Arquivo de fevereiro, 2012

Emanuel Lins Freire Vasconcellos


1. Introdução.

O presente artigo tem por objetivo apresentar um estudo acerca das concepções de educação, de forma a subsidiar uma análise pautada numa perspectiva interdisciplinar, que toma em consideração a pluralidade de conceitos apresentados sobre a educação.
Tais conceitos, por sua vez, são abordados a partir de uma pluralidade metodológica, pautada tanto na compreensão jurídica da educação como direito (fundamental ou humano), como também no entendimento da educação como serviço, posição aqui representada pelas opiniões defendidas pela Organização Mundial do Comércio.
Para tanto, são utilizados elementos apresentados por Boaventura de Sousa Santos, notadamente em sua obra “Um discurso sobre as ciências” , de modo a formar um estrato das possibilidades interpretativas do conceito de educação.

2. A pluralidade conceitual e metodológica: contribuição do pensamento de Boaventura de Sousa Santos.

Boaventura de Sousa Santos , em sua obra “Um discurso sobre as ciências” , apresenta uma explanação acerca da crise do paradigma científico dominante, ao tempo que especula a configuração de um paradigma científico emergente, pautado sobretudo na relativização da distinção entre ciências naturais e sociais, nas idéias de conhecimento local-total e de conhecimento como autoconhecimento, propondo, ao final, o paradigma do conhecimento prudente para uma vida decente, pugnando que todo conhecimento visa constituir-se em senso comum.
No presente trabalho, interessa-nos, particularmente, as idéias voltadas à pluralidade metodológica, buscando-se uma síntese que não representa uma “ciência unificada nem sequer uma teoria geral” , mas sim, um “conjunto de galerias temáticas onde convergem linhas de água que até agora concebemos como objectos teóricos estanques” .
Neste sentido, cumpre destacar que a pluralidade metodológica se apresentará através de diferentes abordagens acerca da educação, que é concebida tanto como direito, quanto como serviço.
Para tanto, buscamos apresentar um estrato da concepção de educação defendida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), reconhecendo, desta forma, a influência que este organismo comercial multilateral exerce na área educacional.
De outra sorte, apresenta-se brevemente a concepção jurídica de educação como direito (fundamental ou humano), bem como a idéia de prestação positiva do Estado.
Tal distinção conceitual acaba por ocasionar uma diferenciação na forma de conceber juridicamente, v.g., o acesso à educação, posto que, enquanto serviço passível de comercialização, o acesso à educação se vincula a uma lógica econômica relacionada à capacidade de aquisição do indivíduo. Por outro lado, de modo relativamente distinto, a compreensão da educação enquanto direito (fundamental ou humano) guarda relação com a prestação positiva de direitos pelo Estado.
Cumpre ressaltar, contudo, que o objetivo do presente trabalho está voltado às possibilidades interpretativas do conceito de educação, e não à sua forma de aplicação jurídica, não obstante a busca em subsidiar um estudo neste sentido.
Neste particular, de essencial relevância é observação, trazida pelo referido autor, de que a “reflexão epistemológica versa mais sobre o conteúdo do conhecimento científico do que sobre a sua forma” . Assim, para a definição da natureza jurídica da educação (enquanto serviço ou enquanto direito fundamental), essencial se faz a reflexão acerca do seu conteúdo, a partir de conhecimentos oriundos de diferentes abordagens e diversos campos de conhecimento.
Busca-se, deste modo, uma racionalidade mais plural , que guarda certa relação com a idéia de paradigma emergente defendida pelo autor, paradigma este que, segundo Boaventura, tende a ser um conhecimento não dualista, que se funda na superação de distinções familiares e óbvias .
Reconhecemos, portanto, que, inclusive no tocante à temática educacional, o pensamento excessivamente especializado, sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, ocasionando uma segregação da organização do saber, que é orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor , tal como afirma Boaventura. Neste sentido, assevera o autor português:

É hoje reconhecido que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos. Esses efeitos são sobretudo visíveis no domínio das ciências aplicadas.
[…] o direito, que reduziu a complexidade da vida jurídica à secura da dogmática, redescobre o mundo filosófico e sociológico em busca da prudência perdida.

De outra sorte, importa destacar que todo conhecimento é auto-conhecimento, sendo que as nossas trajetórias de vida pessoais e coletivas são intercambiáveis, constituindo-se como móvel da investigação científica, como bem destaca o autor português:

Hoje sabemos ou suspeitamos que as nossas trajetórias de vida pessoais e coletivas (enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que transportam são aprova íntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio. No entanto, este saber, suspeitado ou insuspeitado, corre hoje subterraneamente, clandestinamente, nos não-ditos dos nossos trabalhos científicos.

No que toca à parcelização do conhecimento decorrente da excessiva especialização cognitiva, Boaventura destaca que

No paradigma emergente o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal de que fala Wigner ou a totalidade indivisa de que fala Bohm. Mas sendo total, é também local. Constitui-se em redor de temas que em dado momento são adotados por comunidades interpretativas concretas como projetos de vida.locais, sejam eles reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às necessidades locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar uma doença, etc., etc. A fragmentação pós-moderna não é disciplinar e sim temática. Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros. Ao contrário do que sucede no paradigma atual, o conhecimento avança à medida que o seu objeto se amplia, ampliação que, como a da árvore, procede pela diferenciação e pelo alastramento das raízes em busca de novas e mais variadas interfaces.

Desta forma, dialogando com o pensamento de Boaventura de Sousa Santos, reconhece-se que a fragmentação pós-moderna da ciência não é disciplinar, e sim temática , bem como se reconhece que o pensamento pós-moderno se assenta sobre as condições de possibilidade da ação humana, projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local, conhecimento este que é, como afirma o autor português, relativamente imetódico, constituindo-se a partir de uma pluralidade metodológica.
Por sua vez, para Boaventura, a busca por uma pluralidade metodológica é um conhecimento relativamente imetódico, posto que cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada . Ademais, um lado da pluralidade de métodos está ligada à tolerância discursiva, que, por sua vez, refere-se a uma composição transdisciplinar e individualizada, que mescla estilos e métodos cognitivos, sugerindo um movimento no sentido da maior personalização do trabalho científico .
Ademais, segundo o autor português, a pluralidade de métodos só é possível através de uma transgressão metodológica. Conforme Boaventura:

Sendo certo que cada método só esclarece o que lhe convém e quando esclarece fá-lo sem surpresas de maior, a inovação científica consiste em inventar contextos persuasivos que conduzam à aplicação dos métodos fora do seu habitat natural.
[…]

A transgressão metodológica repercute-se nos estilos e gêneros literários que presidem à escrita científica. A ciência pós-moderna não segue um estilo unidimensional, facilmente identificável; o seu estilo é uma configuração de estilos construída segundo o critério e a imaginação pessoal do cientista. A tolerância discursiva é o outro lado da pluralidade metodológica .
Estes são, portanto, os elementos metodológicos que identificamos como fundamentais para a construção do presente artigo, haja vista a impossibilidade de, aqui, esgotar a riqueza das discussões trazidas por Boaventura no seu “discurso sobre as ciências”. Desta forma, os conceitos, observações e elementos metodológicos esposados acima serão aplicados no tocante à discussão acerca da educação, de forma a subsidiar uma análise do seu conteúdo, estudo fundamental para determinação da própria natureza jurídica da educação.

3. A Educação no Marco da OMC e do GATS.

Inicialmente, cumpre destacar a importância de entender como funciona a Organização Mundial do Comércio (OMC), a sua organização e o seu histórico, para melhor compreender a sua importância no cenário das políticas comerciais internacionais, bem como a influência que exerce sobre as políticas educacionais.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada em 1995. Até então, as regras internacionais de comércio eram discutidas dentro do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, em inglês), assinado em 1947, após a Segunda Guerra Mundial. Um primeiro texto, que previa a criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC), foi recusado pelos Estados Unidos, que apenas aceitaram assinar o GATT . No início, o GATT incluía 23 países, mas, ao cabo de oito rodadas de negociação até 1994 – quando foi criada a OMC –, 125 países eram membros. Em 2008, 151 países participavam da OMC e os países não membros se situavam na África do Norte, Oriente Médio, Rússia e Europa do Leste .
Na OMC há vários acordos , dentre os quais o Acordo Geral sobre Comércio em Serviços (GATS, sigla em inglês para General Agreement on Trade in Services), que representa a primeira tentativa de elaborar regras internacionais para a liberalização do comércio de serviços . Sua importância se dá porque, segundo a OMC, nas últimas décadas houve um aumento dos fluxos no comércio de serviços, que chegaram a representar 25% do valor do comércio mundial de bens .
O GATS divide os serviços em doze setores: Comércio; Comunicação; Construção e Engenharia; Distribuição; Educação; Meio Ambiente; Serviços Financeiros; Saúde; Turismo e Viagens; Lazer, Cultura e Esporte; Transporte; e “Outros”. A divisão aplica-se a todas as medidas relativas ao comércio de serviços, ou seja, todas as leis, regulamentações e práticas nacionais, regionais ou locais . Além dessa divisão por setores comerciais, o GATS estabelece e classifica a natureza das atividades comerciais, chamadas de modos de fornecimento, segundo a tabela abaixo:

Tabela 1 – Modos de fornecimento das atividades comerciais no GATS
Modo O que é Natureza
1 Comércio transfronteiriço O serviço cruza as fronteiras, saindo de um país para ser consumido em outro. No setor da educação, entram nessa categoria qualquer tipo de curso à distância ou por internet, qualquer prova material de educação que possa cruzar as fronteiras.
2 Consumo no exterior O consumidor cruza as fronteiras. Representa a forma mais comum de comércio na educação, por meio da educação no exterior.
3 Presença comercial O fornecedor cruza as fronteiras estabelecendo-se e investindo em um país estrangeiro. No setor da educação, manifesta-se quando universidades criam cursos ou instituições em países estrangeiros.
4 Movimento temporário de pessoas físicas O fornecedor cruza a fronteira na forma de um deslocamento de pessoas físicas. Na educação, remete ao deslocamento de professores e outros profissionais da área da educação.
Fonte: SILVA, Camila Croso; GONZALEZ, Marina; BRUGIER, Yana Scavone. Op. cit., p. 91.

As negociações do GATS seguem um quadro jurídico comum a todas as negociações da OMC, em particular a cláusula da Nação Mais Favorecida e o Trato Nacional, como também algumas disciplinas particulares adaptadas ao setor de serviços, como a mudança das regras de aduana para regras de acesso ao mercado, uma vez que o setor de serviços não pode comportar regras de aduana, já que não é possível impor taxas aduaneiras a mercadorias que não são físicas .
Ademais, além das regras que se aplicam a todos os serviços, há regras setoriais, que estão expostas nos “anexos setoriais” do GATS. Esse sistema de anexos setoriais cria uma certa flexibilidade nas negociações de serviços, pois autoriza a existência de negociações específicas que se atrelam ao acordo geral do GATS .
O texto do GATS possui sete partes, três delas essenciais para a compreensão das negociações: o segundo capítulo expõe as disciplinas e obrigações gerais, o terceiro capítulo explicita os compromissos específicos em termos de acesso ao mercado e trato nacional e, por fim, os anexos especificam as exceções de cada setor. Em princípio, o GATS apenas fornece um parâmetro de negociação e cada país é livre para propor o grau de liberalização que aceita dentro de cada setor, no que diz respeito ao acesso ao mercado e ao trato nacional.
As negociações do GATS funcionam com um sistema de pedidos e ofertas, no qual cada membro da OMC pode pedir a um ou mais membros que se comprometam a liberalizar o comércio em determinados serviços. Cada país que recebe os pedidos tem um prazo para fazer uma oferta inicial, que, após comentada e criticada pelos outros membros, poderá ser “melhorada”.
No entanto, apenas os setores ou sub-setores ofertados pelos países estão sujeitos às regras do GATS e, dentro de cada setor, apenas os modos que o país decidiu liberalizar. Por exemplo, é possível liberalizar a educação somente nos Modos 1,2 e 3, sem liberalizar o Modo 4, posição seguida por países como Austrália e Nova Zelândia. É também possível se engajar em termos de acesso ao mercado sem, no entanto, garantir trato nacional.
Essa flexibilidade de negociação vem sendo criticada pelos países favoráveis a uma maior liberalização dos serviços, visando acelerar as negociações, além de considerarem que as ofertas são poucas e de baixa qualidade. Apresentam, como proposta a criação de benchmarks, que são parâmetros de negociação que obrigariam o conjunto de países da OMC a se enquadrar num nível mínimo de liberalização, parâmetros estes que podem ser quantitativos (número de setores ofertados, por exemplo) ou qualitativos (como a ausência de limitações e exceções em cada modo) .
Essa questão não foi decidida, e é alvo de incisivas críticas e recusa por parte de muitos países, que consideram ser uma modificação injusta dos termos de negociação e um aumento da pressão sobre os países que não querem liberalizar alguns de seus setores .
Segundo SILVA, GONZALEZ e BRUGIER, a Oxfam Internacional afirma que “os países em desenvolvimento encontram uma pressão crescente para participar de negociações plurilaterais” e também se insiste que esses países estabeleçam novas ‘referências qualitativas’, tais como níveis maiores de participação estrangeira, desenhadas para impulsionar a liberalização de novos setores de serviços, seja ou não benéfico para seu próprio desenvolvimento .

É neste contexto de pressão para que os países em desenvolvimento participem das negociações internacionais e abram setores como a educação para o comércio, que se insere a concepção da OMC sobre educação, defendendo a educação não como direito, mas como um serviço não-exclusivo do Estado, e, portanto, comercializável.

3.1. A concepção da educação enquanto direito fundamental.

Segundo Sérgio Haddad, uma das grandes questões que surge nos debates sobre GATS e educação é a própria concepção de educação. Nas negociações do GATS, a educação, assim como a saúde ou os transportes, é reduzida a um mero “serviço”, perdendo sua dimensão de direito humano. Para o referido autor, assumir a educação como direito humano significa afirmá-la como uma necessidade intrínseca ao ser humano e como um direito universal (para todos e com igualdade), indivisível e interdependente com relação aos outros direitos humanos destinados a garantir a dignidade para todas as pessoas, cabendo ao Estado a responsabilidade pela efetivação deste direito .
A Constituição Federal brasileira de 1988 estabeleceu a educação como um direito de todos e dever do Estado, positivando como tal no art. 205 do diploma constitucional.
Para alguns doutrinadores constitucionalistas, a educação está inclusa entre os direitos fundamentais. Tais direitos, segundo Canotilho, cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa) .

O Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de classificar os direitos fundamentais em três categorias: enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam os princípios da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante do processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade .

Em relação aos direitos fundamentais, Luís Roberto Barroso afirma que:

Embora existam dissensões doutrinárias, fulcradas, sobretudo, em sutilezas semânticas, e haja discrepância na linguagem do Direito Constitucional positivo, é possível agrupar os direitos fundamentais em quatro grandes categorias, que os repartem em: direitos políticos, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos

[…] Os direitos econômicos, sociais e culturais, identificados, abreviadamente, como direitos sociais, são de formação mais recente, remontando à Constituição mexicana de 1917, e à de Weimar, de 1919. Sua consagração marca a superação de uma perspectiva estritamente liberal, em que se passa a considerar o homem para além de sua condição individual. Com eles surgem para o Estado certos deveres de prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material. A intervenção estatal destina-se a neutralizar as distorções econômicas geradas na sociedade, assegurando direitos afetos à segurança social, ao trabalho, […] à educação, […], dentre outros. Enquanto os direitos individuais funcionam como um escudo protetor em face do Estado, os direitos sociais operam como “barreiras defensivas do indivíduo perante a dominação econômica de outros indivíduos (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. Tese apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, 1982.)”.

Sobre a temática, afirma José Afonso da Silva:
Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos ante os interesses individuais .

A educação se caracteriza, pois, como direito social, pressupondo uma prestação positiva do Estado para garanti-la, protegendo o indivíduo de ofensivas econômicas de outros indivíduos. Nesse sentido, a educação, enquanto direito social, é norma imperativa, que não pode ser violada por vontade dos indivíduos. Assim, ressalta Luís Roberto Barroso que

A Constituição de 1988 reiterou ser a educação direito de todos e dever do Estado (art. 205) […]. Também aqui não parece haver dúvida quanto à imperatividade da norma e a exigibilidade do bem jurídico tutelado […] .

