A TEORIA DO LABELLING APPROACH E O MITO DO FAVELADO CRIMINOSO: REVISITANDO O CIENTIFICISMO LOMBROSIANO

Publicado: dezembro 2, 2014 em Artigo

Luciano de Oliveira Souza Tourinho[i]

 

SUMÁRIO: 1 Introdução.  2 Institucionalização do medo: a seletividade criminal.  3 O labelling approach e o mito do favelado criminoso.  4 Considerações finais.  5 Referências.

 

1 INTRODUÇÃO

O medo reflete um sentimento humano contra a força da racionalidade. Essa sensação, somada à insegurança social, constitui fator preponderante à dualidade negativa que conduz à estigmatização de determinadas coletividades. Nesse sentido, muitos canais de comunicação midiática exercem grande influência ao manipular dados estatísticos, ampliando, conforme seus interesses, as percepções da sociedade em relação aos fatores criminológicos.

Esses determinantes são elementos condutores ao etiquetamento social, quando os grupos alcançados de forma privilegiada pela distribuição de renda passam a considerar os moradores de favelas, verdadeiros guetos, com uma visão distorcida e equivocada da realidade, considerando-os como criminosos potenciais.

Nesse sentido, pode-se perceber um retorno crescente do determinismo, notadamente, com influência dos estudos cientificistas de Cesare Lombroso, incutindo na sociedade uma ideia de predeterminação ou predisposição ao crime.

Essa nova perspectiva, ao ser considerada como uma vertente de resgate do determinismo antigo, com incrementos próprios da sociedade atual, possui elementos estruturantes do cientificismo lombrosiano, a partir da consideração das características dos delinquentes como fatores determinantes à prática de crimes, alcançando como ponto de chegada o determinismo social. Associa-se tais desenvolvimentos para o nascimento do labelling aproach[ii], numa clara estigmatização de determinados grupos sociais, como ora se afirma.

O objetivo do presente estudo é demonstrar a relação do mito do favelado criminoso como consequência de um processo de rotulação teorizado pelo labelling approach, a partir de uma retomada da perspectiva cientificista lombrosiana, com efeitos deterministas biológicos e, consectariemente, sociais.

Para melhor compreensão do estudo que ora se apresenta, a abordagem será realizada em três momentos distintos, no entanto, interdependentes: numa primeira ocasião, discutir-se-á a institucionalização do medo como critério determinante a uma seletividade social, ao que se denominará de “clientela penal” em potencial. Será apresentada a relação entre o poder midiático e a crescente sensação de insegurança da sociedade, o que permitirá, por certo, a contextualização do segundo período. Aqui, o enfoque será sobre o determinismo científico com gênese lombrosiana, e sua relação com a teoria do etiquetamento social. Nesse sentido, uma incursão sobre os ensinos da Escola Positiva da Criminologia se fará presente, a fim de permitir um melhor entendimento acerca da influência nas esferas legislativa e judiciária do método científico transportado por Cesare Lombroso das ciências naturais para o campo do Direito.

As considerações finais serão construídas a partir da análise de toda a fundamentação teórica do texto, quando se possibilitará uma melhor percepção da correlação entre a teoria suscitada e o resultado consequencial com efeito negativo de mistificação de uma elaboração social de senso comum, e com relação evidente ao cientificismo adotado por Cesare Lombroso.

 

2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEDO: A SELETIVIDADE CRIMINAL

A pós-modernidade é marcada pela sensação de temor que permeia as relações sociais. Esse sentimento decorre da violência e insegurança, valores negativos alicerçados nas estruturas arenosas construídas por interesses ilegítimos e de natureza egoística. A ação midiática, por excelência, é sujeito responsável pela alimentação e disseminação do medo, direcionando a sociedade, de forma manipuladora, ao planejamento mecanizado de suas atitudes, e conduzindo ao desenvolvimento de normas penais simbólicas, próprias de uma coletividade amedrontada pela criminalidade e violência urbana.

