a execução das regras de direito, desde a declaração da nulidade de um contrato, até mesmo a outorga de vantagens destinadas a facilitar o cumprimento de determinados preceitos. E essas medidas podem ser preventivas, repressivas ou premiais.

No item a seguir, será realizada a distinção entre sanção positiva e sanção negativa.

 

3.2 A sanção positiva e a sanção negativa

A finalidade primordial do Direito é solucionar conflitos e manter a pacificação social, sendo insuficiente um direito destituído de conteúdo ético. Assim, a relação entre direito e o processo de sua produção não é de caráter instrumental, mas sim de natureza integrativa e substancial[xxix].

Paulo Bezerra afirma que “todo o processo de produção do direito deve cumprir sua função social”, ou seja, a atividade do indivíduo ou de suas organizações devem ser desenvolvidas para atender a interesses ou obter resultados que ultrapassem os interesses do agente, não importando se essas atividades implicam em poder, competência, dever ou exercício de direito[xxx].

O direito estabelece e assegura a ordem social, mas também pode servir de instrumento de transformação. Nesse sentido, o direito possui duas funções básicas, segundo Bezerra[xxxi]: conservadora, pois corresponde ao elemento estático da realidade social, e a função transformadora, ligada ao aspecto dinâmico da sociedade (influências recíprocas dos diversos fatores condicionantes da vida em grupo). Nesse âmbito, o direito torna-se também fator de educação social, seja na função transformadora ou conservadora do direito[xxxii].

O sistema jurídico é uma ordem teleológica de princípios gerais de direito, é aberto (incompleto e assim, evolui e se modifica), de modo que são esses princípios o fator de conexão aglutinadora das normas que compõem esse sistema.[xxxiii]

Portanto, compreender a norma e a sanção é uma questão relevante no Estado Contemporâneo, e o juiz, em consequência, passa a ter um papel mais fundamental na interpretação e na aplicação normativa.

A ordem social pode prescrever uma conduta humana sem ligar a ela qualquer consequência contra a observação ou não do imperativo nela posto, ou pode ligar a esta conduta uma consequência, que poderá ser uma vantagem, um prêmio ou uma desvantagem, como a pena. Tanto o prêmio como o castigo inserem-se no conceito de sanção[xxxiv].

Kelsen sustenta que as sanções, em seu sentido próprio, aparecem na ordem jurídica dos Estados de duas maneiras: como pena (sentido estrito) ou como execução (execução forçada). Já no direito internacional geral, as sanções representam uma privação compulsória de bens e até uma lesão de interesse de um Estado sobre  outro Estado, através das represálias e das guerras[xxxv].

Miguel Reale afirma que as sanções são medidas que visam assegurar a execução das regras de direito e, até mesmo, a outorga de vantagens destinadas a facilitar o cumprimento de determinados preceitos, de modo que as sanções podem ser preventivas, repressivas ou premiais[xxxvi].

O que importa é a espontaneidade ou não do agente, razão pela qual se a conduta de alguém “não resulta espontaneamente de uma escolha decorrente do valor intrínseco do objeto escolhido, mas é fruto do cotejo de alternativas impostas por outrem, fala-se em coação, e esta é, assim, objetiva”[xxxvii].

Reale, ao tratar da coação virtual e da coação atual, relembra a diferença entre ato e potência em Aristóteles, para quem potência seria “a possibilidade de que algo venha acontecer ou verificar-se, quer inexoravelmente (possibilidade como momento de um processo que tem de ser), quer normativamente”, este último entendido como processo que deve ser.

Segue afirmando que é a tendência ao recurso da coação que é essencial à ordem jurídica, não sendo de sua essência “a inexorável passagem do virtual para o atual, pelo menos enquanto nos situarmos de um ponto de vista lógico ou deontológico”, de modo que o Direito é logicamente coercível, e não juridicamente coercível, considerando a possibilidade de execução forçada.[xxxviii]

Não existe norma sem sanção. Conforme se depreende do que já foi exposto, Kelsen entende que a ação ou omissão determinada pela ordem jurídica representa o fato designado como delito ou ilícito, e “o ato de coação estatuído como sua consequência representa a consequência do ilícito ou sanção”.

A noção de sanção positiva é deduzida, a contrario sensu, da definição de sanção negativa. A sanção negativa é aquela em que se retribui o mal com o mal, por meio do castigo. Já a sanção positiva, consiste em um prêmio em razão de uma conduta boa[xxxix].