No entanto, a imperatividade e a exigibilidade dos direitos sociais têm sido mitigadas em meio às normas constitucionais programáticas, como destaca Luís Roberto Barroso:

Não sem surpresa, os direitos sociais são os que têm percorrido trajetória mais ingrata. Sob o aspecto estritamente jurídico, uma das dificuldades que enfrentam é que, frequentemente, vêm eles encambulhados com as normas programáticas, sem que se possa prontamente discriminar as hipóteses em que existem prestações positivas exigíveis .

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, retoma a definição da educação como direito de todos e dever do Estado, listando de forma específica quais são os deveres do Estado em relação à educação. Da mesma forma, diversos acordos internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e várias outras constituições nacionais fazem referência ao direito à educação como um direito fundamental de cada cidadão .
Esta concepção de educação como direito humano coloca aos poderes públicos quatro tipos de obrigações:

1) disponibilidade, ou seja, educação gratuita à disposição de todos;
2) acessibilidade, que é a garantia de acesso à educação pública;
3) aceitabilidade, que diz respeito á qualidade da educação;
4) adaptabilidade, ou seja, correspondência entre a educação e a realidade imediata das pessoas .

Quanto a estes aspectos, especialmente em relação à disponibilidade e à acessibilidade, Sérgio Haddad frisa que “a privatização de alguns setores impossibilita o acesso dos mais pobres, em particular no ensino pré-escolar e no Ensino Superior” .
Ademais, o direito à educação é também fundamental para o acesso a outros direitos, como o direito ao trabalho, o direito de obter comida adequada, um teto ou cuidados médicos, o direito de participar ativamente da vida política, ou de se beneficiar do progresso da ciência e da tecnologia, como ressaltou, inclusive, o diretor-geral da Unesco, Koïchiro Matsuura . O funcionamento da democracia, portanto, guarda profunda relação com a educação.

3.2. A Concepção de Educação da OMC.

No âmbito da OMC, a educação está compreendida enquanto serviço passível de comercialização, o que destoa, em boa medida, da concepção acima apresentada de educação enquanto direito, na medida em que o acesso à mesma fica sujeito à capacidade de aquisição, lógica distinta da prestação de direitos pelo Estado.
Assim, para a OMC, os serviços são considerados uma mercadoria que deve obedecer ao critério da máxima liberalização e abertura ao capital estrangeiro, de forma a maximizar os lucros das empresas que investem nesses setores, particularmente as transnacionais .
Portanto, a concepção da educação como um direito conflita com aquela que apresenta a educação como um serviço e defende a idéia de que as necessidades básicas dos cidadãos seriam supridas de forma mais eficiente pelas instituições privadas, em razão dos mecanismos de mercado. O setor privado incentivaria a competição e diminuiria a burocracia e a inércia supostamente inerentes ao sistema público.
Entender a educação como serviço comercializável, a ser oferecido por um setor privado mais ágil, menos burocrático e mais competitivo, reduz o estudante cidadão a cliente, resultando em profundas conseqüências na qualidade educacional, que se reflete, por exemplo, no crescente e visível investimento em marketing educacional, que invade TV´s, outdoors, jornais, rádios e cria uma profusão de eventos sobre a temática . Esta concepção comercial da educação pode ser vista de maneira bastante emblemática, por exemplo, na declaração do consultor em marketing educacional do grupo Objetivo/UNIP, Ryon Braga, que, durante o 9º Seminário de Marketing Escolar, realizado em 2003 em São Paulo, atribuiu o sucesso do grupo à sua postura comercial :

[…] aqueles que entraram na educação com uma visão mais empresarial e profissional desde o início, como o caso do Di Gênio [um dos proprietários do grupo], obtiveram resultados melhores do que aqueles que entraram com uma visão muito acadêmica, pouco profissional.

O conceito de qualidade que sustenta a concepção de educação como serviço é o de “qualidade total”, com foco na eficiência. Os últimos anos viram a emergência da avaliação dos professores e alunos por critérios de produtividade, oferecendo, inclusive, bônus e prêmios aos considerados mais produtivos. Além disto, a educação é fator fundamental de soberania nacional e autonomia dos Estados para definirem a política educacional mais adequada, razão pela qual a abordagem da educação como serviço tem impacto também nesta discussão. A capacidade do setor público de elaborar políticas públicas de educação é, portanto, inseparável da liberdade que cada país tem de elaborar um projeto de desenvolvimento humano, social e econômico, ou seja, de soberania nacional .

3.2.1. O GATS e a Educação: as “barreiras” ao livre comércio.

O texto do GATS prevê a exclusão de alguns serviços públicos da negociação, com a condição que os mesmos sejam prestados exclusivamente pelo Estado, como polícia, bombeiros, seguro social obrigatório etc. A educação não poderia estar incluída nessa categoria já que em praticamente todos os sistemas educativos do mundo coexistem escolas publicas e privadas .
A OMC, de acordo com sua lista classificatória de serviços , divide a educação em cinco categorias, todas incluídas na negociação:

Tabela 2 – classificação dos serviços educacionais de acordo com a OMC
Categoria Natureza da atividade
Educação primária Corresponde, no Brasil, à pré-escola e ao primeiro ciclo do ensino fundamental; não inclui, no entanto, creches e alfabetização de adultos.
Educação secundária Segundo ciclo do ensino fundamental, ensino médio, ensino técnico e vocacional, e serviços de tipo educacional para estudantes com deficiência.
Educação superior Serviços educacionais providos por universidades e escolas profissionalizantes especializadas e ensino técnico e vocacional de nível pós-secundário.
Educação de adultos Serviços educacionais para jovens e adultos, não ministrados em universidades e escolas normais, incluindo programas de educação geral e vocacional, programas de alfabetização etc.
Outros setores Qualquer serviço educacional não mencionado, com exceção de lazer.
Fonte: OMC – Organização Mundial do Comércio. Serviços Educacionais. Nota documental da Secretaria. Conselho de Comércio de Serviços, S/C/W/49, 23 de setembro de 1998, p. 15, 25 e 26 .

Segundo a OMC , há barreiras que limitam o livre comércio de serviços educacionais, conforme a tabela abaixo, distribuída de acordo com o modo de fornecimento:

Tabela 3 – Barreiras ao livre-comércio da educação
MODO O QUE É EXEMPLOS DE BARREIRAS
1 Comércio transfronteiriço – restrição à importação de materiais escolares;
– limitação do uso de satélites nacionais para transmissão de atividades educacionais às empresas nacionais ou estatais;
– testes de necessidade econômica para a implantação de empresas estrangeiras ou multinacionais.
2 Consumo no exterior – limites à mobilidade dos estudantes;
– problemas com visto;
– dificuldade para obter equivalência de diploma;
– limite à quantidade de dinheiro com que se pode entrar no país;
– desigualdade de acesso aos recursos dentro do país de estudos.
3 Presença comercial – dificuldade para obter o direito de fornecer diplomas ou certificados;
– limites ao investimento direto estrangeiro (incluindo as que limitam o tamanho das entidades estrangeiras);
– exigência que a instituição de ensino pertença a pessoa ou empresa nacional;
– subvenções governamentais ou qualquer benefício a nacionais;
– restrição ao número de fornecedores ou à oferta de determinado tipo de serviço, de acordo com o que o governo avalia que seja necessário para o país;
– restrição ao recrutamento de professores estrangeiros.
4 Movimento temporário de pessoas físicas – monopólio estatal;
– diferença no processo de aprovação de provedores de educação nacionais ou estrangeiros;
-dificuldade para reconhecer credenciais de educação estrangeiras;
– necessidade de vistos para estudar, ensinar ou estabelecer uma empresa em outro país;
– problemas com a importação por provedores estrangeiros de educadores estrangeiros.
Fonte: OMC – Organização Mundial do Comércio. Serviços Educacionais. Nota documental da Secretaria. Conselho de Comércio de Serviços, S/C/W/49, 23 de setembro de 1998, p. 08-09.

Segundo SILVA, GONZALEZ e BRUGIER , vários trabalhos mostram que a eliminação das barreiras ao livre comércio identificadas acima provocaria uma falência dos sistemas públicos de ensino. A concorrência que surgiria entre os provedores de educação estrangeiros (que teriam pleno acesso ao mercado nacional) e o sistema público poderia criar uma pressão para deixar o setor público mais “produtivo”, menos oneroso, colocando em risco, portanto, a natureza pública do ensino. Além disso, a intervenção do governo no suposto “mercado educacional” seria identificada como barreira à criação de um mercado privado, já que alteraria a livre competição.
Dessa forma, segundo as referidas autoras, a capacidade de regulação e fiscalização do Estado na área educacional, bem como a sua liberdade de decidir qual a melhor política para a sua realidade, diminuiria consideravelmente. Para se visualizar este quadro, apresentam, como exemplo, o quadro as seguintes situações:

– o fornecimento transfronteiriço (Modo 1) totalmente liberado, por exemplo, traz à tona a questão do controle dos conteúdos dos livros didáticos;

– quanto ao consumo no exterior (Modo 2), a concessão de subsídios a estudantes nacionais seria considerada uma barreira ao livre comércio caso o benefício não fosse estendido aos estudantes estrangeiros. Isso poderia tornar inviável uma política de ajuda financeira aos estudantes nacionais;

– no que se refere à presença comercial (Modo 3), exigências curriculares, tais como curso na língua nacional, história e geografia do país poderiam ser consideradas barreiras ao livre-comércio, pois poderiam impedir que instituições estrangeiras contratassem unicamente professores estrangeiros;

– no que diz respeito à presença de pessoas físicas (Modo 4), exames nacionais – instituídos para controlar a qualidade da formação dos profissionais e regular a quantidade de profissionais presentes no mercado, que existem em determinadas carreiras, como a advocacia – poderiam ser eliminados .

Ainda segundo as autoras, outro problema importante a ser destacado, que pode surgir no Modo 3, é a demanda das instituições estrangeiras receberem dos governos nacionais tratamento semelhante às instituições nacionais “do mesmo tipo”. Por um lado, isso pode significar apenas as instituições privadas, pois somente elas são de natureza comercial. No entanto, com a tendência cada vez mais marcada de comercialização das instituições de ensino públicas, com a cobrança de taxas ou busca de outros financiamentos que não públicos, essa diferença entre instituições privadas e públicas ficará cada vez menos evidente. Pode-se, assim, sofrer uma contestação judicial ou o questionamento da legitimidade do financiamento público ao ensino superior .
Neste mesmo sentido, destaca Ângela Siqueira, de forma precisa, que:

Quanto ao setor público, quanto mais terceiriza atividades (por exemplo, alimentação, treinamento de professores, avaliação etc.), vende serviços (cursos e tratamentos pagos, desenvolvimento de pesquisas remuneradas ou que beneficiem empresas), faz marketing comercial para atrair interessados, torna-se extremamente vulnerável à regulamentação da educação como um serviço comercial via OMC/GATS, saindo do frágil escudo do “exercício da autoridade governamental”, pois passa a oferecer educação em base comercial e em competição com outros provedores. Assim sendo, os grupos empresariais poderão processar os países por práticas prejudiciais à livre oferta de serviços educacionais, em vista do oferecimento de tratamento diferenciado, caracterizado por subsídios às entidades públicas, exigindo tratamento igual: recursos públicos para todos ou para nenhuma instituição (grifo nosso).

Neste contexto, o GATS é, portanto, afirmam as autoras acima mencionadas, uma ameaça ao caráter público da educação e à compreensão da educação como um direito humano . É o instrumento utilizado pelos países desenvolvidos para forçar, nos países em desenvolvimento, a abertura da educação e outros setores à exploração comercial.

4. Conclusões.

Pelas diferentes abordagens acima apresentadas, verifica-se a importância exercida pelas distintas possibilidades de interpretação jurídica da educação. Tal constatação guarda relação com a reflexão feita por Boaventura de que, na reflexão epistemológica, passou a ocupar papel de relevo a análise das condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes acantonada no campo separado e estanque da sociologia da ciência .
Tal distinção conceitual, repise-se, ocasiona uma diferenciação na interpretação jurídica da educação. Assim, por exemplo, no tocante ao acesso à educação, caso esta seja concebida como serviço passível de comercialização, o acesso se vincula a uma lógica econômica relacionada à capacidade de aquisição do indivíduo. Por outro lado, de modo relativamente distinto, a compreensão da educação enquanto direito social fundamental guarda relação com a prestação positiva de direitos pelo Estado.
Da mesma forma, percebe-se que, como opção metodológica, a precisão quantitativa do conhecimento sobre a educação é estruturalmente limitada, não superável com maiores quantidades de investigação . Logo, a discussão sobre a temática deve ser tratada a partir de uma metodologia qualitativa, que busca qualificar a definição de educação a partir de um referencial teórico selecionado entre as concepções compreendidas como mais relevantes, sobretudo em virtude da impossibilidade de elencar todas as compreensões existentes sobre o tema.
Portanto, malgrado não se esteja aqui a defender o paradigma da pós-modernidade, reconhece-se a relevância da tese que especula acerca da configuração de um paradigma emergente, que incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidas localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, de forma a poderem ser utilizados fora do seu contexto de origem . Isto se verifica especialmente no tema em exame, no qual se articula conhecimento e opiniões produzidas em diferentes espaços cognitivos, produzindo, da mesma forma, concepções distintas sobre educação que, não obstante sejam diversas, são igualmente relevantes para o estudo e compreensão da natureza jurídica da educação, seja enquanto serviço, seja enquanto direito fundamental.

Referências.

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

HADDAD, Sérgio (org.). Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2008.

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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

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Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro

1. INTRODUÇÃO
O Estado sempre se utilizou de um discurso manipulador, centrado no maniqueísmo do bem/mal para justificar e legitimar seu poder perseguidor e punitivo. Para tanto, o ente político, através dos homens pesquisadores (os cientistas, detentores do conhecimento especializado) usa dos métodos científicos para propagar falsas verdades tidas como “absolutas”. Criam-se mitos, ídolos, para confundir o intelecto dos homens e torná-los preguiçosos, mais facilmente domináveis.
A criminologia de orientação positivista é ainda hoje utilizada como instrumento para propagar a equivocada idéia de superioridade e salvação da sociedade por meio do Estado. O ente público é o único “bem”, apto à proteção da comunidade contra o “mal” que são os delinqüentes, as classes menos favorecidas, as raças “inferiores”. Neste diapasão, cria-se a ficção jurídica “ressocialização”. Conforme será demonstrado, os métodos científicos desenvolvidos por filósofos objetivam alcançar a verdade real das coisas; para justificar o poder punitivo estatal, centram-se no ideal da “ressocialização”. Ademais, será brevemente descrita e analisada a etimologia do termo “ressocialização”, que remonta ao maniqueísmo bem/mal.
Por fim, ainda serão traçadas linhas gerais acerca da importância do garantismo para superar tal maniqueísmo e consagrar os direitos sociais do preso, reconhecendo e preservando sua dignidade humana.