Os juízos paralelos da mídia eletrônica e da imprensa podem ser considerados como meios com grande poder influência, por vezes, conduzindo a condenações equivocadas. Nessa esteira de desenvolvimento cognitivo, Eugenio Raul Zaffaroni (2001, p. 23) ressalta que os meios de comunicação de massa são utilizados como instrumentos de excitação da indignação moral, com a utilização de uma publicidade reprodutora da violência. A partir dessa concepção, são criados estereótipos capazes de incutir na sociedade uma percepção distorcida de determinados grupos.

A criminalidade é abordada, por diversos meios de comunicação, sem qualquer responsabilidade, com informações estatísticas manipuladas, seja por desconsideração de determinados dados, seja pela alteração desonesta de tantos outros.[iii] Ao abordar a relação entre o crime e o medo social, Leonardo Sica (2002, p. 37) aduz que

[…] não é necessária estatística para afirmar que a maioria das sociedades modernas, a do Brasil dramaticamente, vive sob o signo da insegurança. O roubo com traço cada vez mais brutal, ‘seqüestros-relâmpagos’, chacinas, delinqüência juvenil, homicídios, a violência propagada em ‘cadeias nacional’, somados ao aumento da pobreza e à concentração cada vez maior da riqueza e à verticalização social, resultam numa equação bombástica sobre os ânimos populares. Dados estatísticos e informações distorcidas ou mal entendidas sobre a ‘explosão da criminalidade’ criam um estado irrefletido de pânico, fundado em mitos e ‘fantasmas’.

Diante das informações distorcidas sobre a escalada da criminalidade, a vulnerabilidade é a sensação que impera nos diversos ambientes, produzindo essa sensação de  desespero e de psicose social, quando a sociedade se coloca num verdadeiro estado de guerra. A reprodução da violência se inicia no momento da estigmatização, o que, por certo, será abordado em momento posterior. Nesse sentido, a consideração da insegurança conduz à permissibilidade de utilização de mecanismos neutralização, ainda que numa espécie de prevenção, possibilitando a adoção de diversas medidas de natureza arbitrária.

O medo é sentimento natural do homem, que o afasta da racionalidade e cega-lhe o discernimento. Ainda assim, sua presença é absorvida como um verdadeiro ritual, sendo repetida no comportamento das coletividades. Como fator natural que é, possui um objeto determinado, mas, multiplicado e vivido socialmente, produzindo angústia, diante da qual o perigo se torna tanto mais temível quanto menos claramente identificado. Esse sentimento, sob a ótica da individualidade, caracteriza-se por um aspecto que só se revela com clareza em nível coletivo: o elo entre o medo e angústia de um lado, culmina na agressividade, de outro. Essa transição do medo e da angústia, no plano singular para o coletivo, resulta numa neurose que conduz às explosões violentas ou perseguições de grupos, com a vitimização coletiva e a demonização dos mais fracos (SICA, 2002, p. 37-45).

Observa-se, notadamente, a institucionalização da cultura do medo a partir da exploração da violência como dados manipuláveis. (BARRY, 2003) Nesse sentido, a sociedade passa a ser direcionada à ruptura da estabilidade e à dualidade divergencial, construindo um cenário onde contracenam a vítima, rica ou economicamente favorecida, e o criminoso, pobre e miserável, estigmatizado pelos olhares de medo e de acusação, numa determinação social que toma por fundamento elementos identificadores do determinismo biológico. Isso se explica na medida em que são associadas a essas características as diversas contextualizações e molduras sociais marginalizadas. Essa abordagem será retomada em seguida, quando se oportunizará um estudo específico sobre o cientificismo lombrosiano.

 

3 O LABELLING APPROACH E O MITO DO FAVELADO CRIMINOSO

A teoria do labelling approach ou etiquetamento social é recente na história da criminologia, firmando-se em meados dos anos sessenta. Seus fundamentos são pautados na rotulação de determinados indivíduos ou grupos sociais como criminosos potenciais (BARATTA, 1997). Dessa forma, não há que se falar em realidade ontológica, mas dos valores atribuídos objetivamente, levando-se em consideração as construções de conceitos sobre uma coletividade.