O mal do castigo e o bem do prêmio podem consistir na atribuição de uma vantagem ou na privação de uma desvantagem, razão pela qual, tanto as sanções positivas como as negativas podem ser atributivas ou privativas.

Interessante a observação de Bobbio, no sentido de que a sanção premial pode consistir em um prêmio econômico (uma compensação em dinheiro, v.g.), em um bem social (passagem para um status superior), um bem moral (condecorações e honrarias) ou um bem jurídico (privilégios). O mesmo ocorre em relação à sanção como castigo: como “mal econômico (uma multa), social (banimento), moral (desonra), jurídico (perda da capacidade de elaborar testamento), ou físico (de açoites à decapitação)”.[xl]

As sanções negativas podem ser medidas reparadoras, a exemplo do ressarcimento do dano, ou medidas retributivas, como é o caso da pena propriamente dita. E essa distinção também de aplica às sanções positivas. Já as sanções positivas podem ter função retributiva, na medida em que é uma reação favorável a um comportamento que traz vantagem à sociedade, ou podem ter função compensatória, quando visam compensar o agente do esforço realizado ou das despesas assumidas, ao proporcionarem uma vantagem à sociedade. As indenizações são face dessa função compensatória das sanções positivas[xli].

No próximo item, será estudada a função promocional do Direito e a sanção premial.

 

4 função promocional do direito e a sanção premial

A teoria geral do direito, na contemporaneidade, concebe o direito, não apenas na sua função repressiva, mas também na sua função promocional.

Bobbio[xlii] afirma que, na teoria geral do direito contemporâneo, ainda é dominante a concepção repressiva do direito, entendendo-se o direito como ordenamento coativo.

Contudo, com o aumento das normas de organização, característico do Estado contemporâneo, torna-se cada vez mais usual a técnica do encorajamento de uma conduta, de modo a abandonar a tradicional imagem do direito como ordenamento protetor-repressivo, dando-se destaque ao ordenamento jurídico como função promocional[xliii].

O Estado contemporâneo atua intervindo na ordem social. Eros Grau entende que o Estado intervencionista desencadeia um salto qualitativo, que acaba por enriquecer o conteúdo da atuação estatal, pois essa intervenção, além de ser como produtor do direito e provedor de segurança, também usa o direito positivo como instrumento de implementação de políticas públicas[xliv].

Por essa razão, Grau resume que a “mão invisível” de Adam Smith, no Estado liberal, é substituída pela mão visível do Estado contemporâneo[xlv].Essa nova atuação estatal – intervencionista na ordem social- gerou reflexos na teoria geral do direito, considerando que as funções do direito deixaram de ser questão atinente à sociologia.

O direito posto ou positivo é aquele produzido pelo Estado (direito formal), enquanto que o direito pressuposto, segundo Eros Grau[xlvi], é produto cultural produzido pelo povo, razão pela qual, entende que somente o direito pressuposto, que é fundamentalmente princípios, é comprometido com a justiça.

Grau ainda afirma que, quando o conjunto das consciências individuais admite que a reação social contra sua violação pode ser socialmente organizada, tem-se o surgimento da norma posta (oriunda da norma pressuposta).[xlvii] E a ideia de direito pressuposto, segundo Grau, remonta a Marx.

O Estado contemporâneo, ao atuar na execução de políticas públicas (sociais e econômicas), implica no fato de que o direito acaba por funcionar como instrumento de implementação dessas políticas de maneira intervencionista.

A diferença primordial entre o ordenamento protetivo-repressor e o promocional reside no fato de que ao primeiro interessam os comportamentos socialmente não desejados, considerando que seu objetivo é impedir, ao máximo, a sua prática, enquanto que ao ordenamento jurídico promocional interessam os comportamentos socialmente desejáveis[xlviii].

A função promocional do Direito objetiva, dessa maneira, tutelar e, também, provocar o exercício de atos conformes, na medida em que torna os atos proibidos repugnantes e os atos permitidos particularmente atraentes (sanção premial).

Quanto à posição da sanção positiva na estrutura da norma, verifica-se, assim, que a estrutura da norma kelseniana mantém-se incólume com a função promocional do Direito, considerando que haverá uma norma primária (que prescreve a conduta) e uma norma secundária (que prescreve a sanção, no caso, a sanção premial). A única diferença é que na norma secundária será elencada a condição para que o prêmio seja concedido ao administrado.

No próximo item, será estudada a função promocional do direito na perspectiva da metodologia de Durkheim.