2. A CRIMINOLOGIA DE ORIENTAÇÃO POSITIVISTA CENTRADA NO MANIQUEÍSMO DO BEM/MAL

Antes de tratar de tal tópico, cumpre salientar que o objetivo deste é analisar a criminologia de orientação positivista. Dessa forma, se fará apenas uma referência às demais correntes filosóficas acerca do estudo da criminologia.
O cerne de toda problemática aqui levantada consiste na aceitação da condição humana do preso, nos obstáculos existentes para se compreender que ele, por violar o contrato social, não deixa de ser homem, assim como o indivíduo livre o é. Desde o início dos tempos até o século XV, havia a fase empírica e mitológica do crime. Com efeito, havia os tabus da sociedade e a prática da atividade delitiva consistia na ruptura da paz social, o que desafiava instintivamente uma defesa em prol dos grupos humanos. Para Hipócrates, o delito é o desvio anormal da conduta humana; a lei ateniense já previa que todos os criminosos sofriam de doenças mentais. Aristóteles e Platão , por sua vez, asseveravam que o crime se dava em razão das diferenças sócio-economicas entre os homens e que advinham do exercício do livre-arbítrio, devendo a pena ter, eminentemente, caráter preventivo e não repressivo. Tal argumento foi trabalhado, a posteriori, por Santo Tomás de Aquino , que, defendia, inclusive que se existisse fome ou necessidade grande e urgente, os bens deveriam se tornar comuns Com efeito, furtos para saciar a fome não seriam crimes.
Durante a Idade Moderna, do século XVIII ao princípio do século XIX, desenvolveu-se a Escola Penal Clássica, sendo seus expoentes Jeremy Bentham na escola da Inglaterra, Anselm Von Feuerbach na Alemanha, Cesare Beccaria , Filangieri, Pellegrino Rossi, Romagnosi, Carmignani e Francesco Carrara na Escola Penal Clássica Italiana . Trata-se de uma vertente filosófica inserida no seio do movimento revolucionário burguês, fortemente influenciado pelos ideais iluministas, ou seja, individualista, humanitária, com fundo ético.
Na Idade Contemporânea os cientistas definiam padrões bio-psíquicos para determinar qual homem era delinqüente e qual não o era. Por conseguinte, predominavam os requisitos patológicos na definição e classificação do sujeito criminoso e do não criminoso (“L´Uomo Delinqüente”, Cesare Lombroso, 1876). Baseado em dados antropométricos, Lombroso definiu quem seria o criminoso nato, ou seja, aquele que possuiria predisposição genética para o cometimento de crimes, que seria aquele com atavismo simiesco. Todavia, ele ainda salientou que a conduta criminosa pode surgir também dos criminosos não natos, ou seja, homens comuns que por força das circunstâncias, terminam por cometer crimes. Dessa forma, determinando estigmas físicos, aliados a estigmas sociais, como o uso das gírias pelos supostos criminosos, bem como o uso de tatuagens – o que refletia a insensibilidade do criminoso em relação à dor e o gosto pelo ornamento – Lombroso, de forma determinista, passou a estipular que os homens que se encaixavam total ou parcialmente nessas características eram criminosos natos.
Henrique Ferri foi o responsável pelo desenvolvimento da Sociologia Criminal, analisando o crime a partir dos seus três fatores: antropológicos, físicos e sociais. Destarte, passou a classificar os criminosos em natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão. Em contraposição aos argumentos da Escola Clássica – em que o fundamento da imputabilidade reside no exercício do livre arbítrio – para Ferri, interessa a responsabilidade social em detrimento da moral. A razão da reação punitiva é a defesa da sociedade; sugeriu, então, substitutivos penais, como forma de prevenção à delinqüência. A pena deve ser indeterminada e ajustada à natureza do delinqüente, com o escopo de reajustá-lo ao convívio social (ressocialização).
Stephan Jay Gould , tecendo críticas à criminologia de orientação positivista, ao analisar Ferri, assevera que este defendia, através da invocação também da teoria darwiniana, que a evolução mostra que o progresso vital das espécies se dá em razão da seleção contínua, ou seja, se aquele indivíduo é degenerado moral e biologicamente, não há o porque a sociedade mantê-lo vivo, pois ele nunca poderá retornar ao seu convívio. Os portadores da síndrome de Down, epilépticos e os que preenchiam os requisitos determinados por Lombroso, dessa forma, potencialmente criminosos, deveriam ser permanentemente afastados ou condenados à morte, posto que, incapazes de purificação, como forma de seleção natural.
Garofalo objetivou apoiar o conceito naturalista do homem criminoso em um conceito naturalista do crime. O crime, portanto, estaria sempre no indivíduo e é revelação de uma natureza degenerada, independendo as causas, se antigas ou recentes, dessa degeneração. O delito natural seria por definição, a violação dos sentimentos de piedade e probidade em relação ao “homem médio”, perpetrando ações danosas à sociedade. Contrariamente ao defendido por Lombroso, o criminoso nato não é aquele que possui anomalias físicas, mas anomalias morais, ou seja, de ordem psíquica. Em oposição a Ferri, confere maior atenção à repressão do crime. Por fim, entende que em relação aos criminosos mais comuns, deve haver a eliminação do indivíduo definitivamente do seio da sociedade, quer pela pena de morte, quer pela deportação, relegação a colônias penais.
A partir da segunda fase da Idade Contemporânea, mais precisamente dos anos 30 em diante, surge outra vertente da visão positivista; passa-se à análise não mais dos critérios bio-psíquicos do indivíduo, afastando o estudo centrado apenas nas características patológicas, implementando um rigoroso determinismo. Interessa, na criminologia contemporânea, não o delito cometido, mas o autor do fato . O preso era apenas um objeto de estudo, um ser diverso, que desafiava análise e a criminologia se torna uma ciência autônoma.
A concepção positivista como estudo de causas determinou que a criminologia deveria traçar as principais características do delinqüente, seus sinais antropológicos e isolá-lo num local (prisões e hospitais de custódia e tratamento) para avaliar as causas que o levaram a praticar crimes. Muda-se, então, a percepção acerca do indivíduo criminoso: não se estudam mais os caracteres biológicos e psicológicos, mas os sociológicos, as causas ou fatores (paradigma etiológico) que o levaram a delinqüir e a conseqüente implementação de medidas individuais para removê-los, agindo incisivamente no sujeito (correcionalismo); há a contraposição da “antropologia criminal” para a “sociologia criminal”, que, conforme ex vi fora criada por Ferri.
Esta percepção de que o criminoso é um ser diferente que precisa ser “corrigido” por medidas rigidamente determinadas, a ponto de se afirmar que o crime é um comportamento definido pelo direito, só é contestada e substituída pela adoção do novo paradigma, o labeling approach (paradigma da reação social). Passa-se então a questionar a coerência de se estipular que a criminalidade é um conjunto de dados pré-constituídos acerca de certos sujeitos e ações. No paradigma da reação social há o repúdio à idéia do crime ser algo pré-definido pelo direito, à consideração do criminoso como um ser diferente e ao próprio determinismo.
A criminologia de orientação positivista então institui a concepção da dualidade no maniqueísmo do bem e do mal, concepção esta que será desarticulada por Emile Durkheim , em sua teoria estrutural-funcionalista da anomia (ausência de normas, devido ao fato de que o homem vive em uma ordem imposta) e da criminalidade, desenvolvida por Robert Merton . Assim sendo, passa-se à crítica da orientação positivista em suas duas vertentes: os critérios biopsicológicos que definem um criminoso da autoria de Cesare Lombroso, e a sociológica que estuda a etiologia do crime. Interessante colher as lições de Alessandro Baratta:
A teoria estrutural-funcionalista da anomia e da criminalidade afirma:
1) As causas do desvio não devem ser pesquisadas nem em fatores bioantropológicos e naturais (clima, raça), nem em uma situação patológica da estrutura social.
2) O desvio é um fenômeno normal de toda estrutura social.
3) Somente quando são ultrapassados determinados limites, o fenômeno do desvio é negativo para a existência e o desenvolvimento da estrutura social, seguindo-se de um estado de desorganização, no qual todo sistema de conduta perde valor, enquanto um novo sistema ainda não se afirmou (está é a situação de “anomia”). Ao contrário, dentro de seus limites funcionais, o comportamento desviante é um fator necessário e útil para o equilíbrio e o desenvolvimento sócio-cultural.
O crime seria, em verdade, não uma doença acometida ao criminoso, mas algo intrínseco da própria sociedade, inerente à sua existência. Se ocorre um fato delituoso, não foram os requisitos biopsicológicos do infrator ou as condições em que ele tece suas relações com os demais indivíduos que o conduziram à prática do crime, a tal ponto de se estabelecer critérios que determinem o reconhecimento e posterior punição por eles. Este determinismo positivista é falho e irreal, haja vista que não previne nem “ressocializa” o infrator, apenas o pune como pessoa, desconsiderando sua condição humana e o principal: as circunstâncias do ato cometido. Pune-se o autor e não o fato.
Com fulcro na criminologia positivista, que ainda hoje impera nas sociedades modernas, se entende que o criminoso é o “mal” e os homens não criminosos são o “bem”. Esta percepção distorcida da realidade é a base para a não aceitação da condição humana do preso. A ciranda dos horrores, devidamente narrada sob minuciosa descrição pelo filósofo Michel Foucault traduz com precisão a sede de vingança da sociedade, o ódio e a vontade de punir com crueldade àquele que transgride a lei; Nietzsche confronta a dualidade bem/mal, asseverando que o bem e o mal residem em todos os homens e critica a “moral dos rancorosos”, as falsas ovelhas que apontam as mazelas existentes nos outros e no mundo, sendo as pessoas mais fracas e ressentidas, cheias de ódio. Nietzsche ao criticar o comportamento dos cristãos elabora, em verdade, uma crítica à própria sociedade que, com base nos “bons valores cristãos” erigem à condição de virtudes a pobreza, a prostração, e a incapacidade. Portanto, para a sociedade “pura” (o “bem”), o indivíduo que comete crime torna-se o “mal”, o seu “câncer”, devendo ser punido. Percebe-se, pois, que há uma confusão entre direito e moral e moral e religião. É correto e moral aquilo o que o catolicismo afirma que o é; o direito elabora as leis para preservar a moral e punir o imoral.
Este paradoxo eivado de valores ocidentais cria a utopia da “ressocialização” e aponta o Estado como o único “Ser” capacitado para combater o mal. Neste sentido, a fim de combater o “mal”, percebe-se que o ius persequendi e o ius puniendi estatal deflagra-se não a partir de determinado fato tido como ilícito, mas de uma própria classe de pessoas eleitas como aptas a delinqüir: é o direito penal do autor .
A Teoria da Defesa Social surgiu durante o movimento filosófico do Direito Penal, com a Escola Penal Clássica, ou seja, durante a revolução burguesa, em contraposição ao cientificismo e a codificação penal que imperavam na revolução. O desvio social (delinqüente) é o “mal”, o elemento negativo, e a sociedade o “bem”. Percebe-se, pois, que ainda hoje se aplica tal orientação por ser interessante ao Estado a manutenção deste maniqueísmo, reforçando o seu poder de combate ao mal e o enfraquecimento das sociedades.