Em verdade, há uma seletividade histórica em função dos interesses de grupos dominantes, criando uma “clientela penal”, o que se reforçou ainda mais a partir do desenvolvimento dos estudos lombrosianos acerca do criminoso.

O criminólogo crítico Alessandro Baratta (1997, p. 63) ressaltou que o sistema de justiça criminal da sociedade capitalista serve para disciplinar despossuídos, para constrangê-los a aceitar a moral do trabalho. No mesmo sentido, ensina Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 26) que a desintegração social facilita a manutenção da verticalidade da sociedade, impedindo a integração das classes baixas e concorrendo para a sua marginalização.

Aprofundando sua concepção, Alessandro Baratta (1997) assevera que o sistema penal é altamente seletivo, seja no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, dos bens e interesses sociais, seja em relação ao processo de criminalização, seja no que tange ao recrutamento da clientela, o que fortifica a ilação de que o sistema punitivo é absolutamente inadequado para atuar de maneira útil e saudável na sociedade, conforme é sempre declarado no discurso oficial.

Discurso esse que conduz à ideia de que na favela se concentram os criminosos, conferindo aos ocupantes desses aglomerados populacionais a etiqueta ou rótulo depreciativo. Tais fatores servem como elementos causais de uma violência silenciosa, que atingem proporções descomunais. A vitimização das classes sociais que alcançam, em determinados momentos, a situação de miserabilidade, passa a ser visualizada como ameaça e origem da criminalidade, e a favela, como celeiro da criminalidade. Em posição crítica a essa situação, salienta Yves Pedrazzini (2006, p. 38):

Quando damos mais destaque à violência da urbanização que a violência urbana, questionamos a relação entre violência e cidade, assim como sua não-relação ou ruptura em certos casos urbanos. Ao lado de indivíduos violentos, existem cidadãos que trabalham, educam seus filhos, lutam pacientemente contra a máquina de moer gente.

Há uma generalização do estereótipo do favelado, numa sinonímia superficial, imputando-lhe um caráter criminoso, quando, contraditoriamente, é vítima da marginalização, uma das formas mais degradantes da violência. A pior consequência que pode surgir dessa rotulação é o ajustamento das condutas do estereotipado a esse papel, passando a ser absorvido pela criminalidade.

A visão determinista do etiquetamento conduz, inevitavelmente, a um dogma reducionista, causando estigmas que maculam as relações sociais, de modo a provocar uma metástase criminal.

Nesse sentido, retoma-se aquela concepção determinista lombrosiana, oportunidade em que se tenta levar ao âmbito do Direito uma concepção científica biológica, o que deixa claro, quando afirma que “a antropologia quer as cifras e não as descrições isoladas e gerais, sobretudo quando elas devem se aplicar à psiquiatria e à medicina legal”. (LOMBROSO, 2001)

Ao considerar um estudo acerca do cientificismo apresentado por Lombroso, Stephen Jay Gould (1991, p. 124) explicou que o mencionado cientista tentou identificar os elementos da criminalidade a partir de dados etnológicos, o que, por sua vez, acabou gerando uma ideia estigmatizante de determinados grupos. Assim, as características sociais de algumas pessoas foram suficientes para a criação de uma perspectiva determinista, o que se fez, diga-se, não apenas com a utilização dos caracteres naturais, que, àquela época, já fundamentava um determinação biológica para o crime, mas com um caminho de etiquetamento de coletividades:

Entre os estigmas de Lombroso também figurava um conjunto de traços sociais. Entre eles, deu especial destaque aos seguintes: 1) A gíria dos criminosos, uma linguagem própria com um elevado número de onomatopéias, à semelhança da fala das crianças e dos selvagens (…);2) A tatuagem, que reflete tanto a insensibilidade dos criminosos com relação à dor como seu gosto atávico pelos ornamentos. (GOULD, 1991, p. 130)

Retornando a essa concepção cientificista, Stephen Jay Gould (1991, p. 135-136) afirma que Cesare Lobroso reforçou o determinismo biológico, desconsiderando, no entanto, alguns fatores de natureza social, como educação e condições econômicas, pois tais instituições nada mais seriam do que simples reflexos da natureza humana construída por elementos naturais.