 

5 Função promocional do direito e sanção premial na perspectiva metodológica de Durkheim

A metodologia científica de Durkheim, como visto, é objetiva, tem o condão de afastar todas as prenoções para a investigação científica e aponta como passo fundamental para o pesquisador a delimitação do objeto de estudo. Essas regras são aplicáveis ao direito.

O método científico do estudo dos fatos sociais, nesse sentido, é compatível com o estudo da função promocional do direito, na medida em que aquele analisa a coação social, e aqui na função promocional do direito, também tem como foco uma coação, só que jurídica.

Não obstante, há, ainda, coincidência quanto ao estudo da função social e é justamente este tópico o mais importante, data venia,  para a análise da função promocional do direito. Isto porque, na metodologia de Durkheim, entende ele que o estudo dos fatos sociais tem que ter a perspectiva de sua função. Ora, é justamente a função o corolário da sanção premial, ou seja, a sanção premial é expressão da função promocional do direito.

Significa dizer que o direito não é visto apenas como estrutura, como aponta Kelsen, pois o direito tem que ser assumido, na contemporaneidade, enquanto sua função.[xlix]

O método sociológico de Durkheim aplicado ao direito encontra amparo, data venia,  também em Larenz[l], considerando que este entende que é grande a utilidade que a ciência dogmática do direito pode esperar da sociologia jurídica que trata do papel do direito nos processos sociais, isto é, de sua função social.

Larenz afirma, inclusive, que a sociologia do direito é a única ciência possível sobre o direito porque não se restringe às palavras, mas a todos os fatos que servem ao Direito, por meio do método indutivo, ou seja, por meio da observação dos fatos e reunindo experiência sobre o conhecimento da essência das coisas.[li]

Dessa maneira, resta evidenciada a compatibilidade da adoção da metodologia de Durkheim no estudo da função promocional do direito e da sanção premial.

 

6 CONCLUSÕES

A identificação da concepção repressiva do direito como ordenamento coativo é posição ainda dominante na teoria geral do direito. Contudo, essa postura tem se modificado com o Estado contemporâneo, que passou a exercer mais tarefas, inclusive aquelas de promoção das políticas públicas. Esta é a função promocional do direito.

Tal função promocional tem por objetivo incentivar a adoção de determinados comportamentos, na medida em que torna os atos proibidos repugnantes e os atos permitidos particularmente atraentes. A resposta aos atos permitidos atraentes é a sanção premial.

Restou evidenciado no trabalho a compatibilidade da adoção da metodologia de Durkheim no estudo da função promocional do direito e da sanção premial, tendo em vista que ele entende que o estudo dos fatos sociais tem que ter a perspectiva de sua função. E é justamente a sanção premial expressão da função promocional do direito.

Foi visto ainda a complementaridade metodológica abordada por Boaventura e Feyerabend, no estudo da função promocional do direito, na medida em que admitem a pluralidade metodológica para facilitar o acesso ao conhecimento científico na hipermodernidade ou contemporaneidade.

Os ensinamentos de Popper também foram relevantes porque esclarecem que a qualidade do problema, a audácia e a originalidade da solução sugerida, determinam o valor ou a ausência do valor de uma pesquisa científica, assim como as lições de Descartes, na medida em que explica que uma boa pesquisa científica deve ter como início a divisão do problema científico em unidades de questionamento simples, a fim de facilitar o estudo.

Sem sombra de dúvida, a sanção premial implica no papel transformador da sociedade, na medida em que aumenta a participação popular na condução das políticas públicas, ao praticarem atos socialmente desejados e incentivados pelo Estado, em troca de uma recompensa, de um prêmio.

Esses comportamentos socialmente desejados e incentivados podem acabar sendo incorporados pelo inconsciente popular, de modo a serem condutas esperadas, colocando em xeque comportamentos pretéritos, vistos, agora, como nocivos. Dessa maneira, a sociedade evolui, e, em consequência, o direito como ordem social, também se transforma.

 

7 REFERÊNCIAS

ARRANJO. Wikipédia. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Durkheim#Refer.C3.AAncias>. Acesso em: 27 Jun. 2012;

BEZERRA, Paulo César Santos. Sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2010;

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007;

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.Acesso em: 25 Jun.2012;

COSSIO, Carlos. La valoración jurídica y la ciencia del derecho. Buenos Aires: Ediciones Arayú, 1954;

DESCARTES, René. Discurso do Método. Regras para a Direção do Espírito.  – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Martin Claret, 2001;

DROMI, Roberto. El Derecho Público em la Hipermodernidad. Madri-México: Hispania Libros, 2005;

Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, decisão, dominação. 6 ed. rev.ampl. São Paulo: Atlas, 2011;