3. O USO DO MÉTODO CIENTÍFICO E AS VERDADES ABSOLUTAS
Neste ponto, primeiramente serão analisados criticamente os métodos científicos apontados por filósofos como sendo o único caminho possível ao alcance das verdades das coisas. Com isso se pretende demonstrar que não há um único método científico capaz de conduzir o pesquisador à verdade absoluta das coisas, haja vista que existem apenas verdades parciais, uma vez que, conforme será demonstrado, o homem ao interpretar, o faz a partir de um ponto de vista próprio, manchado por experiências pessoais e a cultura de uma sociedade na qual ele se encontra mergulhado. Não raro tais cientistas são utilizados como instrumentos, a “voz” do ente político para criar dogmas e propagar falsas verdades que apenas lhe servem para justificar a manutenção de uma classe no poder. Passa-se a uma análise breve do método dedutivo, indutivo, fenomenológico e hipotético-dedutivo.
Em Descartes , há a consagração do método dedutivo. O raciocínio dedutivo parte do geral ao particular. A partir de princípios, leis ou teorias consideradas verdadeiras e indiscutíveis, predizem a ocorrência de casos particulares com base na lógica. Através das verdades absolutas se alcança, por dedução, as demais premissas. A primeira grande verdade alcançada por Descartes era a máxima: penso, logo existo. Em seguida, Descartes afirmou que sua existência e tudo que ele possuía eram provenientes de Deus; dependia, portanto, deste ser perfeito.
Analisando os métodos existentes para o alcance do conhecimento, como a lógica, a matemática e álgebra, Descartes deparou-se com suas falhas e objetivou criar um método que encerrasse as qualidades dessas ciências e fosse livre do seus defeitos. Para tanto, estabeleceu quatro preceitos, quais sejam: evitar a precipitação e a prevenção, de sorte que não se deve aceitar como verdadeiro algo que não se analise e conheça em seu âmago; dividir o objeto de dúvida em tantas partes quanto as suficientes para resolve-la; condução ordenada dos pensamentos, partindo de objetos mais fáceis para os mais difíceis, ou seja, partindo da premissa geral para a específica; revisar todos os argumentos concernentes ao objeto de estudo, a fim de não omitir qualquer dado. Dessa forma, o raciocínio obedece uma ordem necessária para que uma razão (proporção) seja deduzida de outra.
O que se deve criticar do método dedutivo é a certeza da verdade absoluta como premissa máxima. Ora, como se pode afirmar que algo é insusceptível de crítica e avaliação? A afirmação de algo como inescusável apenas fortalece os discursos manipuladores como o que ocorre com a ficção jurídica da “ressocialização”.
Antes de tratar do método indutivo de Bacon , é mister tratar dos ídolos por ele traçados. Para este autor, os ídolos (falsas noções), são responsáveis pelo bloqueio da mente humana e dos equívocos da ciência e dos homens que se dizem cientistas, capazes de, inclusive, obstaculizar o alcance das verdades. Com efeito, Bacon classificou esses ídolos em quatro grupos: 1) Idola tribus (ídolos da tribo): nascem da própria natureza humana, do fato do homem conviver em sociedade e em razão das deficiências do próprio espírito humano; 2) Idola specus (ídolos da caverna), resultantes do homem como indivíduo, inerentes à própria educação e dos costumes, da absorção das lições a eles formuladas. Trata-se de uma alusão à alegoria da caverna platônica; 3) Idola fori (ídolos da vida pública). Decorrem das relações travadas entre os homens através do uso da linguagem, mais precisamente do mau uso que dela se faz; 4) Idola theatri (ídolos do teatro): são ídolos que são transferidos para o espírito dos homens a partir da assimilação das doutrinas filosóficas, que figuram como fábulas, peças teatrais.
Cumpre aqui realizar uma pequena pausa para se comparar os ídolos de Bacon aos mitos de Cassirer ao analisar os critérios epistemológicos de Kant, tratado por Vladimir Fernandes . Em sua obra Filosofia das Formas simbólicas, Cassirer, diferentemente de Kant que afirmava que a ciência era um conhecimento universal por excelência, entende que a ciência deve ser encarada como um conhecimento simbólico, uma construção. Perde, nesse momento, a ciência seu caráter universal e necessário tornando-se apenas outra forma de conhecimento simbólico. Todo conhecimento humano seja científico ou não, se dá de forma simbólica.
Em seguida Cassirer trata dos mitos que resultam de experiências coletivas dos homens. São as emoções expressas que são transformadas em imagens, que por sua vez são a interpretação do mundo exterior. Com efeito, ao analisar o fenômeno do nazismo, o autor pondera que o Estado é um mito (O Mito do Estado). A essência do mito político para a explicação do nazismo em sua supracitada obra consiste no estudo do caminho metodológico percorrido. Através das formas simbólicas, que consistem numa ampliação da revolução copernicana de Kant para tratar da pluralidade de formas, pode-se conceber o mundo pelo animal simbólico que é o homem. Por conseguinte, a teoria dos mitos serve para explicar os mitos políticos modernos; todavia, Cassirer indaga acerca da existência de diferença entre o mito moderno – coberto pela arma técnica (intelectualismo e intenção), criado a serviço de líderes políticos – e o mito primitivo. Antes o papel de criador de mitos cabia à religião; a posteriori o Estado assumiu tal postura . Os mitos assumem o mesmo papel dos ídolos de Bacon. Confundem, embaçam o intelecto dos homens, torna-os mais facilmente domináveis, sobretudo pela facilidade como são aceitos e propagados pela comunidade, haja vista que são informações passadas aos cidadãos desde sua concepção.
Após essa breve digressão, retorna-se à análise crítica dos métodos científicos. Em Bacon, a teoria da indução é bem detalhada na segunda parte de sua obra Novum Organum. Após o homem ter se libertado das amarras criadas pelos ídolos, ou seja, após entender os equívocos e as fragilidades do método da antecipação da natureza, está o investigador apto a se debruçar verdadeiramente sobre o objeto de estudo. Em verdade, o método indutivo de Bacon está praticamente centrado no uso da linguagem e é uma crítica ao silogismo aristotélico; o verdadeiro conhecimento é obtido através da concordância e da variação dos fenômenos, que se corretamente avaliados, implicam na própria causa do fenômeno. A indução parte do particular para se alcançar o geral; a dedução do geral para e alcançar o particular.
Novamente, deve-se criticar este método pela mesma razão do método dedutivo: apresentar apenas um único método como capaz de se alcançar às verdades absolutas é uma falácia. Apenas afasta o homem do conhecimento e torna mais fácil e clara sua passividade diante das coisas.
Boaventura de Sousa Santos , analisando o paradigma dominante, sua crise e o surgimento do paradigma emergente, pondera que a partir do século XIX, o modelo do racionalismo, passou a ser utilizado para se referir também às ciências sociais emergentes. Podia-se então se falar de um modelo global de racionalidade científica, que admitia a verdade interna, mas que defendia suas fronteiras externas de duas formas de conhecimento, consideradas potencialmente perturbadoras: o senso comum ou estudos humanísticos. Com efeito, até então todas as verdades só poderiam ser alcançadas se o objeto de investigação era submetido a um rigoroso método, único, que seria capaz de conduzir o investigador a verdade real das coisas. Cita o autor neste ponto os métodos elaborados por Descartes e por Bacon; ressalta o autor que esses dois filósofos, dentre outros, se vangloriavam de suas descobertas, demonstrando uma certeza epistemológica, como se tivessem alcançado a solução para todos os males existentes. A obra Novum Organum de Bacon opõe a incerteza da razão entregue a si mesma à certeza da experiência ordenada.
Assim sendo, os métodos a serem utilizados eram sempre comparados às ciências exatas, como as matemáticas, para que se alcançassem as verdades. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições; interessa não as qualidades intrínsecas do objeto, mas a quantidade. A crise do paradigma dominante, qual seja, da racionalidade científica seria não apenas profunda, mas irreversível; em seguida afirma que o período da revolução científica iniciada por Einstein não traduz a certeza de quando acabará. Houve em verdade todo um movimento interdisciplinar para se questionar os dogmas do racionalismo científico. Outro ponto importante além da necessidade de entrecruzamento das ciências naturais com as humanas, foi a necessidade de se rever a relação sujeito/objeto, sendo que passa-se a uma interiorização do sujeito à custa da exteriorização do objeto. Busca-se, com isso, uma racionalidade mais plural, em busca de um novo conhecimento, que aproxime o homem comum da ciência.
Com efeito, Cossio aborda a questão dos métodos interpretativos, em concordância ou em conflito de resultados em relação à lei, também criticando os cientistas que apresentam apenas um único método hábil ao alcance das verdades. Mesmo quando os métodos concordam, se existe a percepção de que a questão é um problema, há que se ter plena consciência dela, não apenas dos seus objetivos, mas da posição da qual se analisa a questão, evitando, com isso, a tentação de estabelecer certo método interpretativo como o único verdadeiro. Tal fato leva à percepção de que são distintos concepções interpretativas e métodos interpretativos. Cada um destes últimos contém uma concepção interpretativa, mas apenas as concepções interpretativas intelectualistas contêm um método interpretativo.
Hegenberg analisa os diversos métodos utilizados pelo filósofos na busca incessante das verdades absolutas. Trata, então, do método cartesiano, do método baconiano, tecendo-lhe críticas, e, enfim do método hipotético-dedutivo e detém, em seguida, maior tempo explanando as idéias de Popper. Através da lógica, afirma não ser possível se confirmar generalizações, mas é possível que se refute tais assertivas, para que, sob o prisma da metodologia, se torne viável “imunizar” uma generalização contra as possíveis refutações. Ou seja: para Popper, se o investigador quer confirmar uma generalização, deve primeiramente refuta-la, para apenas em seguida explana-la de forma que não caibam mais refutações; o método hipotético dedutivo tem o mérito de reunir observações e hipóteses, e, através de um processo cíclico, há o aperfeiçoamento das técnicas usadas para as observações e constante reexame de hipóteses. Todavia, a grande contribuição de Popper foi afirmar que mesmo por seu método hipotético-dedutivo, não se é capaz de encontrar as verdades absolutas, mas conhecimentos progressivos.
Com efeito, Karl Popper ressalta o caráter permanentemente provisório dos nossos conhecimentos, posto que não se pode demonstrar aquilo que se sabe, mas é certo também que muitas vezes, aquilo que é sabido é falso. Por conseguinte, nada na ciência é absoluto, inalterável. Os preceitos científicos servem aos efeitos práticos; algo que é verdadeiro hoje pode não o ser amanhã. Diante das diversas teorias e das opiniões divergentes dos autores, Hegenberg indaga se realmente existe um único método científico, ou diferentes técnicas científicas para os diferentes ramos da ciência, sobretudo a diferença entre as ciências naturais e sociais.
Neste mesmo sentido, Feyerabend também entende que não existe um único método capaz de nos conduzir a uma verdade; todos os argumentos são refutáveis, e não há uma única verdade, tampouco um único método capaz de revela-la. Há vasta utilização dos ensinamentos de Popper, sobretudo em relação ao sempre criticar, confrontar e refutar seus próprios argumentos, como única forma de se levantar verdadeiras hipóteses e prova-las. Dessa forma, os métodos apontados pelos autores como únicos aptos, nada mais são, em verdade, que aquilo que eles desejam que o seja, uma fonte de “Poder”. Existem verdades temporárias, de acordo com aquele que interpreta o fato, o momento histórico no qual se encontra inserido e as razões culturais. Convém transcrever trecho de sua obra:
Vemos que muito claramente como algumas substituições podem transformar uma lição política em uma lição de metodologia. Isso não é de modo algum surpreendente. Metodologia e política são ambas meios de passar de um estágio histórico a outro
[…]
A idéia de um método que contenha princípios firmes, imutáveis e absolutamente obrigatórios para conduzir os negócios da ciência depara com considerável dificuldade quando confrontada com os resultados da pesquisa histórica. Descobrimos, então, que não há uma única regra, ainda que plausível e solidamente fundada na epistemologia, que não seja violada em algum momento.
Assim sendo, não é correto se afirmar que há apenas um método apto a conduzir o homem à verdade do objeto de pesquisa. A verdade encontrada é apenas uma percepção que o intérprete tem do objeto, o que não invalida a pesquisa de outrem.
Ademais, aqueles que se encontram no “Poder” sempre se utilizam de tais argumentos falaciosos para legitimar e perpetrar sua influência e poder de decisão. Com efeito, apenas interessa aos que se encontram no “Poder” a definição absoluta do que é verdade e daqueles que se encontram aptos a determina-las.
Urge ainda tratar do método fenomenológico que Maurice Merleau-Ponty trata em sua obra Fenomenologia da Percepção. O autor assevera que os objetos nada mais são que a visão que os sujeitos possuem deles, ou seja, o reflexo da idéia, imagem que os homens têm deles, atrelada a suas próprias experiências. Uma determinada casa seria de uma forma para um sujeito e de outra para outro, quando, em verdade, a casa nada mais é que perspectivas de algo. Assim sendo, um objeto se revela de uma determinada forma, sob certo ângulo para um sujeito e de outro ângulo para outro sujeito, sem que exista uma única forma correta; revela-se em razão das diversas perspectivas. Essa é a análise sujeito-objeto.
Com efeito, Ponty faz reflexões sobre o corpo. Segundo o autor, é através do corpo, que é o nosso ponto de vista do mundo, que o homem tem consciência do mundo e por meio do mundo que o homem tem consciência do seu corpo. Todavia, pontua que a forma como se conhece o mundo depende da cultura e da sociedade na qual o pesquisador está inserido. Assim sendo, a ciência nunca alcançará o mesmo sentido que o mundo percebido, haja vista que o mundo percebido é o vivido, o experimentado; a ciência, portanto, apenas descreve, explica e analisa esse mundo percebido.
Essa análise – de que não existe um único método correto e que a interpretação que os estudiosos fazem dos objetos de pesquisa nada mais são do que a projeção de um ponto de vista lastreado em suas experiências – permite afirmar que a “ressocialização” nada mais é do que uma ficção jurídica criada para manipular a sociedade e transmitir a falsa idéia de segurança aos cidadãos .
Ademais, conforme demonstrado, a palavra “ressocialização” possui diversas acepções, que assim estão dispostas para facilitar o “jogo” realizado pelo ente político, através da justaposição de prefixos e sufixos e conseqüentemente torna mais simples enganar o cidadão. Ao defender a idéia de que o recluso necessita de sua intervenção para que se torne sociável novamente, ou seja, apto a tecer relações de forma regular, normal com os demais homens, o Estado propaga a noção que o preso, ao romper com o contrato social, perde sua condição social, ou seja, humana, haja vista que a sociabilidade é característica inerente ao homem. O homem é um animal político, social, e se afirmar que ele perde tal condição é asseverar que ele deixa de ser homem.
Percebe-se, pois, que Boaventura de Sousa Santos, Carlos Cossio, Hegenberg, Karl Popper, Ponty, Stephan Jay Gould, Feyerabend, questionam a existência de um único método capaz de conduzir o pesquisador a verdade real das coisas. Dessa forma, questionam até mesmo o que seria verdade absoluta e verdade parcial das coisas. Como se pode afirmar com certeza que apenas um caminho é o adequado para se tocar o âmago do objeto de estudo? Por fim, interessante adotar a opinião de Gould, ao tratar do método científico de Lombroso, criado por ele apenas para defender seu ponto de vista em relação à sua teoria atropomética do crime, criada para legitimar as conclusões previamente estipuladas pelo autor. Não raro os cientistas criam métodos que melhor lhe aprouve para espalhar seus dogmas e confundir as mentes dos demais. São argumentos que visam tão-somente agradar e legitimar um poder controlador; não há a preocupação com a sociedade em si, com as questões econômicas e sociais que levam um indivíduo a delinqüir, mas com a necessidade de se punir uma classe, um autor e livrar o Estado de suas responsabilidades.

4. O PAPEL DOS MITOS E ÍDOLOS NA CONSTRUÇÃO DA FICÇÃO JURÍDICA “RESSOCIALIZAÇÃO” E A TEORIA DO GARANTISMO PENAL
Analisando a etimologia do termo “ressocialização” e traçando um paralelo com os ídolos de Bacon e os mitos de Cassirer, percebe-se claramente a manipulação do discurso estatal através dos conceitos, quando cria a ficção jurídica da “ressocialização”. Destarte, a palavra “socializar”, possui os seguintes significados:
Socializar: v. tr., tornar social;colocar sob o regime de sociedade ou associação; aplicar os princípios do socialismo. socialização: s. f., acto ou efeito de socializar; desenvolvimento do sentimento colectivo da solidariedade social e do espírito de cooperação nos indivíduos associados; processo de integração mais intensa dos indivíduos no grupo .
Por conseguinte, da análise do termo “socializar”, exsurge a tentativa de se propagar a idéia de que o criminoso, por ter provocado um abalo no contrato social, é considerado como um ser não “sociável”, que perdeu tal característica devido aos seus atos. Ora, o Estado ao recolher o indivíduo não social, faz incidir sobre ele medidas tendentes à “purifica-lo”, para, em seguida devolve-lo ao convívio da sociedade, apto a se relacionar com demais cidadãos, ou melhor, devidamente adestrado e pronto a obedecer às ordens do ente político. Se o “delinqüente”, ao retornar à vida em sociedade torna a cometer crimes, é taxado como ser “anti-social”, “frios de ânimo”. Não se estudam as causas que levaram aquele homem a cometer crimes; o Estado apenas transfere a ele a responsabilidade pelos delitos. O prefixo “re-”, no caso, tem o valor adverbial de “outra vez”, “de novo”; “ressocializar” é tornar novamente sociável. Ademais, conforme anteriormente tratado no outro tópico, o termo “ressocialização” refere-se, por conseguinte, ao uso do trabalho como forma de purificação do homem. Ora, já foi demonstrado o pensamento de Michel Foucault que acertadamente denuncia o trabalho como instrumento de alienação do preso, anulando-o. Neste diapasão, Bruno de Morais Ribeiro pondera que:
Essa nova concepção da função de reintegração social da pena privativa de liberdade se assenta, portanto, na inadmissibilidade de processos que visem à reforma coativa da personalidade. O exercício do poder estatal não pode impossibilitar o exercício do poder de liberdade de escolha dos indivíduos, que, por serem criminosos, não deixam de ser indivíduos. Ainda analisando o conceito declarado do termo “ressocialização” e o uso dos métodos e da linguagem como instrumento de manipulação estatal para a consagração de seus dogmas, cumpre tratar também da concepção de auto-engano e auto-reflexão e da necessidade emancipatória do intelecto humano em Habermas e o pensamento desenvolvido por Emile Durkheim . Em Habermas, a sociedade vive um constante auto-engano, ao não perceber que é manipulada por um “Poder” controlador. Com efeito, não percebe que apenas repete as regras impostas por um grupo sem questiona-las. Apenas com a auto-reflexão, ou seja, somente através do desenvolvimento da consciência da sociedade de que se encontra auto-enganada, que haverá a libertação da mesma do engano. Percebe-se aqui a proximidade entre a compreensão do auto-engano para Habermas, os mitos de Cassirer e os ídolos de Bacon: são falsas noções criadas para embaçar e facilmente dominar o intelecto humano.
Para Durkheim, o homem encontra-se circunscrito num ambiente social que implica fatores coercitivos, os quais obrigam este indivíduo a se amoldar aos ditames da sociedade. Dessa forma, o homem deve obedecer aos parâmetros historicamente impostos pelo grupo social ao qual ele pertence. Segue, portanto, padrões preestabelecidos e exteriores ao próprio, que abarcam o plano psicológico, moral, hábitos, costumes, comportamento, toda sua cultura. Tal processo é, até certo ponto, inconsciente, instintivo, e são fatores determinantes para se asseverar seu maior ou menor comprometimento com os processos coletivos.
Assim sendo, a forma pela qual o meio social se utiliza dos instrumentos de coerção e instituições educativas aliena o indivíduo, controla-o, regula-o e molda-o aos padrões por ela pré-determinados, tornando os processos coletivos harmônicos, preservando o pacto social. Através do processo de coerção/conversão, o indivíduo aprende, desde cedo, a obedecer as regras impostas, sem questiona-las, garantindo dessa forma, a paz social, a equilibrada convivência coletiva. Dessa forma, pode-se afirmar que a “ressocialização” nada mais é do que outra ficção jurídica criada pelo “Poder” dominador para manter a sociedade no auto-engano, fortalecer os ídolos e os mitos e, conseqüentemente, manter e legitimar seu controle.
Conforme ex vi, os métodos científicos e linguagem são utilizados como importantes instrumentos de manipulação, uma vez que afastam o homem comum do conhecimento; a criação dos dogmas e a defesa da existência de um único método capaz de conduzir o pesquisador a verdade absoluta das coisas servem de arma para manter o controle estatal. Com efeito, cria-se a ficção jurídica “ressocialização”, um mito que tem por escopo tão somente legitimar o poder punitivo estatal, uma vez que passa a falsa noção à sociedade de que o preso é um ser não-social, impuro, que necessita da intervenção estatal para, através de um processo de purificação, retornar à comunidade, apto a tecer normalmente suas relações.
Luigi Ferrajoli em sua obra Direito e Razão, consagra a visão do preso como ser humano, com sua dignidade devidamente reconhecida e preservada, a partir da teoria do garantismo penal. Trata das questões envolvendo as garantias dos homens em geral, de diferentes classes, separadas por desigualdades jurídicas e desigualdades sociais. Critica a atuação do Estado que, sob a escusa de manter a segurança interna e externa do país, sacrifica os direitos fundamentais da maioria da população para preservar a de uma minoria influente.
Dessa forma, o garantismo penal consiste na preservação dos direitos fundamentais do homem recluso, consagrando sua condição humana, respeitando sua existência digna; com efeito, o ente político promove um discurso na tentativa de eximir-se da responsabilidade ante o aumento da criminalidade, oriundo do aprofundamento das desigualdades sociais, da não distribuição de rendas, da falta de educação e trabalho. Tal discurso transfere a culpa do Estado para o cidadão, e visa, conforme ex vi legitimar o poder punitivo estatal. Para tanto, o papel da imprensa, dos meios de comunicação em geral, é fundamental, posto que repete como verdadeira a pior das falácias, qual seja a “ressocialização”, aliena e debilita a sociedade, nutre inverdades e empobrece intelectualmente a comunidade. Para o Estado, não é interessante que a sociedade pense, tenha acesso à educação e a informação, pois quanto maior o nível intelectual de uma comunidade, mais difícil se torna sua manipulação.
Para que se desafogue o sistema penal, é mister que haja o reconhecimento dos direitos do preso, reconhecendo-o como pessoa, conforme leciona Jason Albergaria:
Para C. Calón (3), a questão do respeito à pessoa do condenado tem íntima conexão com os direitos do recluso, que são parte integrante de sua personalidade. O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não é um “alieni júris”, não está fora do direito, pois encontra-se numa relação jurídica em face do Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados pela condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas.
Pode-se afirmar que os direitos dos presos, sua dignidade humana, só será verdadeiramente reconhecida, respeitada e aplicada a partir do momento em que a sociedade atual mudar sua concepção baseada na criminologia positivista, no maniqueísmo do bem e do mal, para aceitar a condição humana do preso e romper com o paradigma da “ressocialização” do condenado, da “purificação” do preso, promovida pelo Estado. É mister que se reconheçam os direitos humanos dos reclusos como forma de limitar a atuação estatal, rompendo com o arbítrio e consagrando a dignidade da pessoa humana do preso.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme ex vi, o Estado se utiliza de um discurso falho e manipulador, centrado no maniqueísmo do bem/mal, criando falsas verdades, dogmas, mitos e ídolos para “embaçar” o intelecto dos homens e consagrar seu poder perseguidor e punitivo. O indivíduo que comete um delito e, conseqüentemente promove uma ruptura no contrato social é um ser não sociável, impuro, devendo incidir sobre ele uma pena e, durante a execução desta, ele é submetido a um processo de castração e anulação, propagado pelo Estado como procedimento de “purificação do indivíduo”, a fim de que o mesmo seja devolvido à comunidade como um ser obediente. Tal concepção nasce e se desenvolve a partir dos conceitos de bem e mal, criados desde os primórdios da humanidade e transformados para bem servir aos interesses do ente político, de tal sorte que o maniqueísmo do bem/mal reside na dualidade preso/Estado.
Analisou-se, em linhas gerais, a etimologia do termo “ressocialização”. Os mitos aos quais Cassirer se refere encontram conexão com os ídolos de Bacon; foram criados e desenvolvidos segundo padrões aceitos por uma sociedade que apenas serve aos interesses de uma classe dominante. É mister, portanto, que o homem se liberte desses mitos e ídolos para exercer um senso crítico e buscar as respostas para sua indagações. Com efeito, os métodos científicos como o lombrosiano, o cartesiano e o baconiano, são também instrumentos usados pelos cientistas – homens detentores de um conhecimento especial, inacessível ao cidadão comum – para espalhar inverdades como verdades absolutas, inquestionáveis pelo homem. Percebe-se, pois, o jogo manipulador da classe dominante, que encontra seu ápice na ficção jurídica da “ressocialização”.
Por fim, tratou-se do garantismo penal e seus princípios, salientando que apenas através do efetivo respeito à condição humana do preso, a pena será executada respeitando-se os princípios constitucionais inerentes a um Estado Democrático de Direito.