Apesar da origem biológica nesse cientificismo, os estudos lobrosianos conduziram a considerações criminógenas a partir de percepções visuais, com a observação de características externas presentes em determinados grupos.

Ao transpor o método científico dedicado às ciencias naturais para o estudo da criminalidade, Cesare Lombroso apontou para o determinismo biológico, elaborando suas conclusões a partir de características aparentes, como especificidades dos olhos, das orelhas, do nariz, da boca, do crânio, dentre outros elementos identificadore s de raça.

Tais ilações conduziram Cesare Lombroso ao status de um dos representantes da Escola Positiva do Direito Penal, fundada numa concepção científica. Aqui, o crime é percebido como desvio do padrão da normalidade, como uma verdadeira patologia. A fase determinista biológica desta Escola é percebida nos estudos de Lombroso, o que se intensificou posteriormente, quando do aparecimento de grupos racistas, perpetuando-se até os dias presentes, seja de forma mascarada, ou mesmo de maneira explítica. (SOUZA, 2001, p. 480)

Ao abordar, de forma crítica, a Escola Positiva do Direito Penal, João Paulo de Aguiar S. Souza (2001, p. 481-482) contextualiza o tema numa perspectiva histórica, informando o positivismo criminológico tentou estabelecer um novo paradigma para as ciências criminais, ao trazer para este microssistema o embasamento científico das ciências naturais. Mais informações são apresentadas nos estudos do mencionado autor, o que, destarte, fica esclarecido em suas palavras:

Inspirado nesta fundamentação metodológica, surge na Europa, também no século XIX, o positivismo criminológico, com a pretensão de fornecer a explicação para o fenômeno criminal, conforme o paradigma etiológico de matriz criminológica. Esta perspectiva analisa a criminalidade segundo uma relação de causa e efeito, pressupondo uma noção ontológica de crime, preexistente à definição legal e à atuação concreta dos meios de persecução penal, de forma a ignorar não apenas a função constitutiva do legislador, mas também todos os aspectos de seletividade da criminalização secundária. No caso da teoria sob enfoque, sob o pretexto da análise científica dos criminosos, através de uma ‘rigorosa metodologia’ argumento que permite a deslegitimação dos seus críticos -constrói-se a imagem do criminoso como um anormal, normalmente através da consagração de argumentos racistas, fomentando um discurso de limpeza e higiene, onde se visa erradicar o ‘inimigo’, mesmo que a custo de sua eliminação física. (SOUZA, 2001, p. 481)

Essa perspectiva gerou efeitos de diversas naturezas, principalmente nos meios decisórios estatais, o que se percebia quando da aplicação de penas para aqueles que fossem considerados criminosos. Se se tratava de um situação patológica, o criminoso deveria ser corrigido, utilizando-se, para tanto, punições indeterminadas, seja em sua natureza, seja em sua gradação.

Nesse sentido, Stephen Jay Gould (1991, p. 124) afirma que os estudos lombrosianos desenvolvidos, inclusive, pelos seguidores de Cesare Lombroso, pugnavam pela indeterminação da sentença, o que, de forma conclusiva, decorre da realidade biológica adotada como parâmetro identificador do personagem criminoso, inimigo da sociedade.

Para João Paulo de Aguiar S. Souza (2001, p. 482), a análise do fenômeno criminológico a partir de um paradigma epistemológico fundado na verificação dos aspectos físicos humanos constitui uma esteira de pensamento reducionista. Tais ideias possibilitam o caminhar da compreensão de inúmeras decisões que agregam valores deterministas na atualidade, não sendo incipiente afirmar que estão, bem verdade, impregnadas dos resquícios deterministas.