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros;

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009;

LARENZ, Karl. Metodología de La Ciencia Del Derecho. España: Editora Ariel, 2009;

PINTO, Anna Florência de Carvalho Martins. METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO: planejamento, estrutura e apresentação de trabalhos acadêmicos, segundo as normas da ABNT. 2010 Monografia. (Curso de Administração) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais. Disponível em:< http://www.iceg.pucminas.br/ApostilaMetdologiaCientificaAdministracao.pdf>. Acesso em: 27 Jun. 201;

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed.São Paulo: Saraiva, 2002 (8ª tiragem, 2010);

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. 4 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006;

SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo Ambiental: extrafiscalidade e função promocional do Direito. 1ª. Ed. (ano 2006), 6ª reimp. Curitiba, Juruá, 2011.


[i] Mestrando em Direito pela UFBA. Especialista em Direito do Estado pela UFBA e especialista em Direito Tributário  pelo IBET. Membro associado do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Procuradora do Município do Salvador. Ex-Defensora Pública do Estado de Sergipe. (E-mail: gisanedantas@hotmail.com).

[ii] PINTO, Anna Florência de Carvalho Martins. Metodologia do trabalho científico: planejamento, estrutura e apresentação de trabalhos acadêmicos, segundo as normas da ABNT. 2010 Monografia. (Curso de Administração) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais. Disponível em:< http://www.iceg.pucminas.br/ApostilaMetdologiaCientificaAdministracao.pdf&gt;. Acesso em: 27 Jun. 2012, p.8;

[iii] Ibidem;

[iv] Ibidem.

[v] Descendente de uma família judia, nasceu na França em 15 de abril de 1858 e morreu em 15 d enovembro de 1917 Iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris e depois foi para a Alemanha. É considerado um dos fundadores da Sociologia moderna e foi fundador da escola francesa, posterior a Karl Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. Durkheim também fundou a revista L’Année Sociologique.(ARRANJO. Wikipédia. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Durkheim#Refer.C3.AAncias&gt;. Acesso em: 27 Jun. 2012);

[vi] DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.37-38.

[vii] Ibidem, p.42;

[viii] Ibidem, p. 45;

[ix] Ibidem, p.86-118.

[x] DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 120;

[xi] DROMI, Roberto. El Derecho Público em la Hipermodernidad. Madri-México: Hispania Libros, 2005.

[xii] SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. 4 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006, p.15;

[xiii] FEYERABEND, Paul. Tratado contra el método. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/DbDX6kjK/Paul_Feyerabend_-_Tratado_cont.html&gt;.  Acesso em: 06.mai.2012.

[xiv]POPPER, Karl. Lógica das ciências sociais. Trad. Estevão de Rezende Martins, Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. 3.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004;

[xv][xv] DESCARTES, René. Discurso do Método. Regras para a Direção do Espírito.  – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.31-32.

[xvi] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009;

[xvii] Ibidem;

[xviii] Ibidem, p.4-6;

[xix] Ibidem;

[xx] Ibidem;

[xxi] Ibidem.

[xxii] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p.52;

[xxiii] Ibidem, p.60;

[xxiv] Ibidem;

[xxv] Ibidem, p.37.

[xxvi] COSSIO, Carlos. La valoración jurídica y la ciencia del derecho. Buenos Aires: Ediciones Arayú, 1954, p.64;

[xxvii] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed.São Paulo: Saraiva, 2002 (8ª tiragem, 2010), p.675;

[xxviii] Ibidem;

[xxix] BEZERRA, Paulo César Santos. Sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.30.

[xxx] Ibidem, p.31;

[xxxi] Ibidem, p. 37-38;

[xxxii] Ibidem;

[xxxiii] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, p.24;

[xxxiv] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p.26.

[xxxv] Ibidem.

[xxxvi] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed.São Paulo: Saraiva, 2002 (8ª tiragem, 2010), p.673;

[xxxvii] Ibidem, p. 675;

[xxxviii] Ibidem, p.684;

[xxxix] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 24.

[xl] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 24-25;

[xli] Ibidem;

[xlii] Ibidem.

[xliii] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 24-25;

[xliv] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, p.27;

[xlv] Ibidem;

[xlvi] Ibidem;

[xlvii] Ibidem, p. 77-81.

[xlviii]BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007.

[xlix] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007;

[l] Ibidem, p. 89;

[li] LARENZ, Karl. Metodología de La Ciencia Del Derecho. España: Editora Ariel, 2009, p. 66.

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