6. REFERÊNCIAS
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Acesso em: 25 mar. 2008
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Edval Borges da Silva Segundo

1. INTRÓITO
Sendo a metodologia, na lição de L. Hegenberg, o estudo de métodos científicos, cujo escopo é aperfeiçoar procedimentos e critérios utilizados na pesquisa e, por conseguinte, na produção de toda e qualquer produção de conhecimento, visando alcançar os mais altos padrões de controle na investigação científica , o presente trabalho pretende demonstrar os caminhos para se chegar à correta aplicação do juiz natural na distribuição das ações de alimentos.
Entretanto, não se quer exaurir todos os métodos propostos pelos diversos pensadores do século XX, nem tampouco se almeja provar os únicos caminhos para o bom emprego da aludida garantia. Seria demasiadamente pretensioso.
O que se espera, em verdade, é a comprovação da mácula ao juiz natural por força da aplicação do artigo 1° da Lei n. 5.478 de 1968, na qual dispensa a prévia distribuição da ação de alimentos.

2. O JUIZ NATURAL
2.1. BREVE HISTÓRICO
Na tradição do Direito Constitucional brasileiro, a garantia do juiz natural está presente desde o início, equivalendo-se tanto a proibição de tribunais extraordinários (ex post facto), como a vedação da evocação, ou seja, transferência de uma causa para outro tribunal. Em vista disso, vê-se a permissão do poder de atribuição, pela instituição de juízos especiais, desde que pré-constituídos.
Nesse sentido, estabelecia o inciso XVII do artigo 179 da Constituição Imperial de 1824 que “À exceção das causas que por sua natureza pertençam a juízos especiais, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causa cíveis ou criminais”. Também no mesmo artigo, o inciso XI firmava que “Ninguém será sentenciado, senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita” .
Já a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891,
acompanhando a anterior, dispôs que (artigo 72, § 23) “À exceção das causas que, por sua natureza, pertencem a juízes especiais, não haverá foro privilegiado”; e no seu § 15 que “Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada” .
Após a lacuna deixada pela Carta de 1937, que omitiu a garantia do juiz
natural, espelhando-se na orientação ditatorial, a Constituição de 1946 repetiu a dicção das Leis Fundamentais anteriores.
O Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, em seu § 15 do artigo 150, reconduziu expressamente a garantia do juiz natural ao impedimento de
foro privilegiado ou tribunais de exceção:
A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção. (sem destaque no original)
A vigente Lei maior, assegurando a imparcialidade do Judiciário e a
segurança do povo contra o arbítrio estatal, proclama o juiz natural nos incisos XXXVII e LIII do seu artigo 5.°. Nesse sentido, assevera respectivamente que “não haverá juízo ou tribunal de exceção.” e “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” .
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi devidamente ratificada e integrada ao nosso ordenamento pelo Decreto n.° 678 de 1992. Tal pacto não trouxe qualquer novidade quanto a garantia do juiz natural, apesar de não citá-la explicitamente.
Artigo 8.° Garantias judiciais. 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de uma prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (destaquei)
Assim, seguindo os termos do § 2.° do artigo 5.° da Constituição Federal , as garantias mencionadas pela Convenção de Costa Rica passaram a ter índole constitucional, determinado de modo mais preciso ainda o juiz natural.

2.2. CONTEÚDO E ALCANCE DO JUIZ NATURAL
A imparcialidade do juiz não é apenas um mero atributo da função jurisdicional, mas sim a sua essência. Em vista disso, o caráter aderente do juiz no processo, pela completa jurisdicionalização deste, leva a uma nova elaboração da garantia do juiz natural, não mais como um simples atributo, mas como um pressuposto
de sua própria existência.
Nesse diapasão, segundo a lição de Luigi Ferrajoli:
“A escolha do modelo de juiz – de seus requisitos pessoais, de suas modalidades de seleção e recrutamento, de sua posição constitucional, dos critérios de determinação de suas competências e das formas de controle de sua atividade – de fato está ligada ao modelo de juízo previamente escolhido, e, portanto, à fonte de legitimação de modo geral atribuída à jurisdição”. (grifo)
Infere-se, portanto, que mais do que um direito subjetivo do cidadão, o juiz natural é a garantia da própria jurisdição, seu elemento característico, sua qualificação substancial. Em suma, sem a garantia do juiz natural, não há função
jurisdicional.
Outrossim, oportuna é a preleção de Carlos Alberto Oliveira:
A garantia do juiz natural, por sua vez, compõe também importante faceta do formalismo processual, por igualmente circunscrever o exercício arbitrário do poder impedindo a alteração da competência do órgão judicial ou a criação de tribunal especial, após a existência do fato gerador do processo, para colocar em risco os direito e garantias da parte, tanto no plano processual quanto material. Daí a necessidade de tal matéria ser regulada por um direito processual rigoroso, aplicado de maneira formal, sugestão a que desde muito se mostra sensível o ordenamento jurídico brasileiro, erigindo o princípio à condição de garantia constitucional.
Para Nelson Nery, a garantia do juiz natural é tridimensional. “Significa que 1) não haverá juízo ou tribunal ‘ad hoc’, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de submeter-se a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré- constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial.”
Já Ada Pellegrini prefere falar do juiz natural em sua dupla garantia: a proibição de juízos extraordinários, constituídos ex post facto e a proibição de subtração do juiz constitucionalmente competente. Estas, seguindo seu magistério, se desdobram em três conceitos: só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Lei maior; ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; dentre os juízos pré- constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja.
Ainda, conveniente é a lição do distinto constitucionalista Alexandre de Moraes, ao expor que a garantia do juiz natural deve ser interpretada em sua plenitude, de forma a não só impedir a criação de tribunais ou juízos de exceção, como também exigir o mais absoluto respeito às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e a imparcialidade do julgador.
Além disso, consoante a completa lição do Prof. Fredie Didier Júnior, a
garantia do juiz natural exige um exame sob o aspecto objetivo, formal, e outro sob o aspecto substantivo, material. Naquele, o juiz natural é o juiz competente conforme as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas, enquanto no segundo, a aludida garantia assegura a independência e imparcialidade da justiça, com supedâneo no interesse público geral.

2.3. O JUIZ NATURAL E OS TRIBUNAIS DE EXCEÇÃO: PROIBIÇÃO DE JUÍZOS EXTRAORDINÁRIOS
O inciso XXXVII do artigo 5.° da Constituição de 1988 estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Tal proibição, como se verá, é da natureza íntima da própria garantia do juiz natural. Caso contrário, a instituição de um tribunal de exceção implicaria numa ferida mortal ao Estado de Direito, visto que sua proibição revela a condição conferida ao Poder Judiciário na democracia.
Conceituando, juízo ou tribunal de exceção é aquele criado e indicado por uma deliberação legislativa ou não, com o escopo de julgar um determinado caso. Trata-se de uma “encomenda”, ou seja, criado ex post facto, para julgar com
parcialidade, para prejudicar ou favorecer alguém.
Em outras palavras, o órgão judiciário competente deve preexistir aos fatos com a base nos quais a causa será proposta. O fito da Constituição Federal é impedir que o Estado crie órgãos, diante de situações já delineadas, endereçadas a julgamentos segundo influências simuladas.
Ademais, seguindo essa linha, cumpre salientar que a proibição da criação de tribunais ex post facto não abrange as justiças especializadas. Em verdade, estas são atribuições e divisões da atividade jurisdicional entre vários órgãos do Judiciário.
Tanto assim que o plano constitucional pátrio jamais mostrou qualquer antipatia à instituição de justiças especializadas. Ora, estes juízos especiais são orgânicos, pré-constituídos, integrantes do Judiciário, não se contrapondo, portanto, ao juiz natural. O que ocorre é apenas uma prévia distribuição de competências, ora em razão das pessoas, ora em razão da matéria.
Os tribunais formados ex post facto funcionam ad hoc, para cada caso concreto, enquanto nas justiças especiais se aplicam as leis a todos os casos de determinada matéria ou que envolvam partes previamente definidas.
Em suma, não se devem confundir tribunais de exceção, estes transitórios e arbitrários, com as justiças especializadas, permanentes e orgânicas. Estas são
autênticas exemplares de conveniência e necessidade da justiça, com eficiência e
celeridade, sem macular a garantia do juiz natural.

2.4. JUIZ NATURAL: JUIZ CONSTITUCIONALMENTE COMPETENTE
Ao lado da proibição de juízo ou tribunal de exceção, a Constituição Republicana garante, em seu inciso LIII do artigo 5.°, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” . Trata-se, de tal sorte, de uma
segunda extensão da garantia do juiz natural. Desta forma, sob o aspecto formal da aludida garantia, considera-se competente a autoridade – juiz – definida pela Constituição ou pela lei mediante a indicação taxativa das causas que ele tem a atribuição de processar e julgar.
Para isso, na lição de Dinamarco, é indispensável que haja uma relação de adequação legítima entre o juiz e a causa, que somente a Constituição e a lei definem e só elas podem alterar.
Deduz-se, então, que não é lícito impor um juiz numa causa cuja competência não procede da Lei maior ou da legislação infraconstitucional no momento da propositura da demanda, não sendo, inclusive, permitido às mais altar cortes do
Judiciário alterar as normas de competência estabelecidas previamente no direito
positivo.
De maneira concludente e clara, o que existe no ordenamento pátrio é a garantia de que ninguém pode ser subtraído de seu juiz constitucional, este autoridade competente cuja função de julgar derive de fontes constitucionais. Nesse diapasão, vigora, aqui, a lição de Frederico Marques de que a lei ordinária, por si só, não legitima a jurisdição conferida a juízes e tribunais. Autoridade competente é aquela cujo poder de julgar a Constituição prevê e cujas atribuições jurisdicionais ela própria delineou.
E assim ressaltou com muita propriedade o insigne mestre:
Se fosse dado à lei ordinária criar órgãos judiciários especiais que a Constituição não haja previsto, praticamente ela estaria subtraindo da apreciação do Judiciário as causas atribuídas ao mencionado órgão. É por isso que surge, como corolário do princípio do juiz natural, nos moldes amplos com que nosso regime o consagrou, a norma de que toda a jurisdição pertence à justiça comum, salvo nos casos em que a própria Constituição a delega a órgãos de Justiça especial. Fora do que vem previsto na Constituição, nenhuma competência nova pode ser dada a essas justiças, porque então estaria sendo violado o princípio do juiz natural”.
Ao mesmo tempo, como muito bem lembrado por Dinamarco, “isso não significa que o sistema de competência seja absolutamente rígido”. Há casos em que a própria lei indica hipóteses onde se prorroga o juízo (v.g., na circunstância de uma incompetência relativa).
Mas também aqui é da lei que vêm as regras sobre essa flexibilização, seja mediante a determinação dos casos em que a competência se prorroga (competência territorial), seja estabelecendo taxativamente as causas das possíveis prorrogações (p. ex., eleição de foro nos casos previstos no art. 111 CPC).
Vale lembrar, estas hipóteses são pré-constituídas, impessoais, orgânicas, coadunando-se com a garantia do juiz legal.

2.5. JUIZ NATURAL: IMPARCIALIDADE
Em conformidade com o já dito, a imparcialidade do juiz não é apenas um mero atributo da função jurisdicional, mas sim a sua essência. Merecedor de destaque, mais uma vez, é a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco: A imparcialidade, conquanto importantíssima, não é um valor e si própria mas fator para o culto de uma fundamental virtude democrática refletida no processo, que é a igualdade. Quer-se o juiz imparcial, para que dê tratamento igual aos litigantes ao longo do processo e na decisão da causa. Tanto assim que, apesar da Constituição não dedicar termos à imparcialidade do juiz, contém nesta uma série de dispositivos com o fito de assegurar que todas as demandas postas em juízo sejam processadas e julgadas por juízes imparciais.
Ora, seria absurdo o Estado, após chamar para si a atribuição de solucionar conflitos, permitir que seus agentes, neste momento ‘presentando’ o próprio Estado, o fizessem movidos por interesses próprios, sem o comprometimento com o
valor da justiça.
Entretanto, não se deve presumir que a exigência de imparcialidade esteja conectada a uma suposta exigência de neutralidade do juiz. Esta é absolutamente
impossível, haja vista que o juiz, como qualquer ser humano, exerce suas atribuições embasado em razão e emoção. Ao julgar, o magistrado está amparado em premissas de índole ideológica, cultural, econômica etc.
Em suma, os juízes têm total e legítima liberdade para interpretar os textos legais e os fatos, seguindo os valores da sociedade.
O próprio sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publicidade dos atos processuais operam em favor da imparcialidade, uma vez que funcionam como freios a possíveis excessos e parcialidades.
Necessários, portanto, são os ensinamentos de Piero Calamandrei: “A asegurar la imparcialidad de los jueces tiende también la garantia fundamental de ordem constitucional que tradicionalmente se denomina del ‘juez natural’”.
Assim, ao proibir os juizos de exceção, além de cercar os magistrados com uma série de prerrogativas e impedimentos, garantindo a naturalidade dos juízos, objetiva a Constituição deixar os julgadores longes e imunes de qualquer influência danosa.

3. BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
3.1. A FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL
Para se falar de método, especificamente no século XX, cogente é ilustrar os pensamentos do filósofo alemão Edmund Gustav Albrecht Husserl. Nascido no berço de uma família judaica, Husserl influenciou diversos pensadores, dentre os quais Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty.
Entusiasmado pelas idéias de Brentano, uma vez que este o levou a uma dedicação quase que exclusiva aos pensamentos filosóficos, Husserl, a partir da noção de intencionalidade de seu mestre, propôs um modo radical de observar os objetos.
Assim, Edmund Husserl apresentou a fenomenologia como um método universal de produção de conhecimento, ou seja, “a fenomenologia tem por essência de reivindicar o direito de ser filosofia ‘primeira’ e de oferecer os meios para toda critica da razão que se possa almejar”.
Segundo ele, a fenomenologia se baseia em um comportamento fundamentalmente cético. Em verdade, este filósofo alemão não quis simplesmente desenvolver o método de obter novas espécies de comportamento, mas sim proporcionar ao método a mais clara e perfeita validade, qual seja, rebater todas as objeções sérias.
De início, Husserl procura demonstrar a instabilidade do psicologismo.
Ora, segundo a concepção psicologista, a teoria do conhecimento tem como base os
fatos empiricamente perceptíveis . Em outras palavras, para o psicologismo, a origem do conhecimento advém da experiência, negando que a existência de princípios puramente racionais possa levar ao conhecimento da verdade.
O próprio pensamento do psicólogo é algo psicológico, o pensamento lógico, algo lógico, a saber, algo que está incluído no círculo das normas lógicas. Essa auto-remissão só seria preocupante, caso o conhecimento de todas as outras coisas, nos referidos domínios de investigação, dependesse do conhecimento fenomenológico, psicológico e lógico do respectivo pensamento do respectivo pensador, o que seria uma pressuposição visivelmente absurda.
Com razão, o filósofo judeu adverte que uma filosofia que almeja ser universal e rigorosa não pode ter como sustentáculo, como é o caso do psicologismo, informações exclusivamente empíricas.
Contudo, Husserl ressalta que este método transcendental ora proposto, apesar de ter o escopo de buscar o sentido dos fatos, não busca restringir tão somente a
estes, uma vez que incidiria no mesmo erro cometido pelo psicologismo.
A fenomenologia seria um tipo ideal do fenômeno observado ou analisado. Uma cognição ideal, portanto. Sendo uma “filosofia primeira”, é através da essência das coisas que um sujeito cognoscente busca o conceito de determinados objetos sem, porém, qualquer experiência anterior.
Desse modo, a conseqüência dessa cognição ideal é chamada por Husserl como eidos, também conhecida coma razão eidética. Logo, eidos é o fito do método descritivo que, através de um processo denominado redução fenomenológica, busca-se a divergência entre o significante e o significado.
Com exatidão, a aludida redução tem o escopo de demonstrar um elemento puro que possa servir como ponto de partida para um determinado pensamento dentro do processo de produção de conhecimento.
Assim sendo, para este estudioso, o método da apreensão eidéitca perfeitamente clara […] tem a vantagem de permitir, por essência, uma identificação e diferenciação, uma explicitação, referência etc. absolutamente indubitáveis e, portanto, a efetuação “evidente” de todos atos “lógicos”. Destes também fazem parte os atos de apreensão eidética, para cujos correlatos objetivos se transferem, como já se disse acima, as diferenças de clareza agora mais bem elucidadas, da mesma maneira que, por outro lado, os conhecimentos metodológicos que acabam de ser alcançados por nós se transferem para a obtenção do dado eidético perfeito.
Logo, tal “cognição ideal” é fruto, na ordem do conhecimento, de uma aceitação de fatores que independem da experiência do qual determinado objeto surgiu.
Destarte, a essência do eidos de Husserl dá causa à capacidade de um determinado
sujeito cognoscente para que este possa atribuir conceitos sem qualquer experiência prévia.

3.2. A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO DE MAURICE MERLEAU-PONTY
Talvez o maior discípulo de Edmund Husserl, Ponty era partidário, como
não poderia deixar de ser, de uma filosofia fenomenológica. Em Fenomenologia da
Percepção , isso fica bastante evidente, vez que o filósofo francês assume as trilhas deixadas por Husserl.Ponty analisa com precaução o objeto do conhecimento, mas não só ele.
Avalia também o sujeito que o percebe e sua respectiva relação. Para ele, tal apreciação deve ser realizada a partir de um recorte fenomenológico. Assim, o conhecimento emerge de um problema e a fenomenologia, por sua vez, está em constante estado de aspiração. Ocorre que a primeira etapa para que um sujeito cognoscente desencadeie o método fenomenológico é a percepção, ou seja, a forma de apreensão do fenômeno.
Essa percepção apresenta um caráter dialético entre o sujeito e o objeto e sua relação com o externo, com o mundo. Entretanto, cumpre frisar que, conforme
leciona Newton von Zuben, “fazer do corpo o sujeito da percepção não significa ceder ao impulso do empirismo, mas antes tomar partido contra o racionalismo cúmplice do empirismo no sentido d se ligarem ao pensamento causal”.
Segundo Ponty, tanto o empirismo quanto o intelectualismo situam-se no mesmo plano, uma vez que tomam por objeto de análise o mundo objetivo, “que não é o primeiro nem o segundo o tempo nem segundo seu sentido”. Elas não exprimem a
maneira pela qual a consciência perceptiva constrói ser objeto. “Ambas guardam
distância a respeito da percepção, em lugar de aderir a ela”.
Ademais, ainda no que tange a relação sujeito-objeto, Ponty ressalta a importância de uma correta teoria da atenção.
Afinal,para tomar posse do saber atento, basta-lhe voltar a si, no sentido em que se diz um homem desmaiado volte a si. Reciprocamente, a percepção desatenta ou delirante é um semi-sono.
Assim sendo, o maior erro do empirismo é que “não vê que precisamos saber o que procuramos, sem o que não o procuraríamos”, da mesma forma que o intelectualismo “não vê que precisamos ignorar o que procuramos, sem o que, novamente, não o procuraríamos”.
Nesse diapasão, segundo o pensador francês,
É preciso colocar a consciência em presença de sua vida irrefletida nas coisas e despertá-la para sua própria história que ela esquecia; este é o verdadeiro papel da reflexão filosófica e é assim que se chega a uma verdadeira teoria da atenção.
Poe esta forma, ao contrário do intelectualismo, que propõe a percepção pela reflexão, a fenomenologia de Ponty indica uma percepção direta, através de uma
combinação do que chamou de forças associativas e a atenção.

3.3 O MÉTODO PROGRESSIVO-REGRESSIVO E A PERSPECTIVA SARTRIANA
Jean-Paul Sartre, filósofo francês (apesar de recusar tal intitulação) e
adepto da fenomenologia, passou um período em Berlim, de 1933 a 1934, finalizando
seus estudos sobre os pensamentos de Husserl.
Em Questão de Método, uma série de artigos de sua autoria, Sartre
propõe um método heurístico, que conduz à descoberta, à resolução de problemas, além de ensinar coisas novas, visto que é regressivo e progressivo ao mesmo tempo.
Ao fazer uma análise do marxismo idealista, cujo teor maneja o homem
como um produto passivo da história, ou seja, como um reflexo de uma soma de fatores, Sartre refuta os pensamentos de Marx no que tange a evolução social como um processo natural. Ela se faz cada dia por nossas mãos diferente do que acreditamos fazê-la e, por um imprevisto movimento de retorno, nos faz diversos
daquilo que acreditamos ser ou tornar-nos.
Sartre alterca que a alienação, apesar de modificar os resultados de uma determinada ação, não pode modificar a realidade profunda de um objeto. Em outras
palavras, defende que a alienação, apesar de aceitar como fonte de confusão de um
homem com uma determinada coisa, não pode alterar as leis físicas que regem os
condicionamentos da exterioridade. O obstinado pensador aduziu que “a especificidade do ato humano, que atravessa o meio social, conservando-lhe as determinações, e que transforma o mundo sobre a base de condições dadas”.
O homem, para Sartre, caracteriza-se pela superação de uma determinada
situação, ou seja, daquilo que chamou de carência. Trata-se da própria essência do ser humano. Logo, o filósofo francês apresenta o seu projeto, cujo conteúdo oferece uma dupla relação simultânea.
[…] a conduta mais rudimentar deve ser determinada ao mesmo tempo em relação aos fatores reais e presentes que a condicionam e em relação aos fatores reais e presentes que a condicionam e em relação a certo objeto a vir que ela tenta fazer nascer.
Assim sendo, para ele, o conhecimento é um momento da praxis, ou seja,
partindo-se da afirmação que o homem é produto do seu produto, a consciência daquela superação só é concebível diante das possibilidades. “Assim, o campo dos possíveis é o objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação objetiva”, cujo campo depende estreitamente da realidade social e histórica.
Ao fazer uma crítica ao existencialismo de Marx, o pensador parisiense inferiu que a cultura e a linguagem são a objetivação de uma classe e o reflexo dos
conflitos, bem como a manifestação particular da alienação.
O mundo está fora: não é a linguagem nem a cultura que está no indivíduo como uma marca registrada pelo seu sistema nervoso; é o indivíduo que está na cultura e na linguagem, isto é, numa seção especial do campo de instrumentos.
Destarte, Sartre aponta que o marxismo “contemporâneo” erra ao negligenciar o conteúdo particular de um sistema cultural e ao reduzi-lo imediatamente à universalidade de uma ideologia de classe.
Como muito bem lembrado pelo filósofo, em cada grupo, o movimento original é desvirtuado diante das necessidades da expressão e da ação, “pela limitação
objetiva do campo dos instrumentos (teóricos e práticos), pela sobrevivência das
significações peremptas e pela ambigüidade das significações novas”.
Nessa seara é que Sartre defende a necessidade de se evitar as significações idealistas, recusando a sua objetivação desviada e seu incompleto desenvolvimento.

4. APLICAÇÃO DA NATURALIDADE DO JUÍZO
Diante de todo exposto, examinando as experiências forenses, e como “a essência do Direito é a realização prática” , verifica-se que nem sempre o legislador e o
intérprete têm sido fiéis à correta aplicação do juiz natural.
Desse modo, confirmar-se-á que, a pretexto da necessidade e conveniência do serviço público, bem como da celeridade, os elaboradores de leis e seus aplicadores maculam tal garantia, mesmo sem a intenção, ofendendo a própria jurisdição, esta, como já demonstrado, encargo característico do próprio Estado de Direito.

4.1. O JUIZ NATURAL E A AÇÃO DE ALIMENTOS: A NECESSIDADE DE UMA REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA PARA A APROPRIADA APLICAÇÃO
O exemplo de desrespeito ao juiz natural, ainda vigente nas Varas de Família, é o rito especial da ação de alimentos. Segundo o artigo 1.° da Lei n.° 5.478 de 1968, a ação de alimentos independe de uma distribuição anterior.
Dispõe o aludido dispositivo, in verbis:
A ação de alimentos é de rito especial, independe de prévia distribuição e de anterior concessão do benefício de gratuidade. (grifo)
Isso significa que o autor pode, em tese, dirigir-se ao juízo de sua escolha para intentar sua pretensão alimentar sem passar por uma prévia distribuição.
Com o fulcro no citado artigo, sabendo que cada magistrado está amparado em premissas ideológicas e culturais próprias, é comum, na realidade forense, a procura de juízos de família pelos patronos, onde os alimentos provisórios são fixados em maiores quantidades. Em vista disso, encontra-se o demandante, claramente, em posição privilegiada frente ao demandado.
Contempla-se nessa hipótese total violação à garantia do juiz natural e, por conseguinte, ao devido processo legal e ao direito a um processo justo.
Ora, a livre distribuição, esta corolário da garantia fundamental ao juízo natural, é norma expressa e cogente do Código de Processo Civil brasileiro. Infere-se dos seus artigos 251 e 252 que onde houver, com competência concorrente, mais de um órgão, impõe-se a prévia distribuição, alternada,obedecendo à rigorosa igualdade entre os juízos.
Tal método processual não foi contemplado pelo legislador pátrio à toa.
Esta apresenta uma finalidade prática e outra ética: aquela significa distribuir
igualitariamente a carga de trabalho entre os juízos e esta tem o fito de evitar que a parte escolha, a seu livre arbítrio, entre os juízes competentes, o que deseje julgar seu processo.
Nessa seara, a livre distribuição se mostra como um instrumento da imparcialidade do magistrado. Não faz sentido, em face dos modernos postulados do direito processual e constitucional que consideram o sistema processual como um fator
de efetividade das normas constitucionais, reputar irrelevante a ausência de uma prévia distribuição.
A livre escolha do autor, dirigindo-se ao magistrado de sua preferência,
implicaria em subordinar o poder dispositivo da parte matéria que é de ordem pública e que paira acima da própria intervenção dos juízes. Desse modo, o método
fenomenológico aplicado ao tema em comento tem o escopo de esclarecer os vícios que a referida lei causa à jurisdição.
Tal método descritivo fenomenológico de Husserl expressa algumas
etapas para a busca da essência das coisas, quais sejam: a) afastar toda e qualquer limitação do conhecimento; b) desviar de qualquer pesquisa baseada na natureza; c) esquivar dos conceitos prévios do fenômeno; d) buscar a pureza do sentido e, por fim, e) “livrar-se do factual e mediante razão alcançar o essencial”.
Note-se que Sartre, em sua redução fenomenológica, ao fazer uma análise crítica à construção da ideologia marxista, ressaltou as distorções arquitetadas pelo homem em relação ao pensamento originário de Marx. Seria, seguindo a doutrina de Edmund Husserl, uma redução fenomenológica equivocada daquela obra. Ora, o “eidos” retirado daquele fenômeno não corresponde de maneira linear ao pensamento puro de Marx. Nesse sentido, considerando que o fato social correspondente exerce fundamental influência sobre o homem e, por conseguinte, em seus pensamentos, antagonismos surgem entre indivíduos que compõem um determinado núcleo social. Tanto assim que Sartre coloca o homem e o acontecimento no quadro que denomina “raridade”, ou seja, numa sociedade sem capacidade de se libertar de suas próprias carências e, conseqüentemente, da natureza.
O problema, ou as contradições no dizer de Sartre, e que por isso devem ser superadas, é que, fulcrado no aludido dispositivo, as partes, agindo de má-fé, distribuem a ação de alimentos perante o Juízo que se saiba conceder um montante
maior em relação aos alimentos provisórios, o que fere gravemente a garantia do juiz natural, bem como a igualdade entre as partes.
Note-se que, diante de um fenômeno, o sujeito se aproveita de tal situação, distorce o fato, e macula as garantias citadas, conforme o fato social. Ora, essa
contradição deve ser superada, com o fito de se ver a devida harmonia entre a celeridade, a igualdade e o juiz natural da demanda.
Assim, o magistrado, ao despachar uma causa que não foi previamente distribuída, estará sempre sujeito a parecer suspeito de parcialidade aos olhos da parte
contrária e do público, o que ofende a credibilidade da jurisdição e do próprio Estado de direito.
Portanto, não se pode falar em qualquer imparcialidade na referida hipótese. Esta, diante da jurisdicionalização do juiz no processo, é a essência da própria
jurisdição. Quer-se um juiz imparcial para que haja um tratamento igual entre os
litigantes ao longo do processo, até a sua decisão. Logo, ao assegurar a imparcialidade dos juízes, garante-se a garantia fundamental ao juiz natural.
Observe-se ainda que, sendo a referida de lei de 25 de julho de 1968, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, como demonstrado em tópico anterior, já garantia a naturalidade do juízo em seu § 15 do artigo 150. Logo, naquele tempo o artigo supramencionado já era inconstitucional.
Como se não bastasse, diante de toda força normativa da Constituição de 1988 e da incontestável ligação atual entre o processo e aquela, tal norma não deveria
ter sido sequer recepcionada.
Decerto, pela urgência que a própria natureza da ação alimentar exige, não pode, a pretexto de uma maior celeridade, violar a jurisdição. Buscar-se-á uma distribuição mais rápida, e não a livre escolha da parte, o que fere a credibilidade do Estado de Direito.
Ademais, o mesmo vem ocorrendo com as separações consensuais, seguindo o absurdo caput do artigo 13 da mencionada lei. O disposto nesta Lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções.
Por todas as razões já expostas, não deve, nas referidas hipóteses, haver distribuição da demanda ao livre arbítrio do requerente, competindo ao juiz, por força da garantia fundamenta ao juiz natural, prevenir e reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça.
As partes, em tal grau, devem proceder com lealdade e boa-fé (inciso II do artigo 14 do Código de Processo Civil), respeitando a probidade processual, caso contrário, o magistrado deverá considerá-la litigante de má-fé, condenando-a, em
virtude de sua ação maliciosa. Do mesmo modo, os advogados devem defender os
interesses dos seus clientes dentro dos limites éticos e morais, não se utilizando de fraudes processuais.
O magistrado, ao perceber a fraude no que tange ao restabelecimento da
livre distribuição, tem o dever, consoante os termos do artigo 255 do Código Processual Civil pátrio, de corrigir, de ofício ou a requerimento do interessado, a falta de distribuição.

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José Antônio Garrido

1. INTRODUÇÃO. DELIMITAÇÃO DO OBJETO.

Constantemente é buscada uma aproximação entre o pensamento eminentemente filosófico e o pensamento jurídico. As interseções entre esses campos se evidenciam com muito mais freqüência do que uma primeira reflexão poderia supor.