É nitente que a Escola Positivista, alicerçada nos argumentos científicos lombrosianos, acabou legitimando um sistema penal seletivo, ao que se nominou anteriormente como “clientela penal”. Numa tentativa de instruir a criminologia com elementos originários das ciências naturais, criou-se um cientificismo fundante de um sistema repressivo: “Desta forma, encontra-se lançadas as premissas da Escola Científica, encerrando a explicação da criminalidade na figura do ‘anormal’, para cuja gênese concorrem fatores biológicos, físicos e sociais.”  (SOUZA, 2001, p. 487-488)

Um processo de vitimização social pode ser observado nas elucidações de Stephen Jay Gould (1991, p. 146), quando assevera que essa estigmatização social que encontra sua gênese no deterministo científico lombrosiano serve como elemento propulsor de uma vitimização social, o que, deveras, poderá conduzir a situações reais de criminalização. Em outras palavras, apresenta-se as causas como efeitos a serem repelidos com a utilização de um microssistema punitivo:

As populações humanas apresentam uma grande variedade de comportamentos; o simples fato de alguns manifestarem certa conduta e outros não, não constitui prova alguma de que o cérebro dos primeiros padeça de alguma patologia específica. Devemos concentrar-nos no desenvolvimento de uma hipótese infundada quanto à violência de alguns — hipótese que segue a filosofia determinista de culpar a vítima — ou devemos tentar eliminar, antes de mais nada, a opressão que ergue guetos e mina o espírito de seus habitantes desempregados? (GOULD, 1991, p. 146)

Resta evidenciada a crítica de Stephen Jay Gould ao determinismo lombrosiano, afastando da criminologia a ótica cientificista de tais desenvolvimentos teóricos. A estigmatização de grupos que vivem em condições específicas de marginalização, com características identificadoras, pode ser concebida como resultado de uma aplicação incoerente do conhecimento científico no Direito.

As inferências de tal situação, como ora afirmado, produzem seus efeitos em dois sentidos ou esferas distintas, quais sejam: legislativa e judiciária. Dessa forma, o determinismo lança seus tentáculos nas funções do poder, numa clara tentativa de legitimar situações de exclusão social e, consectariamente, de estigmatização de grupos. Nesse sentido, revela João Paulo de Aguiar S. Souza (2001, p. 492) que,

[…] ao ignorar a função constitutiva do legislador, o positivismo criminológico fixa uma característica importante, pois evita a discussão sobre a legitimidade das leis incriminadoras. A conclusão é lógica: se o delito é natural, e o legislador, no máximo, faz apenas declará-lo, não há sentido em discutir o mérito das leis, pois seria contrariar a própria natureza das coisas. Tal concepção permite a consolidação da irracionalidade do sistema punitivo, pois as incriminações são aceitas sem qualquer tipo de questionamento, proporcionando a expansão da autoritariedade, em clara violação a direitos individuais assegurados pela Constituição.

Mais uma vez, apresenta-se como clara a influência do cientificismo lombrosiano na atualidade, o que se faz presente na atividade legislativa, com a criação de leis segregadoras, bem como quando da consideração no plano da concretude realizada pelo julgador, quando da aplicação daquele instrumento normativo.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência e a sensação de insegurança, conforme demonstração de Barry Glassner (2003) provocam alterações profundas nas relações sociais. Tais sentimentos são potencializados pela ação midiática, com o objetivo de alcançar os interesses da ordem do capital, causando, deveras, uma celeuma na sociedade. Nesse contexto estão inseridas as idéias rotulares equivocadas de marginalização, quando se considera criminoso o indivíduo, tomando como fator determinante a sua habitação em favela.