No presente caso, recortaram-se dois princípios jurídicos que operam no campo da dogmática jurídica: o princípio da tipicidade e o princípio da verdade real (ou material). Malgrado ambos se apliquem a vários ramos da disciplina jurídica, optou-se por realizar um corte nesses dois institutos vertido para o direito tributário material e para o direito tributário processual. Vale dizer, examinar-se-á a tipicidade tributária cerrada, como decorrência do princípio constitucional da legalidade, bem assim o princípio da verdade material aplicado ao processo tributário.

Cotejar-se-ão esses dois princípios jurídicos com o pensamento de Edmund Husserl e de Maurice Merleau-Ponty. Com efeito, estabelecer-se-á uma relação entre o princípio da tipicidade e a chamada redução fenomenológica de Edmundo Husserl, com a identificação do eidos. Demonstrar-se-á, pois, que a aplicação concreta do princípio se orienta pela redução fenomenológica em busca do eidos tanto da norma aplicar como do fato a tratar.

De igual modo, examinar-se-á o pensamento de Maurice Merleau-Ponty, em derredor da fenomenologia da percepção, e o princípio da verdade real, que orienta tanto o processo administrativo fiscal como o processo administrativo tributário. Demonstrar-se-á como esse princípio jurídico pode ser orientado segundo as premissas do pensamento de Merleau-Ponty.

2. IDÉIA BÁSICA DA REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA DE EDMUND HUSSERL: O EIDOS.

Premissa básica para o desenvolvimento do raciocínio reside em bem compreender a noção de redução no pensamento filosófico. Em linhas gerais, a redução é a transformação de um enunciado em outro equivalente mais simples ou mais preciso, ou capaz de revelar a veracidade ou mesmo a falsidade de um outro enunciado originário. Dito de outro modo, a redução seria uma explicação que consiste em considerar que certas ordens de fenômenos estão sujeitas a leis mais bem estabelecidas ou mais bem precisas que uma outra ordem de fenômeno .

Edmund Husserl compreende por redução fenomenológica a neutralização da atitude natural ou, numa metáfora, “pôr o mundo entre parênteses”. Explica-se: consiste em se fazer uma reflexão interna sobre o ato em sua intencionalidade e sua essência. Isso porque o método da crítica do conhecimento, a rigor, é o fenomenológico, de sorte que a fenomenologia é a doutrina universal das essências, em que é integrada a ciência da essência do conhecimento . Desse modo, continua Husserl, o fundamento de todos os objetos cognoscidos é a “captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que tenha sentido”, e arremata, “a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma se apreende” .

Nesse passo, é que, segundo a fenomenologia desenvolvida por Husserl, a toda vivência psíquica corresponderia, por intermédio da redução fenomenológica, um fenômeno puro, que exibe sua essência própria, imanente, regularmente tomada como dado absoluto. Busca-se não o transcendente, mas aquilo que é dado como essência do objeto de análise . Desse modo, o “dado de um fenômeno reduzido é, em geral, um dado absoluto e indubitável” .

Por meio da redução fenomenológica, a rigor, se torna evidente a essência do fenômeno, o que fora denominado na filosofia contemporânea por Husserl de eidos. Assim, por meio das reduções eidéticas, se busca a essência.

Eidos, portanto, indica a essência que se torna evidente ao se utilizar a chamada redução fenomenológica (neutralização da atitude natural). Redução eidética significa reduzir ao máximo a análise sobre o objeto a fim de alcançar sua essência. O método proposto por Husserl visa objetivar ao máximo a análise do objeto, tornando o sujeito cognoscente o mais neutro possível, de modo a viabilizar o acesso à verdadeira essência (ontologia) do objeto cognoscido .

Em prefácio à sua grande obra acerca da fenomenologia da percepção — cuja idéia central tratar-se-á no item subseqüente — Maurice Merleau-Ponty explica que a redução eidética é a resolução de fazer o mundo aparecer tal como ele é (em essência) antes de qualquer retorno sobre o próprio sujeito cognoscente; “é a ambição de igualar a reflexão à vida irrefletida da consciência” .

3. A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO DE MAURICE MERLEAU-PONTY.

Apoiado em premissas estabelecidas e sistematizadas por Heidegger em sua obra o Ser e Tempo (Sein und Zeit), bem assim na Fenomenologia de Husserl (Investigações Lógicas), Maurice Merleau-Ponty desenvolveu uma concepção acerca da fenomenologia que ficou conhecida no pensamento filosófico moderno como Fenomenologia da percepção. Segundo esta, a propósito da percepção transcendente, a essência da coisa integra em si e ao mesmo tempo transcende a totalidade de suas manifestações .

Segundo afirma Merleau-Ponty, “não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente um mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos” ; e prossegue afirmando que “[b]uscar a essência da percepção é declarar que a percepção é não presumida verdadeira, mas definida por nós mesmo como acesso à verdade” .

Nesse passo, Merleau-Ponty trabalha com a idéia de “juízo” e com a idéia de “atenção”. Para aquele filósofo, “atenção é, portanto, um poder geral e incondicionado, no sentido de que a cada momento ela pode dirigir-se indiferentemente a todos os conteúdos de consciência” .

O mero empirismo, na concepção cartesiana, seria insuficiente neste mister pois, conforme explica o próprio Merleau-Ponty, “[s]eria preciso descrever uma conexão interna, e o empirismo só dispõe de conexões externas, só pode justapor estados de consciência” .

É na atenção que se experimenta um esclarecimento acerca do objeto, sendo necessário que o objeto percebido já encerre a estrutura inteligível que ela (a atenção) destaca. Nesse iter perceptivo, a primeira atividade que a operação de atenção exige é criar-se um campo, perceptivo ou mental, que se possa “dominar”, em que movimentos do órgão explorador e evoluções do pensamento sejam possíveis, sem que a consciência perca na proporção daquilo que adquire, e perca-se a si mesma nas transformações que provoca. Enquanto atividade geral e forma, não existe a atenção; existe, a rigor, em cada caso, certa liberdade a adquirir, certo espaço mental a preparar. Nesse passo, prestar atenção não é somente iluminar mais dados preexistentes; envolve, de fato, realizar neles uma articulação nova, reputando-os como figuras representativas da percepção .

Afirma Merleau-Ponty que “a atenção não é nem uma associação de imagens, nem o retorno a si de um pensamento já senhor de seus objetos, mas a constituição ativa de um objeto novo que explicita e tematiza aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado” .

O empirismo, segundo Merleau-Ponty, não se ocupa daquilo que se vê, mas daquilo que se deve ver segundo a imagem retiniana, que se delineia na percepção. Chega-se a uma verdadeira teoria da atenção ao se colocar a consciência em presença de sua vida irrefletida nas coisas e despertá-la para sua própria história que ela esquecia .

Já o juízo, por sua vez, é “freqüentemente introduzido como aquilo que falta à sensação para tornar possível uma percepção” .

Nesse passo, explica Merleau-Ponty, que a percepção se torna uma “interpretação” dos signos fornecidos pela sensibilidade (ver, ouvir, sentir); uma “hipótese” que o espírito forma para “explicar-se suas impressões”; o juízo, a seu turno, volta a ser um simples ‘fator’ da percepção, encarregado de fornecer aquilo que o corpo não fornece, voltando a ser uma simples atividade lógica de conclusão .

A percepção não está em nenhuma parte porquanto se estivesse situada, não teria o condão de fazer as outras coisas existirem para ela mesma, uma vez que repousaria em si, ao modo das próprias coisas; a percepção, pois, pode ser compreendida como o pensamento de perceber .

Nesse ponto, arremata o pensamento Merleau-Ponty :

…para exprimir suficientemente essas relações perceptivas, falta à Gestalttheorie uma renovação das categorias: ela admitiu seu princípio, aplicou-o a alguns casos particulares, mas não percebeu que toda uma reforma do entendimento é necessária se queremos traduzir exatamente os fenômenos, e que é preciso, para chegar a isso, recolocar em questão o pensamento objetivo da lógica e da filosofia clássicas, pôr em suspenso as categorias do mundo, pôr em dúvida, no sentido cartesiano, as pretensas evidências do realismo, e proceder a uma verdadeira ‘redução fenomenológica’. O pensamento objetivo, aquele que se aplica ao universo e não aos fenômenos, só conhece noções alternativas; a partir da experiência efetiva, ele define conceitos puros que se excluem: a noção da extensão, que é a de uma exterioridade absoluta entre as partes, e a noção do pensamento, que é a de um ser recolhido em si mesmo, a noção do signo vocal como fenômeno físico arbitrariamente ligado a certos pensamentos, e a da significação como pensamento para si inteiramente claro, a noção de causa como determinante exterior de seu efeito, e a de razão como a lei de constituição intrínseca do fenômeno.

A contribuição mais importante da fenomenologia, pois, foi ter unido o extremo subjetivismo ao extremo objetivismo em sua noção do mundo ou da racionalidade, sendo que esta é exatamente proporcional ás experiências nas quais ela se revela .

4. O PRINCÍPIO DA TIPICIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E O CRITÉRIO DA “VERDADE REAL” COMO PRINCÍPIO DA IMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA

Fincadas as premissas em derredor da chamada redução fenomenológica de Edmund Husserl e a noção de eidos, bem assim gizada a idéia do pensamento que ficou conhecido como fenomenologia da percepção, cumpre explicar o conceito e a operacionalização do princípio da tipicidade em matéria tributária, bem assim do princípio da verdade material no ato de imposição tributária.

4.1. A TIPICIDADE TRIBUTÁRIA.

Cânone básico do Estado Democrático de Direito , o princípio da legalidade determina que a competência tributária só pode ser exercida por intermédio de lei em sentido formal e material. É dizer, o tributo só poderá ser instituído ou majorado por meio de lei editada pelo órgão legislativo competente, mercê de proposta apresentada pelos legitimados constitucionalmente e obedecido procedimento constitucional.

A Constituição é norma jurídica fundamental do sistema que constitui o grande repositório de poder jurídico. Este é repartido entre os entes dotados de autonomia política por meio do sistema de repartição de competências, de sorte que cada ente exerce o poder legislativo segundo a competência atribuída pela CF e segundo os limites por ela impostos. O exercício de competência legislativa se dá mediante lei.

Nessa linha, competência legislativa de que é espécie a competência tributária só pode ser exercida por meio de lei, dentro dos limites traçados pela norma constitucional.

O princípio da legalidade — ou princípio da reserva de lei formal — pode ser compreendido em dois sentidos: i) necessidade de prévio consentimento daqueles que vão se inserir na qualidade de sujeito passivo do tributo e, portanto, que deverão pagá-lo ; ii) necessidade de ser cobrado segundo normas objetivamente postas, de sorte a garantir plena segurança nas relações entre o Fisco e os contribuintes .

Insculpido no art. 150, I, da CF/88 , este princípio sofre algumas exceções previstas no texto constitucional. De rigor, somente este pode indicar quais as situações em que não se exige a edição de lei em sentido formal. Com efeito, as exceções dizem respeito à majoração/minoração de tributos não à sua criação . É dizer, não se pode criar tributo por meio de outro veículo normativo que não seja lei em sentido formal e material .

Calha deixar claro que o princípio da legalidade não se limita a exigir lei em sentido formal apenas para a criação ou majoração dos tributos. Há reserva legal para o tratamento de todos os aspectos do tributo, dos elementos da relação jurídica tributária principal (fato gerador, constituição, suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário), bem assim para a instituição de obrigações acessórias (deveres instrumentais), de sanções administrativo-tributárias, de regras respeitantes à fiscalização e arrecadação tributárias.

Enfim, todo e qualquer direito, dever ou sanção relacionado com a tributação só pode ser criado por lei em sentido formal. Se quaisquer destes institutos forem disciplinados por instrumento normativo diverso de lei editada pelo órgão competente, segundo o procedimento constitucional, padecerá de invalidade.

Corolário do princípio da legalidade, opera em direito tributário o princípio da tipicidade. A lei deve traçar de modo rigoroso todos os elementos que delinearão a relação jurídica tributária. A respeito do fato que ensejará o nascimento desta, incumbe à lei em sentido formal descrevê-lo, estabelecendo todas as circunstâncias que, para o legislador e por razões de política fiscal, importarão para o nascimento da obrigação tributária.

O evento naturalístico tomado como suporte fático da norma tributária é tipificado por este . Há a criação de um tipo tributário, de um modelo construído pela lei com uma determinação segura e rígida de condutas e conseqüências, de modo que, se esse estandarte específico não ocorrer no plano fenomênico, não haverá a incidência da norma tributária e, assim, não surgirá a obrigação tributária. A regra de aplicação desse princípio, como observa Alberto Xavier, é a seguinte: “o fato tributário é um fato típico o qual, para produzir os seus efeitos, necessário se torna corresponda, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito na lei: basta a não-verificação de um deles para que não haja,
Aliado ao princípio da legalidade há, por conseguinte, o princípio da tipicidade tributária. Nesse particular, a lógica da incidência da norma tributária se aproxima e muito da lógica da incidência da norma penal. Não há crime nem pena, assim como não há tributo nem sanção tributária, sem prévia e rigorosa descrição legal. É dizer, hão de ser descritos previamente na norma jurídica tributária os tipos tributários, verdadeiros Tatbestände .

Ambos os princípios (legalidade e tipicidade) são elementos indissociáveis para o regime tributário no Estado de Direito .

Tipicidade equivaleria, assim, à precisão conceitual, e ambos poderiam ser admitidos como outra denominação para a legalidade material. Enquanto que a legalidade formal diz respeito ao veículo, a legalidade material (tipicidade) atine ao conteúdo da lei. Nesse passo, cumpre registrar, também, que a tipicidade não é só do fato jurídico tributário, mas também do dever jurídico tributário que dele exsurge ; dito de outro modo, as conseqüências jurídico-tributárias hão de ser adrede traçadas pela norma jurídica ao debuxar o tipo tributário. Como afirma Alberto Xavier, “a técnica da tipicidade atua não só sobre a hipótese da norma tributária material, como também sobre o seu mandamento. Objeto da tipificação são, portanto, os fatos e os efeitos, as situações jurídicas iniciais e as situações jurídicas finais” .

As espécies tributárias de exoneração também são objeto de tipificação . Com efeito, as imunidades, as isenções e alíquota zero, também são objeto de delimitação precisa por parte do legislador tributário. De igual modo, a hipótese de não incidência pura e simples é correlata à idéia do princípio da tipicidade aplicada ao direito tributário; a rigor, trata-se de um fenômeno de atipicidade. Isso representa, outrossim, uma segurança ao contribuinte.

De fato, o princípio da legalidade impedirá a prática de arbitrariedades por parte do fisco, na medida em que somente a lei tributária em sentido formal estabelecerá os destinatários do tributo, i.e., os sujeitos passivos (contribuintes e responsáveis), os pressupostos do tributo, é dizer, a coisa, o ato, o fato, a situação ou qualidade da pessoa que constitui o pressuposto da tributação e a relação deste com aqueles. Diz-se que a tipicidade em direito tributário é cerrada para evitar que o administrador ou o órgão jurisdicional venham a alterar o modelo legado, quer seja pela via da interpretação quer seja pela via da integração .

Há corolários ao princípio da tipicidade. São eles: a) o princípio da seleção, pelo qual o legislador recorta do plano fenomênico, realidades econômicas que manifestem capacidade contributiva que repute deverem estar sujeitas ao tributo; esse princípio afasta a possibilidade de utilização de cláusulas gerais no tipo tributário; b) o princípio do “numerus clausus” ou da tipologia taxativa: os efeitos tributários somente surgiram se ocorrido o fato especificamente previsto em lei, do que decorre a proibição da utilização de analogia para a construção do fato tributário; c) princípio do exclusivismo: os tipos legais bastam para a produção dos efeitos jurídicos tributários (art. 114 do CTN); os elementos do tipo são necessários e suficientes para a produção da eficácia; d) princípio da determinação: a tipificação legal engloba o pressuposto de fato, bem assim o conseqüente normativo, a medida do tributo; o tipo tributário é composto dos dois elementos .

Ambos os princípios (legalidade e tipicidade) advêm do sobreprincípio da segurança jurídica . Imanente à ordem constitucional, a segurança jurídica impõe que os destinatários do poder não poderão ser surpreendidos por quem titulariza o exercício dele, de sorte que a estabilidade das relações e situações jurídicas há de ser preservada sempre, em prol da pacificação social. O princípio da segurança jurídica, nessa linha, teria duas funções: a) uma função limitativa dos demais princípios (uma função de bloqueio), no sentido de compor uma regra de estrutura que conformará a atuação de todas as demais normas (regras ou princípios); b) uma impositiva, no sentido de atribuir ao Poder Público o dever de adotar condutas imprescindíveis à preservação dos ideais de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade normativa .

A essência do conceito de segurança jurídica repousa justamente na possibilidade de previsão objetiva, por parte dos particulares, de situações jurídicas exsurgidas de sua conduta, tendo como objetivo assegurar aos indivíduos uma expectativa de seus direitos e deveres em face da lei – .

Nessa linha de raciocínio, a obrigação tributária somente surgirá se o tipo descrito na norma jurídica se verificar no plano dos fatos rigorosamente com todos os seus elementos. Somente a partir daí, nascerá o dever de pagar o tributo, mensurado rigorosamente dentro dos critérios contidos na estatuição normativa, integrante do tipo tributário. Sem que tal aconteça — quer seja naturalmente quer seja por força do planejamento tributário — os princípios da legalidade e da tipicidade assegurarão ao contribuinte o legítimo direito de resistir ao pagamento do tributo .

4.2. A “VERDADE REAL” COMO PRINCÍPIO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO.

Há um princípio comum que orienta a atividade cognitiva tanto no procedimento administrativo fiscal — entendido como o procedimento conduzido pela administração pública a fim de verificar a ocorrência do fato gerador e efetuar o lançamento tributário — como no procedimento administrativo tributário — encetado com a apresentação de impugnação administrativa por parte do contribuinte, uma vez regularmente notificado acerca do lançamento efetuado; orienta, portanto, todo o ato de imposição tributária. É o princípio da verdade real ou da verdade material.

Esse princípio orienta a atividade da Administração Pública Fazendária com competência para verificar a ocorrência do fato gerador do tributo ou do (des)cumprimento de obrigação tributária acessória, mensurar o tributo devido e/ou aplicar a sanção pecuniária que, nesse mister, deve-se pautar pela busca dos fatos efetivamente ocorridos e, diante da verificação do fato jurídico tributário, realizar o lançamento. De igual modo, uma vez impugnado o lançamento, Administração Pública Fazendária com competência para julgar (jurisdicional) deve conduzir-se com vistas a obter elementos que a aproximem da realidade efetivamente ocorrida. Com isso, a possibilidade de produção de provas e a pesquisa a respeito das produzidas hão de ser amplas. Deriva, pois, esse princípio da verdade real do princípio inquisitivo

A aplicação do princípio inquisitivo (ou inquisitório) ao procedimento administrativo fiscal e ao procedimento administrativo tributário, com vistas a obter sempre a verdade real, deriva da circunstância de o direito tributário material envolver bens jurídicos indisponíveis tanto ao particular como ao Estado — que somente pode abrir mão dele nos casos expressamente previstos em lei.

Assim, se de um lado há o dever de investigação por parte da administração pública fazendária quanto à eventual ocorrência de fatos geradores não submetidos à tributação ao tempo e modo devidos, por outro há também para o contribuinte a garantia de que somente sofrerá a imposição tributária se, a rigor, os fatos descritos na norma jurídica tributária efetivamente ocorreram no plano fenomênico. E tal circunstância há de defluir inequivocamente do exame de provas colhidas nos procedimentos administrativos .

A razão de incumbir à autoridade administrativa fazendária a busca pela verdade real nos procedimentos administrativos fiscal e tributário também pode ser buscada na circunstância de ser o princípio da legalidade um princípio regente do direito tributário. Como a obrigação tributária somente surge a partir do momento em que se verifica a ocorrência, no plano fenomênico, do fato de conteúdo econômico descrito na norma jurídica tributária (arts. 113 e 114 do CTN), cumpre que se investigue a realidade dos fatos, apreciando todas as circunstâncias que a atividade cognitiva/instrutória apresenta, de modo a concluir pela (in)ocorrência do fato gerador .

A busca pela verdade material corresponde à necessidade de realizar uma aproximação entre a realidade factual, que se estabelece(u) no plano fenomênico, e a representação formal, que se registrou por algum dos elementos de sentido. Esta correspondência gerará aquilo que se costuma denominar de verdade material ou verdade real.

Para arrematar, Aurélio Pitanga Seixas Filho afirma que, mercê desse princípio “a autoridade fiscal deverá investigar a real conduta praticada pelo contribuinte, documentando-a de uma forma que possibilite um pleno direito de defesa, cumprindo, assim, o dever de motivação do ato administrativo”.

O princípio da verdade material, pois, conjuga-se com o da tipicidade; com efeito, ao aplicador da norma tributária incumbe construir previamente o tipo tributário, bem assim realizar uma percepção o mais fidedigna possível dos fatos que ocorreram a fim de somente aplicar a norma se restar sobejamente demonstrado que a hipótese normativa se concretizou.

5. O EIDOS E O TIPO; A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO DE MERLEAU-PONTY E A BUSCA DA “VERDADE REAL” NO ATO DE IMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA.

Estabelecidas, pois, estas premissas tanto quanto à redução fenomenológica de Edmund Husserl e a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, cumpre realizar o cotejo com o princípio da tipicidade fechada e o princípio da verdade real aplicados ao fenômeno tributário.

Inicie-se, pois, com a redução fenomenológica — eidética — e o princípio da tipicidade tributária. Crê-se que a aplicação desse método (redução eidética) ao direito se torna mais evidente quando o intérprete e aplicador há de se valer do método tipológico, isto é, pensamento por tipos. Noutros termos, quando o sistema se vale da tipicidade para permitir a juridicização dos fatos — tal como ocorre, de ordinário, no direito sancionador e no direito tributário — há de se investigar objetivamente tanto o tipo legal como os fatos a fim de se possibilitar a correta subsunção, se for o caso.

Cumpre à norma jurídica o determinar rigorosamente todos os elementos que comporão a relação jurídica tributária. No que toca ao fato propulsor da relação tributária, a lei deve traçar todos os elementos que importam para o nascimento da obrigação tributária, com o estabelecimento rígido dos elementos que devem se fazer presentes no plano fenomênico para viabilizar a incidência da norma tributária. Cria-se, pois, como dito, um tipo tributário.

Amiúde, a criação desse tipo tributária se inicia pela determinação da regra de competência tributária por intermédio da Constituição; isto é, a norma constitucional que outorga a competência tributária para determinado ente político, ao fazê-lo, já fornece os primeiros contornos do tipo tributário. Assim, por exemplo, quando a Constituição outorga competência aos Estados-membros e ao Distrito Federal para a criação de imposto sobre a circulação de mercadorias [e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e serviços de comunicação — ICMS (art. 155, inciso I, da CF/88)], já está a fornecer os primeiros elementos para a construção do tipo: a) circulação (jurídica) — operação de transferência de um bem do patrimônio de um sujeito ao de outro; b) de mercadoria — coisa móvel destinada à mercância. Da mesma forma, quando outorga competência para os Municípios e para o Distrito Federal a fim de instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) (art. 156, inciso I, da CF/88), já está a indicar que o tipo tributário há de ser composto pelo direito real propriedade, que recaia sobre imóvel situado em zona urbana. De igual sorte, por fim, quando a Constituição outorga à União a competência para a criação de imposto sobre a renda (art. 153, inciso III, da CF/88): o primeiro elemento a integrar o tipo é renda, compreendido como acréscimo patrimonial resultante do capital do trabalho ou da combinação de ambos. Esses elementos conjugar-se-ão com as normas gerais de direito tributário editadas por lei complementar (art. 146, inciso III, alínea a, da CF/88), bem assim com as normas editadas por cada ente tributante.

Conforme bem explica Misabel Abreu Machado Derzi, embora critique a nomenclatura empregada, o modo de pensar tipificante envolve um trabalho precedente do aplicador da lei, extraindo as características comuns à maior parte de uma multiplicidade de fenômenos, em tese passíveis de enquadramento na norma e formando o tipo; i.e. a abstração-tipo esquema ou padrão. A criação dos tipos propriamente ditos é meio que abstrai e generaliza .

Sucede que ao tipo legal tributário e ao fato se chega por intermédio de uma redução fenomenológica. Mais precisamente, se alcança a verdadeira configuração do tipo por meio de uma redução eidética. Vale dizer, para que a norma tributária incida, gerando a obrigação tributária, é necessário que empreenda uma redução fenomenológica tanto na norma legal — a fim de que se construa o tipo — bem como no fato apreciado, de compondo-o e buscando sua essência imanente para que se faça a correta leitura do fenômeno. Deve-se buscar, pois, o eidos de ambos, de sorte que, havendo coincidência entre eles — em maior ou menor escala —, configura-se a circunstância necessária e suficiente para se fazer a subsunção e determinar a incidência da norma tributária.

Por intermédio da redução fenomenológica introduzida na norma tributária, se alcança a sua essência, o seu eidos, que configura o tipo tributário. O aplicador da norma, de outra parte, após alcançar o eidos por intermédio de investigação sobre o texto normativo, há de verter sua análise para o fato que lhe posto para a apreciação. De igual modo, incumbe-lhe buscar a essência desse fato — seu eidos, portanto. Por fim, coteja-os e avalia se é caso de aplicar a norma ou não. Caso se convença que não há correlação entre ambos (eidos da norma e eidos do fato), rejeitará a aplicação da norma por atipicidade – .

Para se aplicar a norma ao fato (tributário), há de se investigá-lo, pois, como visto, sob a perspectiva da busca da verdade material (ou real). Neste mister, convém realizar-se uma redução fenomenológica a ser empreendida sobre o fato ao qual se pretende aplicar a norma, pois, o reconhecimento do fato, a apreensão de sua essência é o ponto de partida para o intérprete construir, a partir das disposições legais contidas no ordenamento, a norma do caso concreto. Nesse passo, o pensamento de Merlau-Ponty, fundado na chamada fenomenologia da percepção, tem aplicação.

O aplicador da norma, na investigação do eidos do fato, terá em linha de conta tanto os dados captados pela sensibilidade (a atenção) — que advêm da experiência primeira de contato com o fato —, como aquilo que ela (a sensibilidade) não fornece diretamente, mas de que o sujeito cognoscente necessita como um fator de percepção para bem compreender a realidade que se lhe afigura (o juízo) .

A propósito do que se vem argumentando, muito bem explica Karl Larenz, ao tratar da conformação e apreciação jurídica da situação de fato, que os enunciados construídos pelo intérprete e aplicador da norma sobre fatos assentam-se em percepções. Desse modo, o julgador apóia-se em percepções próprias ou, as mais das vezes, em percepções de outras pessoas, que lhe foram comunicadas pelos meios disciplinados pelo ordenamento jurídico (envolvendo tanto normas de cunho material como normas de cunho processual). Essas percepções particulares associam-se, com fundamento na experiência cotidiana, em imagens representativas. Nisto reside algo semelhante a uma interpretação das normas jurídicas; nesse particular, a apreciação da situação de fato se faz com base na percepção. Nessa linha de intelecção, também as relações jurídicas — que integram as categorias eficaciais advindas de fatos juridicizados por outras normas jurídicas — podem ser elementos de previsão legal; sucede que a existência de uma relação jurídica determinada num determinado período não é um fato da natureza, que, como tal, fosse acessível em princípio à percepção, mas, antes, um “fato” dentro do mundo do juridicizado; por isso, o que é, em essência, uma conseqüência jurídica, decorrente da aplicação de normas jurídicas a certos fatos da vida, pode, a seu turno, atuar como elemento da previsão de uma outra proposição jurídica, sendo, desse modo, objeto de percepção, em atividade de atenção e de juízo .

A busca da verdade real, portanto, impõe ao aplicador da norma tributária tanto uma atividade de atenção como uma atividade de juízo, limitando sobremaneira, contudo, o campo de atuação das presunções, haja vista o princípio da tipicidade cerrada que opera no campo tributário.

Considerar que o processo administrativo fiscal e tributário pauta-se no princípio da verdade real significa dizer que ao intérprete-aplicador da norma tributária é imposto o dever de, na apreciação da situação de fato, empreender uma atividade que se qualifica, no pensamento de Maurice Merleau-Ponty, como uma atividade de atenção e de juízo.

De atenção porque o intérprete-aplicador há de estar sensível à percepção de todos os elementos que reproduzem a realidade ocorrida e que influem no fenômeno tributário. Quanto mais correta percepção desses elementos mais próximo o intérprete-aplicador estará da verdade acerca do fatos que se desenvolveram.

Encerra, de igual maneira, uma atividade de juízo na medida em que os elementos apreendidos por intermédio da atenção são submetidos a uma apreciação pelo sujeito cognoscente por meio de elementos necessário à percepção, mas que refogem à captação pelos sentidos.

Assim, por exemplo, a apreciação de elementos como dolo e má-fé, muito comuns nos tipos legais tributários de natureza infracional, e que interferem sobremaneira na graduação da sanção; exige-se uma atividade em que deverão ser aquilatados elementos a partir da percepção de certas condutas, mas a conclusão acerca da ocorrência daqueles fatores anímicos deverá ser feita muito mais por meio de juízo do que por meio de atenção, malgrado aí ambas atuem.

6. CONCLUSÃO.

Ao cabo da exposição, espera-se que se tenha demonstrado à saciedade a aproximação entre o pensamento filosófico expresso nas reduções eidéticas de Edmund Husserl e o princípio da tipicidade tributária, bem assim a fenomenologia da percepção de Maurice Merleau-Ponty e busca da verdade real no ato de aplicação da norma tributária nos processos administrativos fiscal e tributário. Isso porque:

i) A redução fenomenológica é método para a busca da essência do fenômeno, o que fora denominado na filosofia contemporânea por Husserl de eidos; daí se dizer que essa seria uma redução eidéticas, a fim de se buscar a essência. O método proposto por Husserl visa objetivar ao extremo o exame do objeto, tornando o sujeito cognoscente o mais neutro possível, de modo a viabilizar o acesso à verdadeira essência (ontologia) do objeto cognoscido;

ii) Maurice Merleau-Ponty desenvolve o pensamento da fenomenologia da percepção com base na idéia de “atenção” e de “juízo”. Aquela é fornecida pelos dados da experiência sensorial, da sensibilidade; o “juízo”, de outra banda, opera quando a experiência sensorial não é capaz de fornecer todos os dados acerca do objeto, de sorte que ao sujeito cognoscente resta realizar sua atividade com base no que se denominou de juízo.

iii) Mercê do princípio da legalidade, a norma jurídica tributária há de descrever exaustivamente os fatos que, uma vez ocorrido no plano fenomênico, provocarão a incidência da norma tributária que terá por eficácia jurídica o surgimento da obrigação tributária. Essa descrição há de ser exaustiva, a ponto de construir um standart, um tipo legal tributário. Desse mesmo modo, a norma define as categorias eficaciais normativas, bem como as forma exonerativas tributárias; todos eles são objeto de tipificação.

iv) A fim de se investigarem os fatos para efeito de aplicação da norma tributária, o intérprete-aplicador deve empreender a mais ampla e profunda investigação, fazendo uso de todas as técnicas previstas pelo ordenamento positivo, no estrito respeito aos direitos fundamentais, com vistas a chegar à conclusão a respeito da efetiva ocorrência e dos estritos limites em que eles se configuraram. Isso porque os processos administrativos fiscal e tributário se pautam pelo princípio da verdade material.

v) Obtêm-se o tipo legal tributário e o fato ao qual aplicar a norma tributária por meio de uma redução fenomenológica eidética. Há de se buscar, portanto, o eidos de ambos, de sorte que, havendo coincidência entre eles — em maior ou menor escala —, configura-se a condição sine qua non para a subsunção e determinar a incidência da norma tributária.

vi) Na atividade de exame do fato da vida a fim de extrair o eidos¬ ¬— para efeito de aplicação da norma jurídica tributária —, como dito, vige o princípio da verdade material. A postura do intérprete-aplicador a quem esta regra é dirigida pauta-se nas idéias de atenção e juízo desenvolvidas por Merleau-Ponty, pois considerar-se-ão tanto os dados captados pela sensibilidade (atenção), advindos da experiência, como aquilo que aquela não fornece diretamente, mas de que se necessita como um fator para a compreensão da realidade (o juízo).

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