As causas do fenômeno criminoso crime são diversas, não podendo ser elevado à categoria de prioridade o determinismo social, como já afirmaram diversos teóricos apontados anteriormente. Dessa forma, é possível asseverar que a consideração do favelado como criminoso potencial é, no mínimo, equivocada, apresentando, na verdade, idéias preconceituosas e, sobretudo, estigmatizadoras.

A Escola Positivista, alicerçada nos fundamentos teóricos lombrosianos, caracterizou-se pela sua cientificidade determinista, inicialmente de natureza biológica e, mais tarde, com traços sociais, como bem se observa no cenário hodierno.

A apresentação do método científico ao Direito Penal trouxe consigo elementos que serviram como forma de legitimação da seletividade e do etiquetamento social. Ainda que sua gênese seja encontrada nas ciências naturais, o determinismo fincou raízes das ciências sociais e, ao fazê-lo na realidade jurídica, serviu, inclusive, como orientação da atividade legislativa, bem como na judicante.

A uma, em razão da elaboração de instrumentos normativos de caráter repressivo destinados a grupos específicos, o que, destarte, atende à lógica nascente no ideal liberal: leis estigmatizantes, criadoras de “rótulos sociais” e, claramente, segregadoras.

A duas, pela aplicabilidade de tais comandos pelo órgão julgador numa perspectiva enrijecida, quando da consideração de elementos deterministas, ainda que numa vertente indireta ou inconsciente, com a aplicação de penas mais severas ou a não oportunidade de obtenção de determinados benefícios legais em função da inserção do agente em grupos marginalizados.

5 REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1997.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999.

BARRY, Glassner. Cultura do medo. Brasília – DF: Francis. 2003.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1991

HERRERO, César Herrero, Criminologia: Parte General y Especial, Madrid: Dykinson, 1997.

LOMBROSO, César. O homem delinqüente. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001.

PEDRAZZINI, Yves. A violência das cidades. Tradução de Giselle Unti. Petrópolis: Vozes, 2006

SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SOUZA, João Paulo de Aguiar S. O positivismo criminológico e a segregação urbana na percepção da criminalldade. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano III, N° 3, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.


[i] Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Faculdade Independente do Nordeste. Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Independente do Nordeste. Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Graduado em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste. Coordenador adjunto do Curso de Direito da Faculdade Guanambi. Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Criminalidade de Guanambi. Docente de Direito Penal e Prática Penal na Faculdade Guanambi. Docente de Direito Penal e Legislação Penal Especial da Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR. Professor de Pós-graduação latu sensu da Faculdade Guanambi.

[ii] A teoria do labelling aproach surgiu nos Estados Unidos da América, na década de 60, sendo considerada como corrente criminológica que se aproxima à criminologia radical de natureza marxista. O delito e o delinquente aparecem como consectários de um processo incriminatório construído pelos “poderes dominantes e projetado, quase que exclusivamente, sobre as classes sociais desfavorecidas, a cujos membros se impõe, por interesses, o rótulo de delinquentes por força de critérios criminalizantes impostos, unilateralmente, pelos que exercem a capacidade de decisão. Isto tudo porque estes marginalizados não se submetem ao poder estabelecido, à sua cultura, aos seus interesses.” (HERRERO, 1999, p. 299) (Tradução de livre)

[iii] Nesse sentido, imperioso é observar que o levantamento de dados estatísticos indica um caminho legítimo para a construção e comprovação de determinadas teses. Todavia, deve-se ressaltar que o tratamento desses dados, por vezes, é realizado de forma a manipular a formação da opinião da sociedade, sem qualquer compromisso com a pesquisa. Nesse sentido, contribuição se tem na obra de Antonio Carlos Gil (2002, p. 101), ao informar que “a estatística por si só não possibilita a interpretação dos resultados. Isso exige o concurso de fundamentação teórica. Isso significa que o pesquisador deverá estar habilitado a proceder à vinculação entre os resultados obtidos empiricamente e as teorias que possibilitam a generalização dos resultados obtidos.”

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